Por Rita Cohen Wolf
Sra Presidente Dilma Roussef.
Na minha carteira de identidade de número XXXXXXXXXXX
expedida pelo Instituto Felix Pacheco no Rio de Janeiro, ao lado do item
nacionalidade está escrito “brasileira”.
Sim, sou brasileira e “carioca da gema”. Filha de pais
brasileiros e mãe de filhas brasileiras. Gosto de empadinha de palmito, água de
coco , feijão e farofa. Ouço Marisa Monte, Cartola, Caetano e Cazuza. Visto a
camisa seja qual for o placar e posso mesmo declarar que tenho sangue verde e
amarelo.
Sou dos “Anos rebeldes”, aqueles em que muitas vezes o
máximo da rebeldia era cantar “Afasta de mim este cálice” enquanto ficávamos de
olho se algum colega de escola “era sumido”. Aqueles anos em que Chico Buarque
só podia ser Julinho da Adelaide. Saí às ruas pelas “Diretas Já” e, emocionada,
vi o Gabeira e o Betinho finalmente voltarem do exílio arbitrário.
Nos anos 90, com mestrado em Psicologia e em Educação, fui
honrosamente convidada a assessorar a Secretaria Municipal de Educacao do Rio
de Janeiro. Cheia de entusiasmo, fazia parte de uma equipe profissional de
primeira linha. À nossa frente, uma Secretaria de Educacao indicada pelo
Prefeito não por suas ligações políticas, mas por sua competência profissional
e comprometimento por uma Escola de qualidade para as nossas crianças.
E foi aí que comecei a perceber que algo de muito errado
acontecia na minha cidade e no meu país. Mesmo ocupando um cargo de onde
poderia “fazer acontecer”, percebi que apenas vontade política,
profissionalismo e amor pelas crianças do Rio de Janeiro não eram suficientes
para mudar a antiga engrenagem: emperrada, viciada, corrompida e perversa.
Foi depois de ter sido assaltada 8 vezes, uma delas com um
revolver apontado para a minha cabeça… foi aí que a ficha caiu e percebi que
nao poderia mais criar minhas filhas no meio da corrupção, suborno, mão-armada
e com medo da própria sombra. Tinha que me despedir do meu País.
Com muita dor no coração eu resolvi fazer as malas. Por
livre escolha, assim como tantos e tantos brasileiros. Meu País não podia me
oferecer condições dignas de vida. Não se preocupava ou não agia com eficiência
em nome do bem-estar de seus cidadãos. Fiz minhas malas e vim para o Oriente
Médio.
Apesar de na minha carteira de identidade não constar o item
“religião”, eu posso lhe contar. Sou judia.
“Judeu”, palavra que para muitos está diretamente associada
a Judas, o traidor de Jesus Cristo (ele mesmo judeu) e também a Freud,
Einstein, Bill Gates e Mark Zuckerberg e mais vários ganhadores de Prêmio
Nobel.
Optei por viver em Israel. Tornei-me israelense. Quanta
contradição, sair do Brasil por medo de assaltos e sequestros e vir para
Israel…
Aqui, Sra Presidente, quando estamos em perigo, soam sirenes
para que entremos em abrigos anti-bombas. Nunca mais estive a ponto de ser pega
por uma bala perdida, assim como nunca mais tive que sentir a dor no peito ao
ver famílias inteiras à beira da rua mendigando. Nunca mais tive que me pegar
na dúvida do que sentir diante de um pivete: medo ou pena. Por que aqui não
existem pivetes. A educação e a saúde são um direito de fato de todos os
cidadãos, independentemente de cor, raça ou credo.
Sou uma dos cerca de 10 mil brasileiros que vivem hoje em
Israel e que, hoje de manhã ao acordarem, deram-se conta de que o Governo
brasileiro chamou o embaixador brasileiro em Israel para uma “consulta em
protesto pela operacao do exército de Israel na Faixa de Gaza”. Pergunto-me se
também foram chamados o embaixador na Síria, onde na última semana morreram
mais de 700 pessoas. Ou talvez o embaixador no Iraque, onde está sendo feita
uma “purificação étnica”. O próximo passo já bate na porta: cortar as relações
diplomáticas do Brasil com Israel.
Escrevo para lhe contar, Sra. Presidente, que tenho
vergonha.
Num momento tão delicado para tantos de nós brasileiros que
vivem em Israel, no momento em que Israel recebe a visita e o franco apoio da
Primeira-ministra da Alemanha, do Ministro do Exterior da Inglaterra, do
Ministro do Exterior dos Estados Unidos e da Ministra do Exterior da Itália… um
dia depois que o Secretário Geral da ONU visita Israel e declara que o país tem
todo o direito de se defender e a seus cidadãos do ataque de um grupo
terrorista… depois disso, recebemos a notícia da chamada do Embaixador
brasileiro.
A televisão anuncia a decisão brasileira e tenho vergonha.
A vergonha não é só pelo alinhamento do Brasil com os países
islâmicos extremistas ao invés de se alinhar com a Democracia. Tenho vergonha
também dos meios de comunicação tendenciosos do Brasil, que só enxergam ou só
querem enxergar um lado da história. Mas isso já é outra conversa…
Hoje, junto com a notícia da chamada do embaixador
brasileiro, vi também na televisão que o governo de Israel está enviando vários
aviões para os quatro cantos do planeta para resgatarem israelenses que, por
conta do embargo aéreo temporário das companias de aviação estrangeiras, não
conseguem voltar para Israel. Uma verdadeira operação resgate. Por quê? Pois
aqui a vida do cidadão tem valor.
Eu vivo num país em que a vida de um soldado foi trocada
pela de mil terroristas presos por crime de sangue.
Na minha ingenuidade, cheguei a pensar que o Brasil tentaria
verificar a situação de seus cidadãos em Israel nesse momento de guerra, se é
que algum cidadão brasileiro estaria com alguma necessidade que pudesse ser
atendida pela representação do Brasil em Israel. Que bobinha…
Mais fácil talvez seja mesmo vir a cortar as relações
diplomáticas, pois não sei mais qual o valor do meu passaporte brasileiro.
Vergonha e desgosto por comprovar que mesmo depois de tantos
anos, o brasileiro ainda vale muito pouco, para não dizer quase nada, para o
seu próprio país.
E o verde-amarelo do meu sangue cada vez mais vai perdendo
sua cor.
Fonte: Rodrigo Constantino – VEJA