Por Aileda de Mattos Oliveira
O pronunciamento terceirizado da ‘comandante em chefe’,
transformada em solitário recruta ao surgir estranhamente de casaco
verde-oliva, nem merece comentários.
A expectativa concentrava-se na Ordem do Dia do Comandante
do Exército, alusiva à data histórica da Corporação, 19 de Abril. Solenidade
antecipada, domingo era o dia, descartado, certamente, para os medalhados
políticos irem para as suas bases ou para outros locais que não nos dizem
respeito.
Quanto aos Generais, neles sim, reside a preocupação dos
bons brasileiros que temem ocorrer, por simbiose, a perda, por esses homens, da
personalidade, do compromisso com os comandados, do juramento militar, das
obrigações e deveres com a soberania do Brasil, como tem acontecido, infelizmente,
logo que adentram o Ministério da Defesa.
A aura petista, sabemos, é de tal maneira pestilenta que até
a Ordem do Dia perdeu a grandiosidade de sua forma e de seu conteúdo para se
revestir do estilo a gosto da pobreza intelectual e cerceadora dos sucessivos
ministros.
Apesar disso, foi com muita propriedade que o Comandante fez
atravessar no tempo os 367 anos que unem o trabalho hercúleo das forças
luso-brasileiras e de seus heróis miscigenados aos miscigenados e heroicos
pracinhas na Itália e, ainda, aos heroicos e miscigenados, vingativamente
postos na Maré, pela presidente despeitada. Fala e imagens completaram-se.
Muito bom o vídeo do Comandante.
No entanto, às vezes, no afã de falarmos com melódica
sonoridade, o conteúdo da mensagem sofre a vertigem de um nocaute espetacular.
Foi o que aconteceu com o conflito entre palavras que, esperamos, não tenha
sido efeito adverso dos elogios, sem propósito, ao anterior Comandante, no
almoço com a Reserva, em Brasília.
Parodiando a frase de César, tantas vezes repetida pela
verdade contida, afirmamos que ‘não basta parecer Ordem do Dia, tem que ser
Ordem do Dia’.
O Estado de São Paulo (p. A6, 17 de abril) explorou
politicamente a má retórica, a ponto de dizer que “o general Eduardo Villas
Bôas falou quatro vezes” a frase “uma nova Força Terrestre para o mesmo
Exército”.
Nesse momento, o Comandante transformou-se num demiurgo pelo
milagre realizado de uma “nova” Força Terrestre no “mesmo” Exército. “Força
Terrestre” não é “Exército”?
Talvez pensasse em termos de adestramento profissional, mas
não ousou falar às claras, preferindo o contraditório, o jogo labiríntico das
palavras, os subentendidos. Assim, agradou a gregos e a troianos, mas não
àqueles que, como eu, não pertencem a nenhum dos grupos, brasileiros e
patriotas que são.
Logo veio a afirmação agradável aos ouvidos dos antigos
guerrilheiros, mas insustentável para nós, que queremos um Brasil livre de
mafiosos e de entreguistas, e desejamos ver as cores nacionais triunfarem sobre
o vermelho da traição.
Capciosa soou a declaração de que “... o mesmo Exército
sempre democrático, apartidário...” (Noticiário do Exército). A palavra
“apartidário” criou uma grande dúvida em nosso espírito, e a dúvida faz mais
estragos que a certeza, já que a ambiguidade é incômoda à clareza e ao sossego
psicológico da parte atuante da sociedade.
Se, pela acomodação do povo brasileiro e pelo apartidarismo
anunciado da Força Terrestre, houver uma tentativa atrevida de implantação do
regime comunista no país, esta Força manter-se-á omissa, fechada em si mesmo?
Nesse caso, estará implicitamente acatando as imposições do Foro de São Paulo,
deixando, portanto, de ser “apartidária” e se ombreando ao partido do governo.
Ou, ao contrário, manter-se-á fiel às suas tradições, ao lado dos defensores da
democracia, que não têm partido e somente defendem o Brasil?
A oportunidade de estabelecer, firmemente, a posição do
Exército ante a sociedade, que concedeu à Instituição o primeiro lugar nas
pesquisas de credibilidade*, assegurando-lhe a pronta presença contra todas as
ameaças internas e externas, foi perdida pelo Comandante na segunda parte de
seu pronunciamento, ao não imprimir nela um demonstrativo do “braço forte“ que
todos nós esperávamos. A “mão amiga” foi a retórica para petista ouvir.
Se sabemos o passado do Exército, desconhecemos o que
planeja no presente, e, por essa razão, deixamos registrado ao Comandante, o
nosso desapontado parecer: uma Ordem do Dia redigida sob medida, visando,
unicamente, à satisfação dos interesses cerceadores dos apátridas com os quais
tem que conviver, não se coaduna com a Ordem do Dia ansiosamente esperada por
todo o estamento militar e pelos civis, que estão aos militares irmanados.
*Jornal Inconfidência, n.º 213, p. 13; fonte: FGV.
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Aileda de Mattos Oliveira é Dr.ª em Língua Portuguesa.
Vice-Presidente da Academia Brasileira de Defesa.