O que esperam das eleições os revolucionários conscientes da
causa e todos aqueles que consideram o Parlamento eleito pelo sufrágio
universal uma máscara da ditadura burguesa? Essa foi a pergunta que o ideólogo
socialista italiano Antonio Gramsci fez em seu artigo “Os revolucionário e as
eleições” escrito em 1919. Essa é a pergunta que o eleitor brasileiro, ou pelo
menos aquele que é formador de opinião, tem de se fazer.
Alguns se perguntariam qual a necessidade de tal
questionamento. Contudo, nunca é tarde para lembrar: os integrantes do partido
que hoje nos governa vêm fazendo a mesma pergunta há pelo menos 40 anos. Tentar
entender as possíveis respostas dessa pergunta é essencial, pois os ditos de
Antonio Gramsci compõem a fundação teórica desse mesmo partido.
É verdade que os partidos e intelectuais de cunho
revolucionário jamais pararam de confabular, conjecturar e exercitar
dialeticamente seus termos. Não obstante, ao ler Antonio Gramsci logo se vê que
embora adequações tenham sido feitas ao que ele disse, a base e o modus
operandi do Partido dos Trabalhadores ainda segue majoritariamente os ditames
do ideólogo italiano.
Para citar um exemplo dentre vários dessa adequação: mesmo
que o pensador alemão Herbert Marcuse tenha trazido o novo insight sobre a
necessidade da classe revolucionária ser representada pelos párias da sociedade
[1] e não pelos proletários – que hoje se engalfinharam na corrida capitalista
–, ainda assim vemos o Príncipe partidário gramsciano como o regente de todo o
aparato revolucionário.
E o Príncipe sempre é partidário e eleitoral na realidade
gramsciana, pois segundo o pensador italiano, “os resultados da luta eleitoral
[...], modificam, sem dúvida, as relações de força entre as instituições em que
se encarna a luta, de classe, em que se encarna hoje o processo de
desenvolvimento da revolução” [2].
Para o ideólogo, tal necessidade eleitoral se faz também por
conta de que uma revolução brusca e violenta poderia suscitar o apoio à uma
contrarrevolução muito mais forte e muito mais brusca vinda da tal burguesia
reacionária. Sendo assim, é necessário para Gramsci
“que o esforço eleitoral do proletariado [hoje adequado
também a outra classe, conforme vimos acima] consiga fazer entrar no Parlamento
um bom nervo de militantes do Partido Socialista e que esse seja bastante
numeroso e aguerrido para tornar impossível, a cada líder da burguesia, a
constituição de um governo estável e forte, para obrigar, portanto, a burguesia
a sair do equívoco democrático, a sair da legalidade, e determinar uma
sublevação dos estratos mais profundos e vastos da classe trabalhadora contra a
oligarquia dos exploradores” [3].
Não foi exatamente isso que aconteceu desde que o Partido
dos Trabalhadores tomou o poder? Em 2004, já dez anos após o primeiro aviso
dado sobre os perigos do PT e do gramscismo na obra A Nova Era e a Revolução
Cultural, o filósofo Olavo de Carvalho dava outro aviso no artigo “Assunto
encerrado” ao dizer:
“O PT, como digo há anos, não veio para alternar-se no poder
com outros partidos -- muito menos com os da ‘direita’ -- segundo o rodízio
normal do sistema constitucional-democrático. Ele veio para destruir esse
sistema, para soterrá-lo para sempre nas brumas do passado, trocando-o por algo
que os próprios petistas não sabem muito bem o que há de ser, mas a respeito do
qual têm uma certeza: seja o que for, será definitivo e irrevogável”.
Olavo tornou ainda mais inteligível o que Gramsci disse há
quase um século atrás.
Um olhar sobre os protestos de junho de 2013
Muito se falou após junho de 2013 sobre os perigos que o PT
enfrentaria nas próximas eleições. Seriam eles verdadeiros? Uma Presidente
Dilma pálida de pânico proferindo um discurso desconexo em rede nacional à
época dos protestos fazia parecer que sim. Ledo engano. Dilma estava sendo
avaliada pelo próprio partido acerca da sua aptidão para governante em um
cenário de ruptura revolucionária. Se ela foi aprovada ou não pelos seus pares
é algo que descobriremos no futuro.
Os protestos em si, mesmo que tenham imprevistamente
englobado as classes de fato insatisfeitas, no final só serviram para deixar o
PT mais forte do que nunca. As massas fizeram exatamente aquilo que o Partido
Príncipe espera: pediram ajuda a ele. O partido vendeu a solução dos problemas
que ele mesmo criou.
A resposta para tal manobra novamente está em Gramsci. Ao
dizer que o condottiero maquiavélico é a encarnação da vontade pública, ele
logo em seguida dá o pulo do gato e diz que é necessário que o próprio Partido
– e não uma única pessoa – se torne esse condottiero, mas não seguindo as
vontades de fato públicas, mas criando novas necessidades que só sejam
realizáveis pelo próprio Partido, de modo que ele próprio – o Partido – se
torne a única possibilidade no horizonte e a encarnação mesma da vontade popular.
Diz Gramsci:
“O moderno Príncipe, desenvolvendo-se, subverte todo o
sistema de relações intelectuais e morais; na medida em que o seu
desenvolvimento significa de fato que cada ato é concebido como útil ou
prejudicial, como virtuoso ou criminoso; mas só na medida em que tem como ponto
de referência o próprio moderno Príncipe e serve para acentuar o seu poder, ou
contrastá-lo. O Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do
imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de uma
laicização completa de toda a vida e de todas as relações de costume” [4].
É o que aconteceu em 2013: o movimento revolucionário vem há
décadas criando os entraves socioculturais e há uma década os políticos.
Chegamos ao ponto em que a única vontade disponível no horizonte de consciência
do povo é a vontade que os atuais governantes querem que tenhamos, de modo que,
como disse Olavo de Carvalho em A Nova Era e a Revolução Cultural, a
instauração da última etapa de um regime totalitário vem a ser apenas um
“orgasmo político”. Não é de se estranhar, portanto, que mesmo entre os bem
intencionados e não-militantes, os pedidos eram por mais estado (mais educação,
mais saúde, mais segurança, etc.). Tudo conforme o plano de poder do Partidão.
E ainda diz mais o ideólogo italiano sobre os protestos:
“Uma das condições de triunfo da revolução é a organicidade
unitária e centralizada da psicologia popular, é portanto a existência da
sociedade humana com uma sua configuração real e precisa. Era necessário um acontecimento
pré-revolucionário que fizesse convergir simultaneamente a atenção das massas
para os seus problemas e para as soluções que, em relação a estes problemas,
propõem as várias correntes políticas.” [5].
Em outras palavras, a revolução gramsciana só prospera
quando todos estiverem pensando da mesma maneira e as alternativas à revolução
forem impensáveis por esse mesmo bloco, isto é, mesmo que haja uma genuína
vontade de alternativas à revolução, os meios linguísticos e culturais já foram
destruídos de tal modo, que não há sequer um repertório imaginativo para tal
mudança.
A conclusão é temerosa: dada a estreiteza da cosmovisão do
povo, em parte provocada pela revolução cultural gramsciana, dificilmente a
presidência mudará de mãos neste ano de 2014. Esperemos então o avanço nas
agendas abortistas, desarmamentistas e a ideologização cada vez maior do
sistema educacional. Enfim, estamos a ver as últimas etapas do “orgasmo
político” gramsciano. As últimas semanas não deixam dúvidas acerca disso.
Notas:
[1] termo usado pelo próprio Herbert Marcuse na obra O homem
unidimensional para se referir às classes ditas oprimidas, que logo se
organizaram em movimentos que hoje conhecemos por “movimentos de minoria”:
feministas, abortistas, gayzistas, africanistas, etc.
[2] Antonio Gramsci, Escritos políticos, vol. II. “As
eleições”, p. 73.
[3] op. cit. “Os revolucionários e as eleições”, p. 65.
Grifo meu.
[4] Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere. Caderno 8. “O
moderno príncipe”.
[5] Antonio Gramsci, Escritos políticos, vol. II. “Os
resultados que esperamos”, p. 70.
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Leonildo Trombela Junior é jornalista e tradutor.