Por Revista VEJA
Apontado como chefe do clube do bilhão, Ricardo Pessoa
negociava acordo de delação premiada - e ameaçou contar às autoridades detalhes
do petrolão
O Supremo Tribunal Federal concedeu nesta terça-feira habeas
corpus ao empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC, que está preso
desde novembro do ano passado em Curitiba (PR). Seguindo voto do relator,
ministro Teori Zavascki, a maioria dos ministros da turma entendeu que a prisão
preventiva não pode ser aplicada como sentença antecipada, mesmo diante da
gravidade dos crimes praticados. Em troca da concessão do habeas corpus, foram
estabelecidas medidas cautelares. Pessoa ficará em prisão domiciliar, será
monitorado por uma tornozeleira eletrônica, não poderá ter contato com outros
investigados e deverá comparecer à Justiça a cada 15 dias. O executivo também
está proibido de deixar o país e deverá entregar o passaporte. Os ministros
decidiram estender a outros acusados os argumentos apresentados para soltar o
presidente da UTC. Também serão soltos os executivos da OAS José Ricardo
Nogueira Breghirolli, Agenor Franklin Magalhães Medeiros, Mateus Coutinho de Sá
Oliveira e José Aldemário "Léo" Pinheiro Filho, além de Sérgio Cunha
Mendes (Mendes Júnior), Gerson de Melo Almada (Engevix), Erton Medeiros Fonseca
(Galvão Engenharia) e João Ricardo Auler (Camargo Corrêa).
Todos devem ser soltos a partir desta quarta-feira.
Até o momento, os pedidos de liberdade dos empreiteiros
investigados na Lava Jato vinham sendo negados pelos ministros do STF, sob a
justificativa de que os recursos ainda tinham de passar pela análise das
instâncias inferiores, como o Tribunal Regional Federal da 4ª Região e o
Superior Tribunal de Justiça (STJ). Contudo, os pedidos levados a julgamento
nesta terça já haviam sido julgados e rejeitados pelo TRF e pelo STJ.
Acompanharam o voto do relator os ministros Gilmar Mendes e
Dias Toffoli. Já a ministra Cármen Lúcia e o ministro Celso de Mello defenderam
que o acusado continuasse preso até o fim dos depoimentos marcados pela Justiça
Federal em Curitiba. Para a ministra, o afastamento voluntário do executivo da
gestão da empreiteira não é garantia de que Pessoa não voltará a cometer os
crimes.
Reportagem de VEJA no início deste mês demonstrava que a
tendência no STF era, de fato, a libertação dos empreiteiros. A mesma avaliação
foi expressa pela presidente Dilma a interlocutores, numa conversa reservada no
Palácio do Planalto, informou a reportagem. Amigo do ex-presidente Lula e
considerado o chefe do clube que fraudava contratos na Petrobras, Pessoa
ameaçou contar às autoridades detalhes do petrolão se não deixasse a carceragem
da Polícia Federal.
Conforme VEJA revelou, ele disse a pessoas próximas que
pagou despesas pessoais do ex-ministro José Dirceu e deu 30 milhões de reais,
em 2014, a candidaturas do PT, incluindo a presidencial de Dilma Rousseff -
tudo com dinheiro desviado da Petrobras. Pessoa também garantiu ter na memória
detalhes da participação dos ministros Jaques Wagner (Defesa) e Edinho Silva
(Secretaria de Comunicação Social), tesoureiro da campanha de Dilma em 2014, na
coleta de dinheiro para candidatos petistas. Uma vez fora da cadeia, a
tendência é que os empresários abandonem as negociações com os procuradores
sobre acordos de delação premiada, tornando cada vez menor a possibilidade de
colaborarem com as apurações.
Pouco antes do início do julgamento, a Procuradoria-Geral da
República divulgou nota em que expressava sua contrariedade ante a libertação
dos empreiteiros. Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal, o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou que existência de
organização criminosa em funcionamento justifica a prisão de Pessoa.
"Deve-se ressaltar que o paciente foi o principal responsável por
desenvolver o mecanismo e a forma de atuar da empresa ao longo dos anos,
baseando-se na formação de cartel e na corrupção de funcionários públicos. Não
há como assegurar que seu afastamento irá realmente impedir que continuam as
mesmas práticas delitivas, arraigadas na 'cultura' e como elemento próprio da
forma de atuar da empresa", sustentou Janot.
Tese de soltura - O advogado Alberto Toron, que defende
Pessoa, ajuizou o pedido de habeas corpus que soltou todos os executivos. Na
tribuna do STF, ele argumentou que há diversas decisões do STF com indicações
de que a prisão preventiva tem caráter excepcionalíssimo. Ele argumentou também
que a detenção por prazo indeterminado, antes do julgamento, não era mais
necessária para assegurar a instrução criminal, porque que essa fase processual
já terminou. "O interrogatório está marcado para 4 de maio, segunda-feira
próxima, ou seja, todas as testemunhas já foram ouvidas", afirmou.
Zavascki reconheceu a tese de Toron ao citar que os
requisitos da prisão preventiva e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
apontam que a prova da existência de crime é argumento insuficiente para
justificar, isoladamente, a adoção da prisão preventiva. O relator simplesmente
argumentou que a prisão preventiva só deve ser mantida se ficar provado que se
trata do único modo de afastar riscos contra a garantia da ordem pública e
econômica, a conveniência da instrução criminal e a segurança da aplicação da
lei. Disse ainda que a prisão preventiva não pode ser apenas justificada pela
possibilidade de fuga dos envolvidos, sem indicação de atos concretos e
específicos atribuídos a eles que demonstrem intenção de descumprir a lei.
"Decretar ou não decretar a prisão preventiva não deve
antecipar juízo de culpa ou de inocência, nem, portanto, pode ser visto como
antecipação da reprimenda nem como gesto de impunidade", afirmou Zavascki
no julgamento.
Zavascki também salientou que a decisão pela liberdade
independe da possibilidade de realização de acordos de delação premiada, como
negociava Pessoa, da UTC, e cogitava Pinheiro, da OAS. O ministro afirmou que
seria "extrema arbitrariedade" manter a prisão preventiva
considerando essa possibilidade.
"Subterfúgio dessa natureza, além de atentatório aos
mais fundamentais direitos consagrados na Constituição, constituiria medida
medievalesca que cobriria de vergonha qualquer sociedade civilizada",
afirmou o relator.
Manutenção da prisão - Contrária à soltura dos executivos, a
ministra Cármen Lúcia divergiu do voto do relator e optou por negar o pedido de
habeas corpus feito pela defesa de Pessoa. No seu entendimento, o decreto da
prisão preventiva foi baseado em provas da prática de crimes de alta gravidade
contra a administração pública e de lavagem de dinheiro. Para a ministra, mesmo
com interrogatório já marcado para a próxima semana, seu resultado pode levar à
realização de novas diligências, e testemunhas podem ser novamente
interrogadas. "Não existe instrução quase acabada", afirmou.
A ministra também argumentou que a suspensão de novos
contratos com a Petrobras não impede a continuidade de contratos em andamento,
nem a realização de novos contratos com o poder público. Assim, é difícil
verificar a eficácia das medidas alternativas à prisão propostas no voto do
relator. "Não sei como essas medidas poderiam ser impostas com controle
absoluto", afirmou.
Último a votar, o ministro Celso de Mello acompanhou a
divergência aberta pela ministra Cármen Lúcia. Para ele, ainda persistem os
motivos que ensejaram a prisão do empresário: a periculosidade do réu e a
probabilidade de continuidade dos graves delitos de organização criminosa,
corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Para o ministro, é inviável a conversão
da prisão preventiva nas medidas alternativas.
De acordo com o decano da Corte, as circunstâncias que
justificaram a prisão de Pessoa não se esgotaram definitivamente, especialmente
pelo fato de que ainda há a possibilidade de novos depoimentos de testemunhas.
De acordo com a denúncia, mesmo durante as investigações, negociava-se, com
envolvimento da UTC, pagamento de propinas e cooptação de agentes públicos. Pessoa
também foi acusado de patrocinar uma ameaça à contadora Meire Poza, feita por
um advogado que agia a mando da UTC.
"Torna-se inviável a conversão da prisão preventiva em
medidas cautelares alternativas quando a privação cautelar da liberdade
individual tem fundamento, como sucede na espécie, na periculosidade do réu em
face da probabilidade real e efetiva de continuidade da prática de delitos
gravíssimos, como os de organização criminosa, de corrupção ativa e de lavagem
de valores e de capitais", disse o ministro.