Por Roldão Arruda - O Estado de São Paulo
Para Silvana Batini, procuradora regional da República no
Rio que defendeu a continuidade do julgamento dos acusados pela morte de Rubens
Paiva, o STF terá que rever decisão sobre Lei da Anistia
A decisão do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, que
negou o pedido de habeas corpus para os cinco militares da reserva acusados da
morte do ex-deputado Rubens Paiva, está sendo considerada histórica. Foi a
primeira vez que um colegiado de magistrados de 2.ª instância afirmou que um
crime cometido por agentes de Estado no período da ditadura não está acobertado
pela Lei da Anistia de 1979.
O relator do caso, desembargador federal Messod Azulay,
lembrou que o Brasil é signatário de acordos e convenções internacionais
segundo as quais os chamados crimes contra a humanidades não podem ser
anistiados. “Estamos tendo uma oportunidade ímpar de prestar contas à
sociedade, como deve ocorrer nas democracias maduras”, declarou.
No julgamento, realizado na quarta-feira, no Rio, quem deu
voz aos integrantes do Grupo de Trabalho do Ministério Público Federal que
investiga e procura responsabilizar criminalmente os agentes de Estado que
cometeram crimes na ditadura foi a procuradora regional da República Silvana
Batini. Logo após a sessão, ela concedeu entrevista ao Estado, na qual avaliou
o impacto da decisão que envolve os militares reformados José Antonio Nogueira
Belham, Rubens Paim Sampaio, Jurandyr Ochsendorf e Souza, Jacy Ochsendorf e
Souza e Raymundo Ronaldo Campos.
Segunda a procuradora, o debate jurídico sobre crimes da
ditadura acabará retornando ao Supremo Tribunal Federal, que será obrigado a
rever a decisão que adotou em 2010, considerando que os agentes de Estado
autores de crimes contra os direitos humanos também foram anistiados. A
procuradora observa que a decisão ocorreu antes de o Brasil ser condenado pela
Corte Interamericana de Justiça, no caso da Guerrilha do Araguaia. Pela
decisão, o Estado brasileiro deve punir os autores dos crimes considerados de
lesa humanidade.
A seguir, a conversa com a procuradora:
Há mais de dois anos que o MPF tenta convencer os juízes
federais de que determinados crimes cometidos por agentes de Estado na ditadura
não estão prescritos nem foram anistiados. Como a senhora viu a decisão da 2.ª
Turma Especializada do TRF?
Foi muito importante. Abre uma dissidência dentro da próprio
TRF, uma vez que a 1.ª Turma já tinha julgado em sentido contrário por duas
vezes.
Qual argumento prevaleceu? O do crime permanente, no caso de
desaparecidos políticos?
Essa tese da natureza do crime permanente, que aparece
outros processos do MPF, esteve presente. Mas não foi a mais importante.
Qual foi então?
A Justiça Federal, de primeiro e segundo grau, começa a
entender, ou pelo menos deveria começar a entender, que as questões das quais
estamos tratando são extremamente sensíveis e ainda estão em aberto no Supremo
Tribunal Federal. Nenhum desses processos vai acabar em primeira ou segunda
instâncias.
O que a senhora quis dizer com ‘extremamente sensíveis’?
Por causa do tempo decorrido dos fatos, a prova testemunhal
está sendo perdida. Rubens Paiva foi morto em 1971. Há mais de quarenta anos,
portanto. As pessoas estão velhas, doentes, com saúde comprometida. Quando um
juiz de primeiro grau impede o andamento da ação, como queria a defesa dos
acusados nesse caso, de alguma forma ele condena a prova testemunhal. Se amanhã
o STF reverter a decisão sobre a Lei da Anistia de 1979 e entender que ela não
abrange os crimes contra a humanidade, muitos desses casos não poderão ser
reabertos por causa da impossibilidade de produção das provas. É um conjunto de
fatores que precisa ser levado em consideração.
Isso foi levantado na sessão do TRF na quarta-feira?
Foi o que procuramos destacar. E o tribunal foi sensível à
questão. Mas isso ainda não foi o mais importante.
O que foi então?
O mais importante é que o tribunal reconheceu por
unanimidade que crimes praticados nos moldes do que aconteceu contra o
ex-deputado Rubens Paiva caracterizam crimes contra a humanidade. Essa é uma
visão importante. É a declaração de um órgão colegiado.
Isso ficou claro ou é uma interpretação da senhora?
Ficou muito claro. Foi o fundamento da decisão deles. Ao
mesmo tempo que afastaram a tese da defesa de prescrição do crime, por ser
considerado permanente, com a ocultação de cadáver, afirmaram que o homicídio
tem características de crime contra a humanidade, de modo a permitir o
andamento da ação penal.
Podemos dizer que desafiaram a decisão do STF?
Na verdade, eles reconheceram a tese do Ministério Público
de que a decisão do STF de 2010 foi atropelada por um fato posterior. O que o
Supremo fez foi reconhecer a constitucionalidade da Lei da Anistia. Eles a
enquadraram na Constituição. Acontece, porém, que, meses depois, o Brasil foi
condenado por uma corte internacional, que obrigou o País a rever suas
posições. Segundo aquela corte, a Lei da Anistia não está de acordo com
tratados e convenções internacionais dos quais o País é signatário.
É isso que deixa a questão em aberto no STF?
Sim. O Supremo vai ter que a analisar a lei do ponto de
vista das leis internacionais. É uma outra perspectiva. Terão que analisar a
Lei da Anistia do ponto de vista dos tratados dos quais o País é signatário e
dessa condenação que sofreu no caso Gomes Lund, que trata da Guerrilha do
Araguaia.
Se os cinco acusados admitirem o homicídio e revelarem como
ocorreu, podem ser perdoados?
A permanência do crime de ocultação de cadáver só cessa
quando o cadáver é descoberto, quando se localiza o seu paradeiro. O tempo de
prescrição também começa a ser contado só nesse momento.
Matéria publicada no livro A Verdade Sufocada - 10ª edição -
do Cel Carlos Alberto Brilhante Ustra- página 636
"A Lei de Anistia e a “ditadura democrática brasileira”
ao estilo bolivariano
Esta Lei tem
provocado controvérsias. Pessoas influentes do governo e a esquerda radical,
derrotada na luta armada, a todo o custo, querem modificá-la.
A Lei de Anistia é uma lei federal e, portanto, gerada no
Congresso Nacional.
O Supremo Tribunal Federal não tem poderes para mudar a Lei
de Anistia.
Só o Congresso Nacional pode modificá-la. Contudo, é
importante ressaltar que a Constituição da República Federativa do Brasil -
CRFB, no parágrafo 4º do artigo 60, estabelece as “cláusulas pétreas” assim
chamadas porque compõem o seu núcleo rígido, ou seja, porque estabelecem as
limitações materiais ao poder de reforma constitucional do Estado. Dentre essas
cláusulas, dá-se destaque àquela que blinda “os direitos e garantias
individuais”. Assim, apoiando-se no artigo 5º do Título II da CRFB, destinado
exatamente a definir tais direitos e garantias, encontraremos no inciso XXXVI o
motivo pelo qual as leis, ao serem aplicadas, devem respeitar três limites: o
ato jurídico perfeito; o direito adquirido; e a coisa julgada. Esses limites
têm como objetivo cimentar a segurança jurídica na sociedade. Também, é de se
trazer a baila o inciso XL do mesmo artigo 5º, cujo texto dispõe que a lei não
retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
Portanto, nenhum agente do Estado que combateu a luta
armada, assim como qualquer ex-terrorista que nela lutou, poderá vir a ser
julgado e condenado, mesmo que se revogue a Lei de Anistia, posto que ela gerou
seus efeitos nos três planos que definem a existência de uma norma jurídica: o
da validade, da vigência e da eficácia, estando, assim enquadrada nos limites
supracitados.
Nova lei criada para atender instintos revanchistas também não
poderiam gerar efeitos retroativos.
Para que isto viesse a acontecer seria necessária uma
revolução que quebrasse a ordem constitucional vigente, estabelecendo outra que
atendesse aos desígnios ideológicos trazidos pela nova classe dominante.
Neste caso, então, não teríamos mais o direito de viver sob
o império da lei e da ordem, pois estaríamos sendo submetidos a uma “ditadura
democrática” ao estilo bolivariano, como acontece atualmente na Venezuela,
Bolívia, Uruguai, Equador e Argentina e que, pelo visto, estão sendo tomados de
exemplo para o Brasil."