Por Manoel Soriano Neto
1. Considerações Iniciais
Muito já se disse a respeito do Duque de Caxias. Entretanto,
traços humanos personalíssimos e aspectos singulares da edificante existência
do ínclito Soldado merecem ser rememorados. Assim, apresentaremos alguns
registros, dignos de nota, relativos ao Homem - Caxias; à sua audácia nos
campos de batalha; ao resgate de sua memória e às principais homenagens que lhe
foram tributadas.Tal é o objetivo dessas despretensiosas achegas, alinhavadas
em apertada e incompleta síntese.
2. O Homem – Caxias
a. Luiz Alves de Lima e Silva pautou a sua vida pela
inteireza de caráter, arrojo, acendrado patriotismo, fervorosa religiosidade e
inexcedível exação no cumprimento do dever.
Caxias possuía estatura acima da média para a sua época
(quando trasladado, em 1949, para o Panteão em frente ao Ministério da Guerra,
no Rio de Janeiro, na Ata de Exumação constou que o esqueleto media 1,72m); de
compleição atarracada, ombros largos, olhos castanhos, cabelos
castanho-alourados, tez clara e rosada, voz suave, sisudo, garboso, austero, de
hábitos morigerados, rigorosíssimo no cumprimento do dever, porém humano,
saudável, apesar de padecer de uma malária contraída no Maranhão, que lhe
causava a inchação do fígado; era orgulhoso de sua formação militar, corajoso,
determinado, sedizente fatalista, o que também explica a sua invulgar
temeridade, maçon dedicado, pai extremoso e "cristão de fé robusta".
b. O Coronel José de Lima Carneiro da Silva, neto de Caxias,
entrevistado, aos 83 anos, pela revista "Nação Armada" (n° 23, Out
1941), disse em certo trecho da entrevista: "O Duque, após o passamento da
Duquesa, jamais tirou o luto, mesmo em casa. Era, entretanto, alegre e se
alimentava bem, preferindo à mesa, pratos da culinária gaúcha. Apesar de
fluminense, o Rio Grande do Sul era a sua menina dos olhos. A toda hora falava
das suas coisas, dos seus homens e tinha mesmo um certo sotaque de riograndense
do sul. A música encantava-o, como velhas mazurcas e valsas, tocadas ao piano
por sua comadre Maria José, que ele ouvia em silêncio, fumando grandes e
perfumados charutos. Era um inveterado fumante de charutos, consumindo vários
por dia."
c. Caxias trouxe do Paraguai, três cavalos:
"Moleque", "Douradilho" e "Aedo". Um dos
biógrafos do Duque, o Dr.Vilhena de Moraes, nos dá conta da seguinte
reminiscência: "Ao fogoso "Douradilho", da ponte de Itororó,
Caxias, já velho e enfermo, costumava melhorar a ração na data do aniversário
daquele combate (6 de dezembro)"...
d. Quando da concessão da anistia aos vencidos, ao término
da Revolução Farroupilha, aflorou, sobejamente, o sentimento de generosidade do
"Pacificador". Ele concedeu a liberdade aos cativos farroupilhas,
incorporando os que assim desejassem ao Exército Imperial, e tratou com extrema
bondade os derrotados, sendo escolhido, pelos próprios gaúchos, para Presidente
da Província e por eles indicado para Senador pelo RGS. Não apenas por isso, o
saudoso jornalista e acadêmico Barbosa Lima Sobrinho, concedeu-lhe a notável
honorificência de "Patrono da Anistia" e o eminente historiador
militar, Coronel Cláudio Moreira Bento, o cognominou de "Pioneiro
Abolicionista".
e. Ainda com referência à grandeza de espírito de Caxias, observe-se,
em seu Testamento, como está expressa uma de suas vontades: "Declaro que
deixo ao meu criado Luiz Alves, quatrocentos mil réis e toda a roupa de meu
uso". Diga-se que esse criado era um índio que ele trouxera, ainda jovem,
do Maranhão, após a Balaiada, adotando-o e dando-lhe o próprio nome;
ressalte-se que ele foi a primeira pessoa lembrada, no dito Testamento, no
qual, somente ao depois, são mencionados familiares e amigos íntimos do
venerando Marechal...
f. Seria despiciendo falar-se do exacerbado patriotismo do
Duque de Caxias. Mas gostaríamos de encerrar essas breves considerações
atinentes à figura humana desse exponencial personagem de nossa História,
relembrando um trecho de uma carta por ele escrita ao Visconde do Rio Branco,
ao tempo da "Questão Christie", de dolorosa memória, e que bem
evidencia o seu acrisolado amor ao Brasil: "Não se pode ser súdito de
nação fraca. Tenho vontade de quebrar a minha espada quando não me pode servir
para desafrontar o meu País, de um insulto tão atroz".
3. A audácia de Caxias nos campos de batalha
a. A intrepidez de Caxias revelou-se em inúmeros episódios,
nos quais o intimorato Comandante não se furtou a correr o "risco
calculado". A sorte, entretanto, sempre o acompanhou nos momentos de alta
periculosidade. É que ele "tinha estrela", tanto que a "grande
estrela de Caxias" apareceu com fulgurante brilho, nos céus do Rio Grande
do Sul, quando de uma de suas ofensivas noturnas contra os farroupilhas (era,
na realidade, o cometa "Brilhante"), a respeito da qual dizia Caxias,
em tom zombeteiro, mas alimentando, com sagacidade, a crendice popular em torno
de sua pessoa: "É, eu nasci na Vila de Estrela, no Rio de Janeiro"...
b. Caxias era, de fato, extremamente arrojado, como se pode
constatar em várias oportunidades de seu historial castrense, desde Tenente a
General. Extraordinária foi a sua valentia na Guerra da Independência e na
Campanha da Cisplatina, tendo o jovem Tenente e Capitão recebido encomiásticas
referências por sua coragem e desprendimento. Saliente-se, outrossim, a sua
ousadia, quando do combate de Santa Luzia (MG); no reconhecimento, em 1852, do
porto de Buenos Aires e, máxime, na Guerra do Paraguai. Quando do maior
conflito bélico de que participamos, o Generalíssimo executou audaciosas
manobras como a de envolvimento e cerco, em conjunto com a Marinha, e que
redundou na queda da "inexpugnável" Fortaleza de Humaitá; como a
"marcha de flanco" empreendida pelos nossos três Corpos de Exército
através de uma estrada, de cerca de 11 km, construída sobre o Grão-Chaco e as
operações da "Dezembrada", no começo das quais se travou a memorável
batalha de Itororó. No fragor dessa refrega, o Marquês de Caxias, aos 65 anos de
idade, parte em direção à ponte sobre o arroio Itororó, sabre em punho e a
galope de carga, após bradar: "Sigam-me os que forem brasileiros!"
(consigne-se que o marcial apelo do Comandante-em-Chefe era tão-somente
anímico, ao sentimento de brasilidade, posto que apenas tropas brasileiras
participaram da batalha).
4. O memorável resgate da memória do Duque
a. Quando da trasladação dos restos mortais de Caxias e de
sua esposa, em 25 de agosto de 1949, para o "Pantheon Militar",
defronte ao hoje Palácio Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, ocorreu um fato
histórico singular, muito pouco lembrado, infelizmente. É que, naquela data, se
deu o definitivo resgate da memória do Duque de Caxias, que tantos e tamanhos
serviços prestara à Pátria Brasileira, na paz e na guerra. Mas tal resgate foi
apenas um magnífico epílogo de um justo desagravo e da recuperação da imagem do
Duque, o que já vinha ocorrendo, especialmente a partir de 1923, como adiante
faremos referência.
b. Caxias morreu, no ano de 1880, triste e magoado. A
tristeza se devia ao falecimento, em 1874, de sua amantíssima esposa, tendo ele
usado luto completo, desde então até morrer, seis anos depois. Três pungentes
mágoas o afligiram no final da vida e diziam respeito ao Imperador, à Maçonaria
e à Igreja Católica.
O Duque encontrava-se agastado com o Imperador, desde quando
concedera, com a relutância de D. Pedro II, em 1875, a anistia aos Bispos de
Pernambuco e do Pará, solucionando, de forma magnânima, a chamada "questão
religiosa". Após o retorno de uma longa viagem à Europa, o Monarca
destituiu o Gabinete Conservador, presidido por Caxias, nomeando um outro, com
membros do Partido Liberal. O velho Soldado, assaz desgostoso, recolheu-se à
Fazenda Santa Mônica, de propriedade de uma de suas filhas, onde viria a
falecer, em 8 de maio de 1880, afastando-se, definitivamente, da vida pública.
O Decreto de anistia aos Bispos, nunca foi aceito pela
Maçonaria. O Visconde do Rio Branco, Grão-Mestre da Ordem, solicitou demissão
do Conselho de Ministros, a fim de não assinar o dito Decreto, rompendo com o
seu grande amigo Caxias, "Irmão que se tornou altamente impopular entre os
da Arte Real", pelo que o Marechal deixou de freqüentá-la.
Ademais, a Igreja Católica exigiu que o Duque, provecto e
doente, cumprisse os ditames de uma bula papal e abjurasse a Maçonaria. Como
ele não obedeceu àquela determinação religiosa, foi expulso, por ser
"maçon pestilento", da Irmandade da Cruz dos Militares, da qual fôra
Provedor...
Acrescente-se que a figura de Caxias, desde os últimos anos
da Monarquia, vinha sofrendo duras críticas, desferidas por profitentes do
Positivismo. Os positivistas, que tiveram decisiva participação na proclamação
da República, eram pacifistas e, por isso, menosprezavam os gloriosos feitos
marciais do Império, dos quais o nosso "Soldado-Maior" foi o expoente
máximo.
c. Porém, naquele agosto de 1949, toda a Nação Brasileira
reparou as injustiças e ingratidões perpetradas contra o Duque, quando do
traslado de seus despojos e os da Duquesa. A histórica Solenidade
cívico-militar, presidida pelo Presidente da República, Marechal Eurico Gaspar
Dutra, revestiu-se de superlativo brilhantismo, sendo o presidente da Comissão
de Trasladação, o Dr. Nereu Ramos, Vice-Presidente da República, que era um
fiel maçon. Membros da Família Imperial Brasileira e o Marechal Rondon,
tradicional positivista, estiveram presentes à cerimônia, que se encerrou com
um monumental desfile militar. Aduza-se que a Igreja Católica velou os restos
mortais de Caxias e os de dona Ana Luíza, na Igreja da Irmandade da Cruz dos
Militares, que o havia expulso, em 1876, sendo concelebrada uma Missa por 18
Bispos e Arcebispos, de todos os rincões brasileiros, presenciada pelo Cardeal
do Rio de Janeiro, Dom Jaime de Barros Câmara. E mais: houve um dobre de sinos,
em todas as igrejas católicas do Brasil, na hora da trasladação....
Destarte, em 25 de agosto de 1949, ocorreu, de fato, uma
memorável reparação histórica da altaneira imagem de um dos maiores filhos
desta Pátria, o Duque de Caxias.
5. Principais homenagens tributadas a Caxias
a. Caxias, "Nume Tutelar da Nacionalidae", foi
tudo! Marechal do Exército, Conselheiro de Estado e da Guerra, Barão, Conde,
Marquês, Duque, Presidente e Pacificador de Províncias, Senador (pelo RS),
Deputado (pelo Maranhão, eleito, mas não empossado), três vezes Ministro da
Guerra e três vezes Presidente do Conselho de Ministros! E o Brasil soube
reconhecer os beneméritos serviços por ele prestados à Pátria – "nossa
Mãe-Comum". Por esses "brasis" existem incontáveis monumentos,
logradouros públicos, escolas, etc, que ostentam o augusto nome do maior vulto
militar da História do Brasil. Dentre essas honrarias, sobrelevam-se as
denominações de duas importantes cidades: a de "Duque de Caxias", no
Rio de Janeiro, e "Caxias do Sul", no Rio Grande do Sul (diga-se, por
ilustrativo, que a cidade de Caxias, no Maranhão, onde o então Coronel Luiz
Alves venceu o último foco dos rebeldes, quando da "Balaiada", deu
origem ao seu primeiro título nobiliárquico – o de Barão de Caxias).
b. Caxias foi instituído, no ano das festividades do
duocentenário de seu nascimento, mediante a Lei n° 10.641, de 28 Jan 2003,
"Herói da Pátria". Por isso, o nome do Herói foi inscrito no
"Livro dos Heróis da Pátria" (é um grande livro de aço que se
encontra no Panteão da Liberdade e da Democracia, em Brasília), por ocasião de
bela cerimônia ocorrida em frente ao Quartel-General do Exército, na Capital
Federal.
c. No Exército Brasileiro, a impoluta memória de Caxias
começou a ser reabilitada de um semi-anonimato (ao qual foi relegada pelo
sectarismo positivista-republicano), em 1923, pelo Ministro da Guerra, General
Setembrino de Carvalho. Ele instituiu, pelo Aviso n° 443, de 25 de agosto de
1923, a "Festa de Caxias". Posteriormente, por meio do Aviso n° 366,
de 11 de agosto de 1925, o mesmo Ministro criou o "Dia do Soldado",
também a ser comemorado na data natalícia do Duque. Naquele ano de 1925, sob o
influxo das diretrizes do Ministro da Guerra, a Turma de Aspirantes-a-Oficial
da Escola Militar do Realengo escolheu a denominação histórica de "Turma
Duque de Caxias" (aliás, a Turma de 1962, da Academia Militar das Agulhas
Negras, à qual pertence o atual Comandante do Exército, General de Exército
Enzo Martins Peri, também ostenta, com muita ufania, a denominação de
"Turma Duque de Caxias").
Outro momento histórico de grande relevância no
enaltecimento de Caxias, pela Força Terrestre, se deu por ocasião do comando do
então Coronel José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, na Escola Militar do
Realengo (1931/4). Este militar, de elevadíssimos méritos, implantou, naquela
Escola, várias místicas alusivas a nosso glorioso passado, sendo as maiores
delas a instituição do título de "Cadete", para os então alunos da
Escola, e a criação do espadim, réplica do invencível sabre do
"Condestável do Império' e "Unificador da Pátria".
O Duque de Caxias foi proclamado "Patrono do
Exército", consoante o Decreto n° 51.429, de 13 de março de 1962.
O glorioso e invicto Exército do qual ele é Patrono, possui
as seguintes Organizações Militares que exibem o seu venerável nome, com
indescritível orgulho, em suas denominações históricas: "Forte Duque de
Caxias", no Rio de Janeiro (RJ); "Batalhão Barão de Caxias", que
é o 24° Batalhão de Caçadores, de São Luís (MA); "Grupo Conde de
Caxias", que é o 3° Grupo de Artilharia Antiaéreo, de Caxias do Sul (RS);
"Companhia Praça Forte de Caxias", que é a 13ª Companhia de
Comunicações, de São Gabriel (RS) e o "Batalhão Duque de Caxias", que
é o Batalhão da Guarda Presidencial, de Brasília (DF).
6. À guisa de Conclusão
Impende lembrar, por derradeiro, neste breve escorço
referente a aspectos pouco lembrados da mui grandiosa gesta e da personalidade
do Duque de Caxias, de que certa e recerta é a intemporalidade das inúmeras
lições que ele nos legou!
Finalmente, desejaríamos trazer à lembrança, como corolário
de tudo o que até aqui foi expendido, uma expressão, - "caxias" -,
cunhada pelo saudoso e emérito sociólogo Gilberto Freyre, que bem retrata o
caráter adamantino e as peregrinas virtudes de nosso insigne "Soldado e
Pacificador". Tal expressão, uma metáfora caída na consagração popular,
bem caracteriza aqueles que cumprem, integral e rigorosamente, os seus deveres.
Disse Gilberto Freyre: "Caxiismo não é conjunto de virtudes apenas
militares, mas de virtudes cívicas, comuns a militares e civis. Os
"caxias" devem ser tanto paisanos como militares. O caxiismo deveria
ser aprendido tanto nas escolas civis quanto nas militares. É o Brasil inteiro
que precisa dele"...
_________________
Manoel Soriano Neto, Cel Ref, Historiador Militar, ex-Chefe
do CDocEx.