Por Fausto Macedo e Julia
Affonso
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Cel Carlos Alberto
Brilhante Ustra, durante depoimento na CNV.
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"Esses
Procuradores deveriam buscar coisas mais importantes para fazer, em lugar de
mexer com quem está quieto. É bem verdade que tais figuras são movidas mais
pelo desejo de vingança que pela busca de Justiça, uma vez que formam entre os
derrotados num dos episódios da Guerra Fria vivido na América do Sul. De mais a
mais, seriam bem mais úteis caso dedicassem uma parcela da sua atividade à
busca dos crimes e irregularidades que a esquerda vem protagonizando no nosso
País, em aliança com a banda podre do empresariado nacional." OJBR
Procuradoria da
República acusava militar e dois delegados da Polícia Civil por tortura e morte
de Carlos Nicolau Danielli, do PC do B, em 1972; juiz federal Alessandro
Diaferia destacou que anistia concedida em 1979 'abrangeu os dois lados da
disputa' Coronel Ustra. Foto: Dida Sampaio/Estadão
A Justiça Federal em
São Paulo rejeitou denúncia da Procuradoria da República contra o coronel
Carlos Alberto Brilhante Ustra, apontado como torturador do DOI-CODI
(Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa
Interna), alojado no antigo II Exército, no Ibirapuera. A Procuradoria acusou
Ustra pela morte do militante político Carlos Nicolau Danielli, dirigente do
Partido Comunista do Brasil (PC do B), em 1972.
A ÍNTEGRA DA DECISÃO
Também foram
acusados os delegados da Polícia Civil do Estado Dirceu Gravina e Aparecido
Laertes Calandra. Ao rejeitar a denúncia contra Ustra, Gravina e Calandra, o
juiz federal Alessandro Diaferia observou que a anistia concedida em 1979
‘abrangeu os dois lados da disputa’, em alusão aos ativistas e aos integrantes
do aparato repressivo que se instalou no País e perdurou no poder entre 1964 e
1985.
“Não se trata de
acobertar atos terríveis cometidos no passado, mas sim de pontuar que a
pacificação social se dá, por vezes, a duras penas, nem que para isso haja o
custo, elevado, da sensação de ‘impunidade’ àqueles que sofreram na própria
carne os desmandos da opressão”, escreveu o magistrado.
Diaferia anotou que
‘não apenas opositores ao regime de exceção pereceram durante aquele difícil
período’.
O juiz fez uma
reflexão. “Há relatos e dados estatísticos que apontam a morte de inúmeras
pessoas, militares e civis, que ou estavam em serviço ou eram meros inocentes,
alheios às questões políticas que fervilhavam à época, os quais se encontravam
na hora errada, no local errado e na circunstância errada; e morreram, da mesma
forma que a vítima deste processo.Para estas vítimas também seria válido o
raciocínio desenvolvido pelo órgão ministerial, que poderia equivaler à
anulação dos efeitos da anistia? Há vida que seja mais importante? A do
opositor de um regime autoritário? A do defensor de tal regime? A do inocente
que nada tinha a ver com tal disputa de poder?”
Alessandro Diaferia
prossegue. “A resposta é uma só: todas as vidas são importantes e todas devem
ser protegidas.Por isso, compatibilizando-se e ponderando-se os princípios de
direito internacional em consonância com os princípios e regras de direito
interno, deve ser prestigiada a anistia alcançada, que abrangeu os dois lados
da disputa.”
O juiz destaca em
sua sentença o ‘lapidar voto’ do ex-ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal
Federal (STF), para quem ‘a anistia foi uma verdadeira conquista e veio com
sabor de vitória naquele momento histórico’.
Na denúncia contra
Ustra e os delegados, o Ministério Público Federal afirmou que Carlos Nicolau
Danielli foi sequestrado em 28 de dezembro de 1972 por agentes da repressão em
São Paulo e levado às dependências do DOI-CODI. Segundo a acusação, a morte do
militante foi cometida ‘por motivo torpe, consistente na busca pela preservação
do poder usurpado em 1964, mediante violência e uso do aparato estatal para
reprimir e eliminar opositores do regime e garantir a impunidade dos autores de
homicídios, torturas, sequestros e ocultações de cadáver’.
Além do motivo
torpe, diz a denúncia, o homicídio teria sido cometido com o ’emprego de
tortura, consistente na inflição intencional de sofrimentos físicos e mentais
agudos contra a vítima, com o fim de intimidá-lo e dele obter informações’.
A ação, segundo a
Procuradoria, teria sido executada mediante recurso que tornou impossível a
defesa do militante do PC do B. Para a Procuradoria da República, ‘as condutas
imputadas (aos três denunciados) foram cometidas no contexto de um ataque
sistemático e generalizado à população civil, consistente na organização e
operação centralizada de um sistema semiclandestino de repressão política,
baseado em ameaças, invasões de domicílio, sequestro, tortura, morte e
desaparecimento dos inimigos do regime’.
O juiz Alessandro
Diaferia registra que ‘não se pode dizer que o Estado brasileiro tem sido
omisso na reparação de danos causados por agentes seus, em serviço, por atos
praticados durante o período de exceção, haja vista a solução civil dada em
incontáveis oportunidades, tanto através de indenizações, algumas superiores à
cifra do milhão de reais, quanto por meio de pensões vitalícias a vítimas ou
seus familiares e descendentes’.
“A propósito,
matéria veiculada na imprensa eletrônica em 31 de março de 2014, aponta o
pagamento, entre 2001 e 2013, de cerca de R$ 3,4 bilhões em indenizações pela
Comissão de Anistia, órgão encarregado da análise e concessão de tais
reparações”, ressalta o juiz federal. “Situadas tais indenizações e recomposições
no âmbito cível, é evidente que não há como se promover a restituição integral
e plena para a maior parte das lesões praticadas; mas é a solução que o
ordenamento jurídico previu e, por mais imperfeita que possa ser, é o bem
possível para o momento.Tais ponderações são postas para demonstrar que dada a
importância da anistia, tal como concebida e implementada, consoante
lapidarmente explicitado pelo ministro Eros Grau, e considerada a reparação
cível das vítimas, familiares e dependentes, é preciso que o intérprete volte
os olhos àquilo que certamente constitui uma das finalidades maiores do
direito, a pacificação social com Justiça, que se alcança, entre outros, com a
segurança jurídica.”
Para Diaferia, ‘o
oposto disso é a instabilidade de regras e a insegurança nas instituições’.
“Aqueles que padeceram concretamente durante o período autoritário sabem bem o
que significa e quais as consequências da instabilidade das regras, da
insegurança nas instituições; é justamente isso o que devemos buscar evitar,
ainda que mediante o custo elevado que se condensa no sentimento de impunidade,
que é partilhado por quem foi vítima tanto das autoridades do governo de então,
quanto dos opositores do regime que pegaram em armas para defender seus
ideais.”
“Que esse custo
possa servir para direcionar nossas rotas futuras em busca da pacificação
social com Justiça e da verdadeira evolução da sociedade”, alerta o magistrado.
Alessandro Diaferia,
‘considerando que os fatos imputados na vestibular foram anistiados’, rejeitou
a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal.