Por Ives Gandra da Silva Martins
O Estado de S.Paulo - 19 de abril de 2014
"Comparados ao carniceiro profissional do Caribe, os
militares brasileiros parecem escoteiros destreinados apartando um conflito de
subúrbio" In O Homem Mais Lúcido do Brasil - as melhores frases de Roberto
Campos, p. 53, organização Aristóteles Drummond (Ed. Resistência Cultural,
2014)
Na memória dos 50 anos do Movimento de 1964, que derrubou o
governo Jango, tem sido ele criticado pelos que fizeram guerrilha, muitos deles
treinados na sangrenta ditadura de Cuba e que objetivavam implantar um regime
semelhante no Brasil, ao mesmo tempo que se vangloriam como sendo os únicos e
verdadeiros democratas nacionais. Assim é que a própria Comissão da Verdade se
negou a examinar os crimes dos que pegaram em armas - muitos deles terroristas,
autores de atentados a shoppings e de homicídio de inocentes cidadãos -,
procurando centrar-se exclusivamente nos praticados pelo governo militar,
principalmente nas prisões onde houve tortura.
Com a autoridade de quem teve um pedido de confisco de seus
bens e abertura de um inquérito policial militar (IPM), nos termos do Ato
Institucional n.º 5, em 13/2/1969, pertenceu à época à Anistia Internacional,
combatendo a tortura perpetrada pelo governo, foi conselheiro da OAB-SP,
opondo-se ao regime, e presidiu o Instituto dos Advogados de São Paulo na
redemocratização, quero enumerar algumas "mentiras verdadeiras" dos
adeptos de Fidel Castro recém-convertidos à democracia.
A primeira é a de que foram os militares que quiseram a
derrubada do governo. Na verdade, foi o povo que saiu às ruas, com o apoio da
esmagadora maioria dos jornais, como se pode ver pelas fotografias do dia 19 de
março de 1964 na Praça da Sé, diante das sinalizações do governo de que
pretendia instalar o comunismo no Brasil. Depois do fatídico 13 de março, em que
Jango incitou os sargentos a se rebelarem contra a hierarquia militar, até
mesmo nomeando um oficial-general de três estrelas para comandar uma das Armas,
os militares apenas atenderam ao clamor popular para derrubá-lo.
A segunda mentira é a de que a repressão militar levou à
morte de milhares de opositores. Entre combatentes da guerrilha, mortes nas
prisões ou desaparecimentos, foram 429 os opositores que perderam a vida,
conforme Fernão Lara Mesquita mostrou em recente artigo publicado no Estado.
Por sua vez, os guerrilheiros, entre inocentes mortos em atentados terroristas
e soldados em combate, mataram 119 pessoas.
Comparados com os paredóns de Fidel Castro, que sem
julgamento fuzilou milhares de cubanos, os militares foram, no máximo,
aprendizes desajeitados.
A terceira mentira é a de que o movimento militar prejudicou
idealistas, que só queriam o bem do Brasil. Em comissão pelos próprios
opositores do governo de então organizada, foram indenizadas 40.300 pessoas com
a fantástica importância de R$ 3,4 bilhões.
Eu poderia ter requerido indenização, pois o pedido do
confisco de meus bens e a abertura de um IPM contra mim prejudicaram, por anos,
minha carreira profissional. Mas não o fiz, pois minha oposição, à época, ao
regime não era para fazer, mais tarde, um bom negócio, com ressarcimentos
milionários.
A quarta mentira é a de que os democratas recém-convertidos
queriam uma plena democracia para o Brasil. A atitude de "admiração
cívica" da presidente Dilma Rousseff ao visitar o mais sangrento ditador
das Américas, Fidel Castro, em fotografia estampada em todos os jornais, assim
como o inequívoco apoio ao aprendiz de ditador que é Nicolás Maduro, além de
aceitar o neoescravagismo cubano, recebendo médicos da ilha - tratados, no
Brasil, como prisioneiros do regime, sobre ganharem muito menos do que seus
colegas que integram o programa Mais Médicos -, parecem sinalizar exatamente o
contrário. Apesar de viverem sob as regras da democracia brasileira, há algo de
um saudosismo guerrilheiro e uma nostalgia que revela a atração inequívoca por
regimes que ferem os ideais democráticos.
E para não me alongar mais neste artigo, a quinta mentira é
a de que o Brasil regrediu naquele período. Nada é menos verdadeiro. Durante o
regime militar os ministros da área econômica eram muito mais competentes que
os atuais, tendo inserido o Brasil no caminho das grandes potências.. Tanto
que, ao final, o Brasil estava entre as dez maiores economias do mundo. Hoje,
com o crescimento da inflação, a redução do PIB, o estouro das contas públicas,
o desaparecimento do superávit primário do início do século, os déficits do
balanço de pagamentos e a destruição dos superávits da balança comercial, além
do aparelhamento da máquina pública por não concursados - amigos do rei -, o País
vai perdendo o que conquistara com o brilhante Plano Real, do presidente
Fernando Henrique Cardoso.
O ministro Torquato Jardim, em palestra em seminário na
OAB-SP, que coordenei, sobre Reforma Política (2/4), ofereceu dados alarmantes.
O presidente Barack Obama, numa economia quase oito vezes maior que a do
Brasil, tem apenas 200 cargos comissionados. A presidente Dilma tem 22 mil!
Tais breves anotações - mas já longas para um artigo -
objetivam mostrar que, em matéria de propaganda, Goebbels, titular de
comunicação de Hitler, tinha razão. Uma mentira dita com o tom de verdade, pela
força da propaganda que o poder oferece, passa a ser uma "verdade
incontestável".
Espero que os historiadores futuros contem a realidade do
período, a qual não pode ser contada fielmente por "não
historiadores" que se intitulam mentores da "verdade", ou por
comissões com esse estranho nome criadas.
Ives Gandra da Silva Martins é Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP,
UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/ Estado de S. Paulo, da Escola de Comando e Estado-Maior
do Exército e da Escola Superior de Guerra, é Presidente do Conselho Superior de
Direito da FECOMÉRCIO-SP, Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão
Universitária.