Por Alte Esq (Ref) Mario Cesar Flores
Ex-Ministro da
Marinha
Em exposição no Clube da Aeronáutica, Rio de Janeiro, na
campanha presidencial de 2010 (ou 2002, já não lembro) o então candidato José
Serra proferiu esta frase: “país pacífico não é país desarmado”. A ideia
responde à realidade, mas sua aplicação - o que seria armado / desarmado -
varia de país a país e deve ser ponderada pelo que influencia, ou possa vir a
influenciar no futuro imaginável. A inserção do país no cenário internacional e
a própria segurança interna, onde ela é insegura Envolvidos nas tropelias
globais, a percepção dos EUA sobre o que é estar armado ou desarmado é
obviamente distinta, por exemplo, da percepção do Uruguai, que se preocupa com
o mundo, mas não pode interferir significativamente. O Brasil se situa no
difuso nível médio do quadro, ora mais, ora menos envolvido em suas nuanças
variáveis.
O foco deste artigo é exatamente a avaliação desse
envolvimento: natureza e probabilidade de problemas capazes de exigir o uso do
poder militar e interesses e vulnerabilidades nacionais neles implicados. Essa
avaliação deve ser a base conceitual do poder militar: sua configuração e
prioridades nela incidentes, organização, distribuição geográfica e dimensões.
Nos países democráticos é assunto em que os militares são apoiados pelo
sentimento da sociedade, refletido em manifestações de intelectuais, mídia,
diplomatas e, principalmente, de políticos ou de instituições políticas.
O Brasil está longe desse paradigma. A segurança
nacional lato senso e a defesa nacional propriamente dita -
essa, em alguns países a preocupação protagônica e em outros praticamente
inexistente - são temas alheios à nossa grande massa. Tangenciam rara e
superficialmente o interesse dos brasileiros culturalmente credenciados e o dos
políticos institucionalmente comprometidos a dar-lhes atenção. Uma ou outra
instituição, geralmente universitária ou que reflete interesse econômico - da
indústria de defesa, por exemplo- dá-lhe eventualmente alguma atenção,
sem profundidade.
Na segurança interna, em que já ocorreram atuações militares
decisivas - no pós-república, em conflitos hoje inimagináveis, como Canudos,
Contestado e a revolução paulista de 1932 -, volta e meia é aventado o emprego
das Forças Armadas, agora na segurança pública, da alçada policial, embora
possa caber-lhes contribuição episódica e até decisiva, respeitados os
preceitos constitucionais que a regulam. As circunstâncias indicam o uso
interno adequado: o Exército dos EUA atendia no século XIX a missão interna
então a importante, o apoio à weaternização; atende agora a externa
e está presente no mundo,
Voltando à defesa nacional: sem ameaça claramente
perceptível, que preocupe no curto / médio prazo, a defesa nacional está
praticamente alijada do pensamento brasileiro. Ressalta, em particular, o
descaso ou o quase total (?) desinteresse do nosso mundo político que, vale
repetir, num país democrático deve refletir a sociedade - ou, quando ela é
apática, até substituí-la, já que a representa. Desinteresse político
estimulado pela apatia cultural, mas também porque a defesa nacional, ignorada
no ânimo societário, não inspira retorno nas eleições...
Da ausência de atenção nacional - sempre em realce a
ausência de atenção política - resulta que os militares se vêem praticamente
sozinhos no trato do assunto. Emerge aí uma questão delicada: no vácuo do
desamparo conceitual político e societário, nosso poder militar vem sendo
naturalmente orientado pelas visões profissionais das Forças, pelo que
significa para elas a defesa nacional e estar o país armado ou desramado. Por
mais que ideias e projetos desenvolvidos nas instituições militares respondam
competentemente ao potencial de atribulações em que a atuação militar possa ser
necessária, por mais que alicerçadas no estudo criterioso e no comedimento
responsável, a realidade é que elas carecem de suporte no sentimento nacional
e, principalmente, no elenco das preocupações políticas. Não se apoiam numa
lógica política fundamentada - o “porque, para o que” - e isso ocorre não por
relutância dos militares em considerá-la e sim por não existir tal
lógica. A inconsistência turbulenta do suporte orçamentário aos projetos de
preparo militar, complexos, caros e de longo prazo – o “com o que, como” -, que
respondem àquelas visões profissionais, é também, além das agruras fiscais do
Estado, efeito do descompromisso da política com a defesa e o preparo militar.
Vale perguntar: se as agruras fiscais forem controladas haverá mais atenção
política para a defesa...?
A mídia compartilha da apatia: pouco se dedica ao tema e
quando o aborda, geralmente o faz sem profundidade, por vezes refletindo
interesse econômico, quando não com algum preconceito. Exemplo emblemático: em
notícia sobre assalto a caixa eletrônica em praia de São Paulo, comentarista da
TV pergunta (citação de memória): onde estava a Marinha, quando os assaltantes
fugiam em lanchas? Preocupada com o submarino nuclear... Deveria estar
preocupada com a patrulha policial de praias com caixas
eletrônicas?
A mudança do modelo alienado é complexa, passa por revisão
cultural e política que não acontece de um dia para o outro. Mas se queremos um
Brasil pacífico, sensata e comedidamente armado em coerência com a criteriosa
avaliação de sua presença no atribulado mundo do século XXI, a defesa nacional
precisa ser objeto de atenção do nosso mundo político, superado o descaso hoje
prevalecente,
Essa evolução é pouco provável enquanto nossa política
prosseguir envolvida nos meandros de crises políticas, econômicas e morais, na
disputa por cargos / sinecuras da máquina pública, nas turbulências da improbidade
e/ou da incompetência e nas trapalhadas fiscais, que tumultuam o dia a dia
político em detrimento de grandes e complexas questões nacionais - entre elas a
refletida no título deste artigo.
Fonte: Clube Naval