Por Vania L. Cintra
No começo deste mês de junho, o presidente da Assembléia
Nacional venezuelana desembarcou no Brasil não-oficialmente e, portanto, após
ter desembarcado, ao passear pelas ruas, não teria gozado ostensivamente da
proteção do governo brasileiro. Se Diosdado Cabello veio até aqui, alguém o
terá convidado. Fez algumas visitas, falou com algumas pessoas, entre elas Lula
da Silva e as lideranças do MST, talvez se tenha regalado com uma boa buchada
de bode e foi embora. Ninguém me perguntou, mas direi: não gostei dessa visita.
Nem um pouco.
Dias depois, nesta semana agora, senadores que se dizem de
oposição ao governo de nossa República atenderam a um convite feito pela
oposição à situação venezuelana. Um deputado do Sergipe (João Daniel-PT), que
participa da comitiva de grupos de movimentos sociais brasileiros que se
encontram em Caracas, terá afirmado, em entrevistas ao canal de televisão do governo
venezuelano e a O Estado de S.Paulo
(http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2015/06/19/para-petista-em-caracas-senadores-de-oposicao-desrespeitaram-governo-de-maduro.htm),
que a visita dos senadores brasileiros da oposição ao governo Rousseff aos
opositores do governo Maduro teria sido "oportunista", que eles
estariam fazendo “um ato político contra o governo da Venezuela, o que é
lamentável", e, por tentar visitar os opositores da política praticada na
sede bolivariana que já se encontram atrás das grades, essa visita serviria
apenas para "desgastar o governo democrático”.
Astuto, esse rapaz. Rousseff, que, quando quer, também sabe
ser bastante ladina, logo percebeu, por sua vez, que essa visita dos senadores
a Caracas teria “um viés político”. Mas... e a visita de Diosdado Cabello ao
Brasil, que não foi “oficial”? Ou teria sido? Ela também teria tido “um viés
político”? Ou não, e foi apenas um passeio?
Nada tenho contra o roteiro turístico oferecido aos nossos
senadores. Afinal, estamos no Outono, faz frio por aqui, e em Caracas é plena
Primavera, quando os passarinhos gorjeiam e pulam de galho em galho. Os
senadores até poderiam ter tido a sorte de, entre eles, encontrar o Chávez.
Nada tenho a ver com isso e nada tenho contra, mesmo que eu, que não sou lá
muito criativa, não consiga imaginar que é o que poderiam fazer de bom por lá,
se muito pouco ou quase nada fazem eles por aqui.
Pelo mesmo motivo – porque não sou lá muito criativa – não
entendi também por que cargas d’água aquele nosso ministro de
só-deus-lá-sabe-quê resolveu ser pródigo e lhes cedeu um de seus aviões com
seus tripulantes – aqueles, que nós, simples mortais, imaginamos que são os da
FAB. Não, também, que eu tenha algo a ver com isso, mas... a FAB tem poucos
aviões, tem pouca gasolina, tem poucos recursos e tem muito mais a fazer que
levar senadores a passear. Mesmo que estejam com coqueluche. É o que eu acho.
Muito menos entendi por que cargas d’água ele mesmo, o
ministro, intermediou esse passeio para que um encontro fraternal entre as
oposições de ambos os Estados amantes do realismo bolivariano se fizesse,
empenhando-se em prometer de público aos senadores brasileiros que eles teriam
garantido o “direito a livre circulação no país vizinho” e poderiam “visitar as
famílias dos políticos venezuelanos que estão presos e também conversar com
membros da oposição que estão em liberdade”
(http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/40730/).
Pois bem. O que o ministro prometeu, o ministro não cumpriu.
Não cumpriu porque nem pretendia cumprir, tal como muitas coisas que possa vir
a prometer, nem poderia ter prometido - ou soaria como uma ameaça ao governo
vizinho caso os termos acordados não fossem cumpridos. E porque isso foi
prometido mas nem por isso foi cumprido, aquela leva de senadores brasileiros
voltou pra casa também “sem cumprir agenda”. Segundo nota expedida pelo
Itamaraty - que lamentou os incidentes que “prejudicaram o cumprimento da
programação prevista” e afirmou que “são inaceitáveis atos hostis de
manifestantes contra parlamentares brasileiros''
(http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2015/06/18/itamaraty-diz-que-atos-contra-senadores-na-venezuela-sao-inaceitaveis/)
entre os quais se incluíram pedradas – os senadores teriam sido “retidos no
caminho devido a um grande congestionamento ... ocasionado pela transferência a
Caracas, no mesmo momento, de cidadão venezuelano extraditado pelo Governo
colombiano”. Coisas venezuelanas, que se referem aos venezuelanos. Explicadas
elas foram e explicadas elas já estão. Que mais esclarecimentos poderá exigir o
Itamaraty do governo de Caracas?
Mas, por ter sido assunto tratado pelo ministro do Estado
brasileiro entre o Governo da Venezuela e os nossos viajantes, que são
senadores da República brasileira, a visita por eles feita poderá ser
considerada... “oficial”... Ou não? E o descumprimento dos termos acordados
poderá ser considerado uma afronta ao Estado brasileiro...
Então, tendo sido afrontado o Estado brasileiro nas pessoas
dos senadores e do ministro, nenhum míssil, com certeza, será apontado para
Caracas, mas, sim, resolve-se a questão bolivarianamente: enviando-se outro
avião da FAB com uma segunda leva de senadores da nossa República a visitar a
Venezuela
(http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/40748/senado+brasileiro+aprova+ida+de+nova+comissao+a+venezuela.shtml). Será agora uma leva de senadores da oposição à oposição à situação de nossa
República. É evidente que merecerá voar pela FAB. A primeira leva não mereceu?
E essa segunda leva será enviada exatamente para quê? Ora, para que volte após
“cumprir agenda”... E tudo estará resolvido.
Ou não. Nunca se sabe. E aí, eu, que já sou um bocado,
ponho-me ainda mais curiosa, tentando entender o que não é para ser entendido:
deveríamos apresentar uma terceira, uma quarta, uma quinta leva de senadores?
Muito bem: se nada de sério nossos senadores encontram a
fazer por aqui, que aproveitem o tempo vago. Não, também, que eu tenha algo a
ver com isso, mas... as coisas são como elas são. Que se organizem, façam fila,
garantam a senha e a vez. Que se entupam todos de pabellón criollo, que tirem muitas
fotografias, que tragam muitas lembranças boas ou amargas... Só acho que
deveriam fazer tudo isso e o céu também por conta própria.
E fico pensando cá comigo mesma: um abraço solidário, seja
mais, seja menos bolivariano, a gente pode enviar pelo correio. E, levando em
conta o balanço da marola que tão surpreendentemente vem crescendo ao sabor dos
ventos, e todos os ajustes necessários para que possamos continuar flutuando,
por que os senadores de nossa República, essa coisa de brasileiros que deveria referir-se
aos brasileiros, não se comportam um pouco menos bolivarianamente, não fazem
uma vaquinha entre os interessados em conhecer a Venezuela antes que ela acabe,
e, fretando um ônibus, vão a Caracas, todos eles, durante o recesso de julho
que começa de hoje a menos de um mês? Poderiam alugar o da CBF.
Numa dessas, viajar de ônibus é mais seguro, mais
instrutivo, mais divertido, mais confortável. Eles poderiam ir parando de vez
em quando, conhecendo o território, tomando contato com o povo... Para os cofres
públicos, ou seja, para todos nós, poderia ser bem menos oneroso. E evitaria
esses problemas esquisitos todos, que não deixam de ser desagradáveis, que
podem perturbar e incomodar a tranqüilidade das cabeças bem pensantes, que
preferem inovar, não se atendo muito às funções e às tradições diplomáticas e
das Armas, voltando-se prioritariamente à construção da paz e de uma nova
ordem, seja ela mais ou seja menos bolivariana, tanto faz. Além de que, assim,
poderíamos, pelo menos, aceitar a intempestiva e impertinente visita que
recebemos de Cabello como se fosse uma gentileza, não uma agressão. E tudo nos
pareceria menos acintoso, menos desaforado, menos absurdo...
Não acham, não? Eu acho. Mas devo estar errada. Como sempre
estive. E sempre hei de estar.