Uma cuidadosa ação da Inteligência colocou fim à carreira do terrorista
Carlos Lamarca, mas os homens que lutaram contra o terror comunista nunca foram
reconhecidos pelos governantes de plantão.
No dia 7 de dezembro de 1970, uma segunda-feira, um grupo de militantes da
Vanguarda Popular Revolucionária, chefiado por Carlos Lamarca, seqüestrou
Giovani Enrico Bucher, embaixador da Suíça no Brasil. O seqüestro ocorreu na
rua Conde de Baependi, Catete, no Rio de Janeiro. O embaixador viajava em seu
carro, um Buick, dirigido por seu motorista, Hercílio Geraldo e, como sempre,
acompanhado do agente da Polícia Federal Helio Carvalho de Araújo, designado
para prover sua segurança.
Após o carro ter sido interceptado, Carlos Lamarca, utilizando o codinome de
"Paulista", bateu no vidro da janela do agente de segurança,
abriu a porta e desfechou-lhe dois tiros com um revólver calibre 38 à
queima-roupa. O agente, conduzido para o Hospital Miguel Couto, faleceu 3 dias
depois.
Desse seqüestro, tomaram parte diretamente seis militantes, além de
Carlos Lamarca: Adair Gonçalves Reis, Gerson Theodoro de Oliveira, Alex Polari
de Alverga, Inês Etienne Romeu, Maurício Guilherme da Silveira e Herbert
Eustáquio de Carvalho. José Roberto Gonçalves de Rezende e Alfredo Helio Sirkis
participaram do transporte do embaixador para o "aparelho" da
VPR na rua Paracatu, em Rocha Miranda. O militante Paulo Brandi de Barros
Cachapuz, nesse mesmo dia - e nos dias seguintes - deu seguidos telefonemas
desinformando a polícia sobre o paradeiro do embaixador.
Essa data – 7 de dezembro de 1970 – marcou o início do fim da VPR.
Naquele mesmo dia a VPR distribuiu aos meios de comunicação o "Comunicado
nº 1", um "Manifesto ao Povo Brasileiro" e uma "Carta
Aberta à embaixada suíça", bem como uma carta de próprio punho do
embaixador.
No dia 9 de dezembro, o Ministério da Justiça, através de uma nota
oficial, afirmava que "o governo brasileiro, no empenho de preservar a
vida e a liberdade do embaixador", aguardava a relação nominal dos
terroristas a serem liberados. Nesse mesmo dia, a VPR expediu o "Comunicado
nº 2", dizendo que somente divulgaria a lista dos 70 presos a serem
liberados depois de cumpridas as exigências de divulgação do "Manifesto
ao Povo Brasileiro" por dois dias consecutivos na primeira página dos
jornais e em todas as rádios e TVs do país, às 6, 12, 18 e 20:30 horas, o que
não foi feito.
Quatro dias depois, a VPR cobrou do governo o cumprimento dessa
exigência através do "Comunicado nº 3" e, no dia 16 de
dezembro com o "Comunicado nº 4".
No dia 17, o governo deu garantia de que libertaria os 70 presos e, no
dia seguinte, a VPR enviou o "Comunicado nº 5", com a lista
dos 70.
Na segunda-feira, 21 de dezembro, o governo respondeu que aceitava libertar
apenas 51 presos constantes da relação. Não concordava com os outros 19 por
vários motivos: 6 haviam participado de seqüestros, 4 estavam condenados à
prisão perpétua ou a penas elevadas, 3 haviam cometido homicídios, 1 não estava
identificado, 1 não queria ser banido do país e 4 já estavam em
liberdade.
A partir desse documento teve início uma discussão dentro da VPR para
ver se o embaixador seria morto ou não, sendo realizada uma votação a respeito
com o resultado de 15 a 3 a favor do "justiçamento" do
embaixador. Os 3 que votaram contra foram Carlos Lamarca, Alfredo Hélio Sirkis
e José Roberto Gonçalves de Rezende que não vislumbravam dividendos políticos
na morte do embaixador. Lamarca, como comandante-em-chefe da VPR, exerceu seu
direito de veto e sustou o "justiçamento" enviando ao governo
outra lista dos presos a serem liberados.
No dia 28 de dezembro, o governo divulgou que, da nova lista, alguns
não poderiam ser também libertados. No dia 30, a VPR enviou uma outra relação
e, no dia 4 de janeiro, o governo divulgou a preterição de mais 9 presos,
substituídos no dia seguinte, por uma nova lista enviada pela VPR. No dia 6 de
janeiro, nova preterição de 4 nomes e, no dia seguinte, nova lista substituindo
esses 4.
Finalmente, no dia 11 de janeiro, uma nota oficial do Ministério da Justiça
condicionou a liberação e embarque para o Chile dos 70 presos a um Comunicado
da VPR comprometendo-se a liberar o embaixador. No dia seguinte, a VPR cumpriu
essa exigência e, às 24 horas do dia 13 de janeiro de 1971, os 70 presos,
escoltados por três agentes da Polícia Federal embarcaram no Galeão, em um
Boeing da Varig e, às 4:15 horas de 14 de janeiro desembarcaram no aeroporto
Puhaduel, em Santiago, sendo fotografados ao lado do avião com os punhos
cerrados e saudados por dezenas de militantes, brasileiros e chilenos, postados
nas varandas do aeroporto, entoando a Internacional Socialista.
Dos 70 presos banidos do Brasil, 24 eram militantes da VPR e os demais 46
pertenciam a outras organizações.
No dia 15 de janeiro de 1971, Lamarca abandonou o "aparelho"
em que se encontrava e, no alvorecer do dia 16, o embaixador foi deixado
próximo ao penhasco da igreja da Penha, em um Volks, por Alfredo Helio Sirkis e
Gerson Teodoro de Oliveira. Pouco tempo depois, Gerson Teodoro de Oliveira, a
bordo desse Volks, que estava registrado no nome frio por ele utilizado, foi
morto pela polícia.
Após esse tremendo desgaste de ter que manter o embaixador confinado por 39
dias, de fazer e refazer relações de presos e de impedir o "justiçamento"
do embaixador, conforme desejava a maioria da VPR, a liderança de Carlos
Lamarca estava irremediavelmente desgastada.
Acolhido em um "aparelho" do MR8, na região dos Lagos,
juntamente com sua amante Iara Iavelberg, Lamarca, em 22 de março de 1971,
enviou um Comunicado à VPR escrito de próprio punho. Abaixo, uma cópia literal
desse documento:
"Ao Comando da VPR. Assunto: Pedido de Desligamento. Caráter:
Irrevogável.
Apresento, conforme normas internas da Org, o meu pedido de desligamento
para apreciação no meu órgão de militância. Considero essa apreciação como
necessária para a formalização de crítica e auto-crítica.
Dou caráter de irrevogabilidade à este pedido em virtude de:
1) divergir da linha política da VPR, conforme coloquei em diversos
documentos internos;
2) ter constatado desvios ideológicos da VPR e a deformação que acarreta em
muitos dos seus quadros;
3) não ter conseguido levar a luta interna que iniciei há um ano com a
devida serenidade;
4) não conseguir romper com o culto ao sectarismo existente na VPR;
5) discordar do método de direção (apesar de ser Cmt-em-Chefe); a
Org impede a liberação de potencial, não forma quadros, aliena militantes, deforma
dirigentes, elimina a criatividade, impede a prática leninista – tudo como já
coloquei em documentos internos.
Considero-me também deformado – na Org em que vou militar farei
auto-crítica na prática. Coloco-me como deformado porque constatei, na prática,
essa deformação. Na VPR não há lugar para uma auto-crítica revolucionária, em
todas as vezes que fiz, foi politicamente capitalizada para a defesa de
posições – persistir é aceitar a deformação.
Estarei sempre atento para responder questionamento da VPR sobre qualquer
acontecimento na organização – de 24 de janeiro de 1969 até esta data 22 de
março de 1971 – se me chegar por escrito. Aguardarei a análise crítica da VPR,
solicitando o direito de resposta, assim como apuração de responsabilidade
pessoal, em qualquer época, e no nível desejado pela VPR. Condicionarei a minha
entrada em outra Organização a isto, para que fique clara a minha predisposição
de assumir a responsabilidade dos meus atos na militância individual ou
coletiva na VPR.
Sempre travei a luta interna e procurei a coesão sem conciliar – saio sem
travar uma luta desagregadora – apesar de ter cometido uma violência ao
escrever o documento CONTRA O CUPULISMO. Uma violência, mas uma deformação. A
deformação é uma necessidade da VPR. Sem a violência as posições políticas não
afloram – e, de deformação em deformação à degradação política.
À VPR só resta um caminho, o CONGRESSO – um longo processo de
discussões e um profundo imobilismo – se tentar andar quebra.
Tenho contribuições a dar para a Revolução no Brasil, e aqui ficarei e, na
Organização em que for militar farei um comunicado à esquerda apresentando os
motivos do desligamento e do ingresso em outra Organização Revolucionária.
O que sei, e que possa afetar a segurança da VPR morre comigo.
OUSAR LUTAR
OUSAR VENCER
Claudio – 22 MAR 71"
O original do documento acima foi apreendido pelo CISA no "aparelho"
de Alex Polari de Alverga, pertencente ao Comando Nacional da VPR, quando de
sua prisão, em maio de 1971.
Em 22 de junho de 1971, Carlos Lamarca e Iara Iavelberg, em frente a uma loja
do Bob’s, na Avenida Brasil, Rio de Janeiro, embarcaram em uma
Kombi que, precedida por um Volks, os levou a Salvador/BA. Nas proximidades de
Salvador, ambos passaram para o Volks e a Kombi retornou ao Rio com seu
motorista.
Investigações posteriores indicaram que a Kombi tinha placa de Belém/PA
e pertencia a um paraense, estudante de Economia na Universidade Gama Filho, no
Rio; e que o Volks, de cor branca, tinha placa de Petrópolis/RJ. O levantamento
do proprietário do Volks foi fácil, pois, na época, só existiam dois
Volks de cor branca registrados no Detran de Petrópolis.
Com base nesses dois informes foram levantadas as identidades dos
proprietários, dois colaboradores do MR-8. O Volks pertencia ao filho de um
ex-Ministro do STF, cassado, e a Kombi pertencia, realmente, a um estudante
paraense. Seus nomes serão preservados. Eles nunca foram presos. Passaram a ser
monitorados, pois poderiam, no futuro, passar a colaborar e eram uma forma da
Inteligência não perder contato com a Organização.
Menos de três meses depois, em 17 de setembro de 1971, Carlos Lamarca era morto
no sertão da Bahia e o MR-8, no Rio de Janeiro e na Bahia, desmantelado.
Lamarca foi o último dos chamados grandes comandantes da
guerrilha a ser eliminado. Os dois outros, Carlos Marighela, e seu sucessor,
Joaquim Câmara Ferreira (“Toledo”), morreram em novembro de 1969 e
dezembro de 1970.
Em 1971, o balanço geral dos militantes da VPR era de que as organizações da
esquerda armada haviam sido derrotadas em razão da ação da chamada “repressão”
que levou ao seu isolamento social e político. Os remanescentes da VPR no
Brasil já haviam jogado a toalha com a divulgação, no dia 7 de agosto de 1971,
de três documentos históricos:
O Comunicado nº 1 (Novo Comando) afirmava que “em vista dos últimos
acontecimentos, fica estabelecido um novo comando na organização”; que esse
novo comando “assume a organização praticamente extinta e vai tentar salvar
o que sobrou”;
O Comunicado nº 2 (Medidas Imediatas) assinalava que “atualmente o que
existe é o final da derrota, alguns elementos que devem ser preservados para
que se possa tirar do fracasso desta experiência as lições necessárias (...) e,
para isto, determina de forma imediata: a) a organização está desmobilizada; b)
está convocado o II Congresso Nacional (...) por desmobilização entendemos a suspensão
das ações armadas (...)”;
O Comunicado nº 3 (Aos Companheiros no Exterior): “A organização chegou
agora ao esgotamento total. Estamos sem as mínimas condições de atuação e sem
possibilidades por mais remotas de tirar uma definição conseqüente, que sirva
de guia para uma prática revolucionária (...) A crise política da organização
que se seguiu à ação do embaixador suíço levou a uma aguda crise no Comando em
abril/maio deste ano, tendo como conseqüência o desligamento inusitado de dois
dos companheiros do Comando Nacional. Um desses companheiros caiu a 3 de maio,
outro pediu ingresso em outra organização (...) O companheiro do Comando,
restante, estabeleceu uma assim chamada ‘Coordenação Provisória’ que teve vida
curta. Sua finalidade era coordenar discussões na organização, mas já a 12 de
maio caíam dois companheiros da Coordenação, restando dela um único. Na
realidade, porém, a situação era muito pior: a Unidade de Combate da Guanabara
perdeu de março até maio quase todos os seus quadros. Restaram alguns poucos,
dos quais caíram dois entre maio e agosto. Em São Paulo já não existe Unidade
de Combate, sendo alguns quadros recém recrutados, que não têm condições de,
sozinhos, montar uma UC (...) Entre 1 e 5 de agosto caíram dois companheiros
fundamentais no NE (...) A organização está desmobilizada (o que significa
apenas reconhecer com palavras uma situação de fato que se estendia desde maio
deste ano e buscar salvar o que sobrou). Convocamos o Congresso, mas para
realizá-lo precisamos que os companheiros nos enviem dinheiro (...) Sem
dinheiro certamente não sobrará um único remanescente no Brasil. Esperamos, com
urgência, a colaboração dos companheiros”.
O ato final da VPR foi realizado no Chile, em julho de 1973, às vésperas da
deposição do governo Allende: uma reunião de avaliação, da qual participaram os
militantes que se encontravam foragidos ou banidos naquele país. Essa reunião
formalizou a extinção da Vanguarda Popular Revolucionária e sua desmobilização
por completo, pois voltar ao Brasil naquele momento para prosseguir na luta
armada não fazia parte da agenda pessoal da quase totalidade dos militantes.
A VPR, constituída em março de 1968, por um grupo partidário da teoria do “foco guerrilheiro”
que havia deixado a organização Política Operária, mais conhecida como POLOP, e
por diversos sargentos e marinheiros expulsos das Forças Armadas, muitos com
treinamento em Cuba, remanescentes do falido Movimento Nacional Revolucionário
de Brizola, durante os cinco anos em que atuou, seqüestrou embaixadores, matou,
“justiçou”, assaltou bancos e carros-fortes, estabelecimentos
comerciais. Os que sobraram, no entanto, foram anistiados e a maioria
recompensada financeiramente por não terem conseguido transformar o Brasil em
umarepública popular democrática.
Na realidade, apesar da audácia, da lenda e do mito, Lamarca foi um desertor e
um traidor do Exército Brasileiro.
E é assim que deverá passar à História.
Entretanto, aquele pequeno grupo de militares e civis – alguns dos quais não
mais estão entre nós - que erradicaram o terrorismo, os seqüestros, os
assaltos, os justiçamentos e os assassinatos de cunho político, que
sacrificaram suas vidas e a de seus familiares, não receberam o reconhecimento
da Pátria ou de seus governantes.
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Carlos I.S. Azambuja é Historiador