domingo, 17 de agosto de 2014
Sob gritos de "guerreiro do povo brasileiro", corpo de Campos é enterrado
Por Ivan Richard – Agência Brasil
O Corpo de Eduardo Campos segue em carro aberto do
Corpo de
Bombeiros para o Cemitério de Santo Amaro,
onde será sepultado (Fernando
Frazão/Agência Brasil)
|
Mais de cem horas após o acidente aéreo que resultou na
morte de Eduardo Campos e de mais seis pessoas, o corpo do ex-governador de
Pernambuco foi enterrado há pouco ao lado do avô, Miguel Arraes, no Cemitério
de Santo Amaro, em uma sepultura simples, sem luxo, rodeada apenas de flores e
placas de mármore com identificação. Fogos de artifício e gritos de
"Eduardo, guerreiro do povo brasileiro" marcaram o encerramento da
cerimônia.
Nas ruas, nos bancos, nas calçadas em cima dos jazigos –
alguns seculares de mármore –, cada metro do Cemitério Santo Amaro foi
disputado pelos admiradores do ex-governador na chegada do caixão com os restos
mortais do político. As vias próximas ao cemitério estavam cheias de ônibus com
caravanas de várias cidades do estado. Segundo a Polícia Militar, 150 mil
pessoas passaram pelo velório de Campos, na sede do governo de Pernambuco.
"Viemos prestar nossa solidariedade e agradecer tudo de
bom que ele fez pela gente", disse Mikaela Kalina, de 26 anos, que saiu da
cidade de Ribeirão, a aproximadamente 100 quilômetros do Recife. Com ela, mais
300 pessoas foram ao Recife na caravana de oito ônibus.
Próximo ao caixão, apenas a família e amigos. Houve chuva de
flores. O último adeus ao pai, irmão, filho, tio, neto, sobrinho foi observado
atentamente pela multidão, que gritava pedindo justiça e que as causas do
acidente sejam esclarecidas. A esposa, Renata Campos, quatro dos cinco filhos
do casal, a mãe de Campos, Ana Arraes, que estiveram ao lado do caixão desde a
madrugada quando foi trazido de São Paulo, e o irmão, Antônio Campos estavam
entre os mais emocionados.
O auxiliar de serviços gerais José Fernando de Souza, que há
mais de 40 anos trabalha no cemitério, disse que nunca tinha presenciado
movimentação tão intensa em um sepultamento.
Desde a última quarta-feira, dia do acidente, o cemitério
passou por reparos para abrigar o corpo do ex-governador. Ao longo do percurso
feito pelo cortejo fúnebre, centenas de coroas de flores enfeitaram as calçadas
e ajudavam a confortar a dor da família pela perda inesperada.
Com o sepultamento do maior nome do partido, o PSB agora
buscará unidade em torno do nome de Marina Silva para prosseguir a disputa pela
Presidência da República.
Convite ao conflito
Editorial Gazeta do Povo
Decisão do STJ em solicitação de intervenção federal agrava
a insegurança jurídica e acirra os ânimos no campo
No dia 6 de agosto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ)
divulgou o acórdão de uma decisão tomada no início de julho, em que a corte
negou um pedido de intervenção federal no Paraná, em um caso que envolve a
reintegração de posse de uma área invadida anos atrás pelo Movimento dos
Sem-Terra (MST). É uma decisão que, analisada com cuidado, abre perigosos
precedentes.
Em 2008, o Sítio Garcia, propriedade de 58,50 hectares
integrante da Fazenda São Paulo, no município de Barbosa Ferraz, foi invadido
pelo MST pela segunda vez em dois anos. Os proprietários pediram na Justiça a
reintegração de posse, concedida ainda em 2008, por meio de liminar, e
confirmada em maio de 2011 por sentença de mérito – mas que até hoje não foi
cumprida. Em 2012, os proprietários foram ao Tribunal de Justiça do Estado do
Paraná (TJ-PR) solicitando intervenção federal no estado, baseados no artigo 34
da Constituição Federal, que prevê intervenção em caso de descumprimento de
decisão judicial. O TJ-PR reconheceu a omissão do poder público e remeteu o
caso ao STJ.
No STJ, o relator do processo, ministro Gilson Dipp, pediu o
indeferimento do pedido de intervenção. Em seu voto, argumentou que “parece
manifestar-se evidente a hipótese de perda da propriedade por ato lícito da
administração, não remanescendo outra alternativa que respeitar a ocupação dos
ora possuidores como corolário dos princípios constitucionais da dignidade da
pessoa humana; de construção de sociedade livre, justa e solidária com direito
à reforma agrária e acesso à terra e com erradicação da pobreza, marginalização
e desigualdade social”, ou seja, só restaria aos proprietários resignar-se a
perder a área e receber indenização do governo federal, tivessem ou não
interesse em negociar o sítio. O voto de Dipp foi seguido por todos os
ministros presentes à sessão de 1.º de julho.
O acórdão, publicado na semana passada, afirma que uma eventual
reintegração de posse seria um “ato do qual vai resultar conflito social muito
maior que o suposto prejuízo do particular”, pois já haveria quase 200
sem-terra na propriedade; além disso, afirma que, “pelo princípio da
proporcionalidade, não deve o Poder Judiciário promover medidas que causem
coerção ou sofrimento maior que sua justificação institucional e, assim, a
recusa pelo Estado [em promover a reintegração de posse] não é ilícita”.
A argumentação do ministro Dipp, assim, parte de um
pressuposto verdadeiro – a necessidade de uma verdadeira reforma agrária, e a
situação indigna de muitos trabalhadores rurais que não têm acesso à terra –
para chegar a uma conclusão perigosa, pois a decisão permite que os sem-terra
se beneficiem de um ato ilícito cometido por eles mesmos, o que viola um
princípio consagrado do direito. É possível perceber o caráter utilitarista do
raciocínio que guia o ministro: tendo levado em consideração única e
exclusivamente o conflito entre o prejuízo de quase 200 sem-terra (com a
reintegração de posse) e o prejuízo de uns poucos proprietários (com a perda do
sítio), Dipp e seus pares do STJ optaram por este em vez daquele,
independentemente do caráter dos atos cometidos pelos invasores. Não é difícil
perceber que essa linha de pensamento é praticamente um convite a novos
conflitos no campo, abrindo as portas à invasão indiscriminada de propriedades,
com a permanência dos invasores sendo garantida sob o argumento do possível
dano social causado por uma reintegração de posse.
Aqui é preciso ressaltar que não se trata de defender o
direito à propriedade como absoluto, pois de fato não o é. A propriedade
precisa ter uma função social, e quando ela não é cumprida justifica-se uma
ação do Estado para que essa terra seja redistribuída a quem dela necessita.
Este processo está bem regulamentado no Brasil. No entanto, não é esse o caso
do Sítio Garcia. Durante a análise do pedido de intervenção, o STJ pediu
informações ao Incra, que respondeu dizendo que se tratava de uma propriedade produtiva,
que não se encaixava nos critérios para a reforma agrária. Mesmo assim, o STJ
permitiu, com sua decisão, que os invasores lá permanecessem.
Ora, os princípios democráticos e as garantias
constitucionais existem justamente para prevenir arbitrariedades como a que
estamos agora presenciando no caso do Sítio Garcia, e para assegurar que não
seja o mero utilitarismo a guiar as decisões de Estado. Por mais que a reforma
agrária seja uma necessidade, ela não pode ser feita à base da lenta erosão
desses princípios e garantias, sob risco de agravar os conflitos no campo. Eles
já não são de fácil resolução; e o STJ, com sua decisão, só contribui para
agravar a insegurança jurídica e acirrar os ânimos entre os sem-terra e os
proprietários rurais.
Fonte: A Verdade Sufocada
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