Por Fabricio Rebelo*
O campo da segurança pública deveria ser imune aos
experimentos ideológicos, pois nele as cobaias são os indivíduos, os cidadãos
que formam a população de um país. Assim, quando a experiência falha, é essa
cobaia que acaba morrendo, e isso, infelizmente, é o que vem se repetindo no
Brasil.
O país escolheu o caminho errado quando identificou o grave
quadro de violência homicida em que estava imerso, buscando soluções que
passavam longe da real causa do problema e que, apenas, pretendiam transferir
para a sociedade a responsabilidade por ele. Os resultados foram catastróficos
e, hoje, o quadro homicida brasileiro é o pior desde que começou a ser
pesquisado, há quase 35 anos.
Os dados estão disponíveis na prévia da edição 2014 do Mapa
da violência, o mais confiável do país e que tem reconhecimento oficial do
Ministério da Justiça, por se basear no Sistema de Informações de Mortalidade
(SIM), do Ministério da Saúde. De acordo com ele, o país da Copa do Mundo de
Futebol e dos próximos jogos olímpicos alcançou em 2012, o ano mais recente com
dados contabilizados, seu recorde anual absoluto de homicídios: 56.337 vítimas,
com a maior taxa histórica desde o início de seu cômputo (em 1980), de
espantosos 29 assassinatos por 100 mil habitantes.
São números impressionantes, maiores, até mesmo, do que os
de países em guerra. Sua explicação, embora possa incluir aspectos mais
complexos, como tudo em segurança pública, apresenta um fator preponderante
para o agravamento do quadro: o erro do desarmamento civil.
A ideia de desarmamento foi introduzida oficialmente no
Brasil em 1997, quando foi promulgada a primeira lei efetivamente restritiva ao
porte de arma pelo cidadão (Lei nº 9.437/97), através da qual foi também criado
o Sinarm (Sistema Nacional de Armas), destinado ao rigoroso controle de sua
circulação legal. Poucos anos depois, no final de 2003, a legislação se tornou
ainda mais proibitiva, com o estatuto do desarmamento, que teve como grande
objetivo, justamente, reduzir a quantidade de homicídios no país. Tratava-se da
colocação em prática de uma ideologia desarmamentista há muito elaborada pela
ONU, ainda que sem nenhum exemplo comprovadamente positivo.
Obviamente, de nada adiantou. Os homicídios, como visto, não
foram reduzidos, mas, ao contrário, chegaram agora à sua maior marca, e o que
se dizia ser uma solução mágica se tornou um inquestionável e grandioso
fracasso. Instituindo como regra geral a proibição da posse e do porte de
armas, o estatuto do desarmamento começou a produzir efeitos em 2004, ano em
que foram registrados no Brasil 48.374 homicídios. Quatro anos depois, com a
quase extinção prática do comércio legal de armas, os números chegavam a 50.113
(2008), e desde então vêm numa ascendente, até o recorde de 56.337, registrado
em 2012.
No mesmo período, a quantidade de armas registradas no país
despencou. Dos cerca de nove milhões de registros que compunham o quadro
inicial do Sinarm, hoje apenas subsistem aproximadamente 600 mil, diante das
grandes restrições impostas ao cidadão, até mesmo para a renovação daqueles
registros que já existiam. A lei, assim, além de não contribuir para a redução
de homicídios, provocou um enorme descontrole na circulação de armas no país,
produzindo um efeito diametralmente oposto ao que se desejava. A realidade
prática do experimento ideológico desarmamentista acabou indicando que a
redução das armas legalmente em circulação gera um crescimento na quantidade de
mortes intencionalmente violentas.
A compreensão deste aumento não é difícil. A questão é que
políticas desarmamentistas, no Brasil ou em outros países, somente têm a
possibilidade de afetar os crimes passionais, aqueles tratados no Global study
on homicide 2014, da própria ONU, como “interpersonal crimes”,cometidos por
impulso e para os quais ter legalmente uma arma de fogo poderia ser um
facilitador. Contudo, a participação desses crimes na quantidade total de
homicídios no Brasil é ínfima, pois no país, de acordo com o mesmo estudo, a
causa preponderante para os homicídios é a prática habitual de atividades
criminosas – homicides related to other criminals activities – ou seja, os
assassinatos brasileiros têm relação direta com outros crimes, sobretudo o
tráfico de drogas e os roubos.
Enquanto o Brasil insistia em políticas desarmamentistas que
apenas fragilizavam o cidadão, deixou de combater as atividades criminosas das
quais realmente decorrem os homicídios. Sem estar no foco das políticas de
segurança pública e com a sociedade gradativamente indefesa, a criminalidade se
fortaleceu, e, com isso, mais e mais mortos vão sendo contabilizados.
O quadro é extremamente preocupante. O aumento da taxa de
homicídios de 2011 para 2012 chegou a 7%, e seu número absoluto já se fixou na
casa dos 50 mil há cinco anos. Se o foco não for alterado e se as políticas de
segurança pública não passarem a entender o cidadão responsavelmente armado
como um aliado, ao invés de um inimigo, o ano de 2016 poderá revelar mais
recordes para o Brasil, porém, sem nenhuma relação com as disputas olímpicas
que aqui acontecerão, mas sim com aqueles que, vitimados pela criminalidade,
não as poderão assistir.
Fonte: Jornal do Brasil
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*Fabricio Rebelo, bacharel em direito, é pesquisador em
segurança pública na ONG Movimento Viva Brasil.
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