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Criticado por Lula e pela cúpula do PT, ministro avalia a
possibilidade de deixar cargo que ocupa desde 2011
(Foto: André Dusek/Estadão)
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'Se não contribuo mais, sairei', diz o Ministro da Justiça
Pressionado pelo PT a controlar a Polícia Federal, diante
dos escândalos que atingem o partido e batem à porta do Palácio do Planalto, o
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou nesta quinta-feira, 2, que
não orienta as investigações nem para beneficiar aliados ou punir adversários e
admitiu a possibilidade de deixar o cargo.
“Se eu achar que não contribuo mais para o projeto e não
sirvo mais à presidenta, sairei”, disse Cardozo em entrevista ao jornal O
Estado de S. Paulo.
Na semana passada, o ministro chegou a ser convidado pela
Executiva de seu partido para explicar o que os petistas entendem como
“vazamentos seletivos” da Operação Lava Jato. A estratégia foi considerada “um
tiro no pé” pelo Planalto e o PT recuou.
“Eu não tenho de prestar informações só ao PT, mas a qualquer
força política que desejar explicações em relação aos meus atos”, reagiu
Cardozo. Mas, mesmo diante de uma nota de apoio à sua atuação, divulgada no fim
da tarde por deputados federais do PT, o ministro desconversou sobre seu
futuro: “Não tem nem fico nem sai”. A seguir, os principais trechos da
entrevista.
O sr. já disse ao Estado, mais de uma vez, que o cargo de
ministro da Justiça tem prazo de validade. Com tanta pressão, o sr.agora pensa
mesmo em sair?
O Ministério da Justiça tem, sim, prazo de validade. Tenho
hoje uma situação até curiosa porque, no período democrático, sou o ministro
que ficou mais tempo no cargo. O que eu posso afirmar é que, dentre os meus
muitos defeitos, a lealdade é uma qualidade. Sou leal à presidenta Dilma e ao
projeto que ela representa. Enquanto eu servir a esse projeto e ela achar que
eu sirvo, ficarei. Se eu achar que não contribuo mais para o projeto e não
servir mais à presidenta, sairei. Mas continuarei defendendo o projeto onde
quer que esteja porque acredito na presidenta Dilma e na sua honestidade.
A bancada do PT na Câmara divulgou uma nota de apoio à sua
atuação e a Executiva do partido deve recuar na intenção de convidá-lo a
esclarecer os chamados “vazamentos seletivos” da Lava Jato. Com isso o sr. dirá
fico?
Não existe nem fico nem saio. Como ministro, eu não tenho de
prestar informações só ao PT, mas a qualquer força política que deseje
explicações em relação aos meus atos. Sempre que for convidado, irei com grande
prazer.
O sr. se sente traído por seus pares ou foi pressionado a
intervir nas investigações?
De forma nenhuma. Eu represento um projeto que ajudei a
construir desde a origem do PT. Agora, é evidente que há divergências. Eu mesmo
pertenço a uma corrente (Mensagem ao Partido) que por vezes expressa posições
diferentes. É legítimo que pessoas me aplaudam ou vaiem. Eu agi, ajo e agirei,
enquanto aqui permanecer, de acordo com a Constituição e com a minha
consciência. Jamais um ministro da Justiça, num Estado de Direito, deve
orientar investigações, dizendo que os inimigos devem ser atingidos e os
amigos, poupados. Tenho minha consciência absolutamente tranquila.
O ex-presidente Lula é o próximo alvo da Lava Jato?
O presidente Lula é um líder reconhecido no Brasil e no
mundo. Eu não acredito que ele possa ter praticado atos lesivos ao patrimônio
ou atos ilícitos. Não vejo como ele possa ser alvo de investigação.
Qual foi o momento mais difícil que o sr. enfrentou até
agora?
Depois da posse, em 2011, eu não me lembro de momentos
fáceis (risos).
A dieta Ravenna, que o fez perder 22 quilos, deixou o sr.
aflito?
A dieta me deixou mais feliz. Agora, aos trancos e
barrancos, tento fazer minha tese na Universidade de Salamanca. O tema é muito
interessante, diz respeito à crise da separação de Poderes no século 21.
Os escândalos da Operação Lava Jato atingiram até mesmo a
visita da presidente aos Estados Unidos. Como o governo pode sair das cordas e
criar uma agenda positiva?
Em primeiro lugar, a visita da presidenta aos Estados Unidos
foi muito exitosa. Em segundo, não acho que o governo esteja nas cordas. Passa,
sim, por uma turbulência natural.
A presidente disse não haver provas nas denúncias contra os
ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Edinho Silva (Comunicação Social) e
afirmou que condenar assim é “um tanto quanto Idade Média”. Isso não é
desqualificar a Polícia Federal?
Não. O que ela fez foi um juízo de apreciação sobre o papel
de delações premiadas. É uma peça de investigação, não é sentença condenatória.
Um delator pode falar a verdade, mentir, dizer meias-verdades.
O empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, está mentindo?
Não sabemos se há correspondência entre o que a imprensa
divulgou e o que foi dito na delação premiada. O que posso afirmar em relação
ao ministro Mercadante e ao ministro Edinho é que tenho a mais absoluta
convicção da lisura dos procedimentos deles. São pessoas sérias, respeitáveis.
Todos dizem que as doações recebidas foram legais e
registradas tanto para a campanha da presidente Dilma, como para a do
ex-presidente Lula e para a do então senador Mercadante ao governo de São
Paulo. Mas e a origem do dinheiro? Como explicar a propina na Petrobrás?
Pelo que me consta, o empreiteiro deu contribuições não
apenas a campanhas do PT. Deu também para outro candidato a presidente da
República, para governos estaduais...
O governo sempre alega que as doações foram
suprapartidárias. Uma coisa justifica a outra?
Não. O que eu digo é que tudo tem que ser investigado.
Eventuais contribuições vindas de recursos indevidos têm que ser apuradas. Em
geral, os candidatos recebem contribuições e não têm nem como atestar a origem
do dinheiro. Agora, considerando que essa empreiteira mantinha contratos com
governos estaduais que também tinham candidatos, por que dizer que as doações
ilícitas são só em alguns casos?
O sr. se refere ao PSDB?
Estou falando de todas as contribuições que passaram pela
UTC. Eu não posso fazer investigações parciais. E não falo isso para isentar
ninguém. Se houver pessoas do meu partido que tinham consciência da ilicitude
de uma doação, deverão responder. A lei vale para todos. Isonomia é pressuposto
básico de investigação séria.
Depois de uma manobra feita pelo presidente da Câmara,
Eduardo Cunha, o governo foi novamente derrotado e a redução da maioridade
penal de 18 para 16 anos, em casos de crimes hediondos e delitos graves, acabou
aprovada. O que fazer?
Essa proposta é trágica e desastrosa por todas as
consequências que gera. É inconstitucional, porque fere cláusula pétrea e
contraria todos os estudos de especialistas que recomendam que jovens nunca
sejam tratados como adultos. Nos países em que isso acontece, a violência é
maior. Cabe ao governo abrir esse debate.
A sua corrente no PT defende mudanças na política econômica,
diz que a presidente não cumpriu promessas de campanha e faz duras críticas ao
ajuste fiscal. O sr. fica confortável com isso?
Defendo vigorosamente o ajuste fiscal. A equipe econômica
está no rumo certo. Se tivesse participado da reunião que definiu isso, seria
voto vencido.