Por Carlos I. S. Azambuja
O texto revela como a utopia socialista naufragou há muito
tempo em Cuba, restando apenas miséria e autoritarismo.
“A Internacional Comunista não está morta. Ressuscitou como
a Internacional de Estupidez Humana. Ao contrário da sua antecessora, que não
agradava a todos, ela tem um número ilimitado de adeptos potenciais. Mas seu
sucesso não se explica só pela atração do abismo: funda-se numa bem montada
estrutura de apoio, que abrange desde a malha planetária dos velhos partidos
comunistas, com nomes trocados ou não, até a grande mídia internacional
praticamente inteira, a militância islâmica onipresente e a rede global de ONGs
ativistas subsidiadas por fundações bilionárias, como Rockefeller, Soros ou
Ford” (“Palhaçada Total”, Olavo de
Carvalho, Jornal do Brasil de 18 de janeiro de 2006)
“Palhaçada Total” é o qualificativo apropriado para o livro
Curso Inicial de Comunismo Científico, editado em 1985, em Cuba, pelo Partido
Comunista Cubano, através da “Editorial de Ciências Sociales La Habana”. Um
calhamaço de 369 páginas, cópia de um velho manual do Partido Comunista da
União Soviética, elaborado por um coletivo de autores soviéticos.
Observe-se que em 1985, quando esse manual foi editado em
Cuba, o Grande Timoneiro Mikhail Gorbachev, com base em duas palavrinhas –
perestroika e glasnost - já havia, sem saber, iniciado o desmantelamento da
coisa que por 70 anos foi conhecida como socialismo real, que levaria ao fim do
PCUS e do próprio Estado soviético.
O Curso Inicial de Comunismo Científico poderia, portanto,
ser melhor denominado de Curso Inicial de Palhaçada Total.
Desse calhamaço abordaremos apenas, resumido, um pequeno
capítulo, denominado A Tática, iniciado com a seguinte frase bombástica: “Os
povos dos países socialistas, os proletários, as forças democráticas nos países
capitalistas, os povos libertados e oprimidos, unem-se na luta contra o
imperialismo, pela paz, pela independência nacional, pelo progresso social, a
democracia e o socialismo. Essa é a linha geral do Movimento Comunista
Internacional contemporâneo”. E muita gente, em todo o mundo, acreditou e
continua acreditando.
Embora o socialismo real tenha sido jogado na lata de lixo
da História, as diretrizes constantes nesse velho manual não deixaram de ser o
livrinho de cabeceira daqueles que insistem em ressuscitar, com um boca-a-boca,
a doutrina científica.
Uma das diretrizes diz respeito à Tática. O manual define a
tática como “o conjunto de formas, métodos e procedimentos de luta pela
realização do objetivo estratégico nas condições histórico-concretas”. A tática
envolve uma grande quantidade de questões diversas: as formas de luta
(econômicas, políticas, ideológicas, legais e ilegais, pacíficas e
não-pacíficas); a conjugação das diferentes formas; a ofensiva, a defesa e a
retirada; os compromissos e convênios; o aproveitamento das contradições e dos
conflitos; a frente única com as massas não proletárias, etc.
A Tática está vinculada ao trabalho diário do partido na
educação e na organização da classe operária e de todos os trabalhadores, com a
finalidade de levá-los a intervenções revolucionárias e à obtenção do objetivo
fundamental do movimento. “A tática marxista – escreveu Lênin –consiste na
união dos diferentes procedimentos de luta, na hábil transição de um a outro,
na indeclinável elevação da consciência das massas e da ampliação de suas ações
coletivas”. As tarefas táticas estão subordinadas aos objetivos estratégicos
(fantástica conclusão...).
A estratégia é relativamente constante e estável, e depende
do grau de desenvolvimento de um país determinado. É evidente que novas tarefas
estratégicas são promovidas tão logo sejam cumpridas as anteriores e o país
tenha entrado em uma nova fase de desenvolvimento. Por exemplo: se são
cumpridas as tarefas da revolução democrático-burguesa, o partido promove uma
nova estratégia: a preparação e realização da revolução socialista. No que diz
respeito à tática, as formas e procedimentos da luta mudam de acordo com a
mudança da correlação das forças de classes, das condições concretas do
desenvolvimento de um ou outro país e – o que é importante - da situação
internacional.
O movimento de libertação não pode desenvolver-se em forma
de uma onda crescente ininterrupta. A desigualdade do desenvolvimento econômico
e político do capitalismo provoca fluxos e refluxos, ofensivas e retiradas do
movimento revolucionário, o diferente tratamento dos ânimos revolucionários nas
diferentes regiões e o amadurecimento, em diferentes épocas, de suas premissas
revolucionárias. A tática deve levar em consideração essas mudanças.
No arsenal das formulações táticas do proletariado
revolucionário entra, por exemplo, a luta pelas reformas. Em determinadas
condições, essa luta pode coadjuvar a educação revolucionária do proletariado,
a sua preparação para a luta pelo socialismo e o debilitamento da
burguesia.Embora o marxismo-leninismo seja incompatível com o reformismo, ele
ensina ao proletariado revolucionário a utilizar mais habilmente a luta por
reformas no interesse do socialismo.
A tática não pode ser a mesma para todos os países, pois
depende do desenvolvimento econômico, da correlação das forças de classes, do
amadurecimento político da classe operária e dos demais trabalhadores, do
caráter do poder do Estado, da situação internacional, etc.
Um dos mais importantes princípios táticos é o que leva em
conta, obrigatoriamente, o nacional, específico por cada país em separado. Ignorar
as particularidades nacionais condena o partido ao isolamento sectário das
massas e à separação dogmática da vida.
Os comunistas consideram como uma importante forma de ação
tática a importância do trabalho nos sindicatos e todas as demais organizações
de massas, bem como a participação nos parlamentos burgueses e nas campanhas
eleitorais, utilizando habilmente a tribuna parlamentar para a conquista das
grandes massas populares, para sua educação política e organização e – o mais
importante – para desmascarar a burguesia.
Outra exigência fundamental da tática é saber aproveitar as
forças dos aliados e dos seguidores temporários, bem como as contradições e as
vacilações no campo do inimigo. Para garantir os aliados e aproveitar as
contradições entre os inimigos do socialismo, os partidos comunistas devem
saber manobrar e concertar compromissos e convênios úteis à revolução. Uma
tática flexível como essa ajuda a privar o inimigo do apoio popular, a unir as
amplas massas ao redor da vanguarda proletária e juntar forças para o assalto
revolucionário contra o capitalismo.
Na conclusão do capítulo Tática, vejam essa declaração
inacreditável. Isso em 1985, quando o socialismo real já ia ladeira abaixo de
forma irreversível:
“A classe operária soviética em aliança com o campesinato e
sob a direção do Partido Comunista, construiu o socialismo desenvolvido e
realiza atualmente a construção do comunismo (...). Os ganhos do socialismo são
grandes e reconhecidos em todo o mundo. O comunismo abre perspectivas ainda
maiores, pois é a fase superior da nova sociedade. O comunismo garantirá aos
povos da Terra a paz eterna, e os homens serão libertados para sempre da
intranqüilidade por seu futuro e o de seus filhos. O comunismo confirmará o
Reino do Trabalho na Terra, fará o trabalho livre e criador para todos e o
converterá na primeira necessidade vital do homem e em fonte de sua alegria e
inspiração. O comunismo criará o verdadeiro Reino da Liberdade do homem como
trabalhador, como ser social, como criador e pensador, possuidor das poderosas
forças sociais e da natureza. O comunismo garantirá a Igualdade e Fraternidade
entre todos os homens, já que todos serão trabalhadores que se desempenharão
plenamente de acordo com suas capacidades, e na mesma medida serão satisfeitas
suas necessidades. O homem será outro, companheiro e irmão no mais elevado
sentido da palavra. O comunismo levará a todos os homens a verdadeira
Felicidade, a confiança no belo futuro e a trabalhar criativamente para que
seja de grande utilidade à humanidade e a si mesmo, e dará a possibilidade de
aperfeiçoar infinitamente suas qualidades físicas e intelectuais. O comunismo é
o futuro luminoso de toda a humanidade”.
O passado sangrento é esquecido e o presente ignorado. Tudo
é prometido em nome de um futuro utópico, de um socialismo, agora democrático.
O socialismo democrático, a grande utopia pós-socialismo real, é irrealizável.
O próprio esforço para realizá-lo produz algo tão inteiramente diverso que
aqueles que ainda o desejam não estão preparados para aceitar suas
conseqüências!
E há pessoas desavisadas que, ainda hoje, anos depois da
rejeição do comunismo pelos povos que foram forçados a viver sob ele, acreditam
piamente nas historinhas fantásticas e extravagantes constantes nesses manuais,
historinhas que nem eles – os comunistas – não mais acreditam. Nem em Cuba e
Coréia do Norte, países onde o socialismo real agoniza lentamente.
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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.