Por Olavo De Carvalho
Quando os psicopatas dominam, a insensitividade moral se
espalha por toda a sociedade, roendo o tecido das relações humanas e fazendo da
vida um inferno.
Muitas vezes o leitor já deve ter-se perguntado como é
possível que tantas pessoas, aparentemente racionais, amem e aplaudam os
governos mais perversos e genocidas do mundo e se recusem a enxergar a
liberdade e o respeito de que elas próprias desfrutam nas democracias
ocidentais, ao mesmo tempo que continuam acreditando, contra todas as
evidências, que são moral e intelectualmente superiores aos que não seguem o
seu exemplo.
Hoje em dia essas pessoas, no Brasil, são a parcela
dominante no governo, no Parlamento, nas cátedras universitárias, no show
business e na mídia. A presença delas nesses altos postos garante a este país
setenta mil homicídios por ano, o crescimento recorde do consumo de drogas, o
aumento da corrupção até a escala do indescritível, cinqüenta por cento de
analfabetos funcionais entre os diplomados das universidades e, anualmente, os
últimos lugares para os alunos dos nossos cursos secundários em todos os testes
internacionais, abaixo dos estudantes de Uganda, do Paraguai e da Serra Leoa.
Sem contar, é claro, indícios menos quantificáveis, mas nem por isso menos
visíveis, da deterioração de todas as relações humanas, rebaixadas ao nível do
oportunismo cínico e da obscenidade, quando não da animalidade pura e simples.
Isso torna a pergunta ainda mais crucial e urgente. A
resposta, no entanto, vem de longe.
Sessenta e tantos anos atrás, alguns estudantes de medicina
na Polônia, na Hungria e na Checoslováquia começaram a notar que havia algo de
muito estranho no ar. Eles haviam lutado na resistência antinazista junto com
seus colegas, e isto havia consolidado laços de amizade e solidariedade que, esperavam,
durariam para sempre. Aos poucos, após a instauração do regime comunista, novos
professores e funcionários, enviados pelos governantes, estavam alterando
profundamente o ambiente moral nas universidades daqueles países. Um jovem
psiquiatra escreveu:
“nós sentíamos que algo estranho tinha invadido nossas
mentes e algo valioso estava se esvaindo, de forma irreparável. O mundo da
realidade psicológica e dos valores morais parecia suspenso em um nevoeiro
gelado. Nosso sentimento humano e nossa solidariedade estudantil perderam seus
significados, como também aconteceu com o patriotismo. Então, nos perguntamos
uns aos outros: ‘Isso está acontecendo com você também?’”
Impossibilitados de reagir, eles começaram a trocar idéias,
perguntando como poderiam se defender da devastação psicológica geral. Aos
poucos essas conversações evoluíram para o plano de um estudo psiquiátrico da
elite dirigente comunista e da sua influência psíquica sobre a população.
O estudo prosseguiu em segredo, durante décadas, sem poder
jamais ser publicado. Aos poucos os membros da equipe foram envelhecendo e
morrendo (nem sempre de causas naturais), até que o último deles, o psiquiatra
polonês Andrej (Andrew) Lobaczewski (1921-2007), reuniu as notas de seus
colegas e compôs o livro que veio a sair pela primeira vez no Canadá, em 2006,
e que agora a Vide Editorial, de Campinas, está para publicar em tradução
brasileira de Adelice Godoy: “Ponerologia. Estudo Psiquiátrico do Mal na Política”,
do qual extraí o parágrafo acima.
“Poneros”, em grego, significa “o mal”. O mal, porque o
traço dominante no caráter dos novos dirigentes, que davam o modelo de conduta
para o resto da sociedade, era inequivocamente a psicopatia. O psicopata não é
um psicótico, um doente mental. É uma pessoa de inteligência normal ou
superior, às vezes dotada de uma capacidade incomum para agir no ambiente
social. Só lhe falta uma coisa: os sentimentos morais, especialmente a
compaixão e a culpa. Não que ele desconheça esses sentimentos. Conhece-os
perfeitamente, mas os vivencia de maneira puramente intelectual, como
informações a ser usadas, sem participação pessoal e íntima. Quanto maior a sua
frieza moral, maior a sua habilidade de manipular as emoções dos outros,
usando-as para os seus próprios fins, que, nessas condições, só podem ser
malignos e criminosos. Justamente porque não sentem compaixão nem culpa, os
psicopatas sabem despertá-las nos outros como quem toca um piano e produz o
acorde que lhe convém.
Não é preciso nenhum estudo especial para saber que,
invariavelmente, o discurso comunista, pró-comunista ou esquerdista é cem por
cento baseado na exploração da compaixão e da culpa. Isso é da experiência
comum.
Mas o que o dr. Lobaczewski e seus colaboradores descobriram
foi muito além desse ponto. Eles descobriram, em primeiro lugar, que só uma
classe de psicopatas tem a agressividade mental suficiente para se impor a toda
uma sociedade por esses meios. Segundo: descobriram que, quando os psicopatas
dominam, a insensitividade moral se espalha por toda a sociedade, roendo o
tecido das relações humanas e fazendo da vida um inferno. Terceiro: descobriram
que isso acontece não porque a psicopatia seja contagiosa, mas porque aquelas
mentes menos ativas que, meio às tontas, vão se adaptando às novas regras e
valores, se tornam presas de uma sintomatologia claramente histérica, ou
histeriforme. O histérico não diz o que sente, mas passa a sentir aquilo que
disse – e, na medida em que aquilo que disse é a cópia de fórmulas prontas
espalhadas na atmosfera como gases onipresentes, qualquer empenho de chamá-lo
de volta às suas percepções reais abala de tal modo a sua segurança psicológica
emprestada, que acaba sendo recebido como uma ameaça, uma agressão, um insulto.
É assim que um grupo relativamente pequeno de líderes
psicopáticos destrói a alma de uma nação.
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Publicado no Diário do Comércio.