Por CoroneLeaks (Coturno Noturno)
O imenso acervo das investigações da Lava Jato contém as
provas inéditas que demonstram essa dimensão. A Polícia Federal encontrou as
principais evidências quando fez apreensões num dos escritórios de Youssef e,
especialmente, na casa de Arianna Bachmann, uma das filhas de Paulo Roberto. No
caso dela, as provas estavam num notebook escondido no porta-malas do carro.
Arianna era a principal funcionária de Paulo Roberto. Registrava em detalhes os
negócios da família. Num dos escritórios de Youssef em São Paulo, a PF
encontrou um arquivo com milhares de papéis. Eles trazem indícios de dezenas de
episódios de corrupção, em muitos Estados e órgãos públicos. Eles se espelham
perfeitamente com os registros sobre a Petrobras encontrados no computador de
Arianna. Esses arquivos secretos revelam, entre outras coisas, que:
• Paulo Roberto chegou a ter 81 contratos, todos com
fornecedores da Petrobras, quando saiu da estatal e montou sua empresa de
consultoria. Há provas de que ele recebeu milhões de 23 empreiteiras, na maior
parte das vezes sem prestar, segundo sugerem os documentos, qualquer serviço;
• o principal cliente de Paulo Roberto, segundo as provas da
PF, era a empreiteira Camargo Corrêa. Ela liderava o principal consórcio das
obras de R$ 20 bilhões da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Paulo Roberto
comandara essas obras e presidia o Conselho de Abreu e Lima. Grande parte dos
clientes que repassaram dinheiro à empresa dele trabalhava nessas obras;
• Paulo Roberto recebeu, em dinheiro vivo segundo a PF, o
equivalente a R$ 6,4 milhões de Youssef e R$ 2,4 milhões do lobista Fernando
Soares, conhecido como Fernando Baiano, em reais, dólares e euros. Baiano o
ajudava a fechar negócios com as empreiteiras e a manter boas relações com
parlamentares do consórcio que o mantinha na Petrobras; e
• Youssef, o sócio de Paulo Roberto, mantinha uma subconta
na Suíça em nome da principal subcontratada pela Camargo Corrêa para serviços
na Abreu e Lima, a Sanko. Outra subconta de Youssef na Suíça recebia milhões de
subsidiárias internacionais de empreiteiras brasileiras, entre elas a OAS.
Todas essas provas foram enviadas ao Supremo Tribunal
Federal há dez dias, logo após o ministro Teori Zavascki suspender as
investigações da Lava Jato e mandar soltar Paulo Roberto. Não se sabe quando os
ministros do Supremo decidirão o que fazer com o caso. Quanto mais tempo
demorar, menores as chances de que delegados e procuradores avancem nas
investigações. Paulo Roberto, é bom lembrar, foi preso porque sua família foi
flagrada tentando destruir provas. Antes que os processos, que corriam no
Paraná, fossem suspensos, Youssef e ele já eram réus, acusados de lavar
dinheiro desviado, segundo denúncia do MPF, do contrato do consórcio da Camargo
Corrêa em Abreu e Lima. Nesta semana, o Congresso finalmente criou uma CPI
mista para investigar a Petrobras. As provas da Lava Jato oferecem aos
parlamentares um bom roteiro de trabalho.
Num dos arquivos do computador de Arianna, a PF encontrou
notas fiscais da Costa Global, empresa de consultoria da família, emitidas
entre outubro de 2012 e fevereiro deste ano. Somam R$ 7,5 milhões, divididos
entre duas dezenas de empresas – quase todas empreiteiras. A maior parte do
dinheiro foi paga pela Camargo Corrêa: R$ 3,1 milhões. A Camargo fazia
pagamentos mensais de R$ 100 mil. Em dezembro de 2013, fez o último e maior
depósito: R$ 2,2 milhões. A Camargo diz que contratava a Costa Global para “fazer
estudos”.
Arianna mantinha planilhas atualizadas com os contratos da
Costa Global. Continham nomes de contatos e valores a receber. Se a Costa
Global chegou a ter 81 clientes, por que há notas fiscais de apenas 23? Como
Paulo Roberto recebia pelos demais? Era o que a PF tentava descobrir. A
investigação traz evidências de que Paulo Roberto, como qualquer lobista,
recebia um percentual do negócio obtido para seus clientes, conhecido como
“taxa de sucesso”, do inglês “success fee”, um eufemismo para aquilo que todos
conhecemos como propina. O caso da Camargo, segundo os registros da filha de
Paulo Roberto, resume bem a situação: “O success fee será negociado
separadamente para cada negócio”.
O estranho, segundo os investigadores, é a existência de
contratos que não previam taxa de sucesso. Sem essa cláusula, o trabalho de
lobby não faz sentido. Cruzando os nomes das empreiteiras que fizeram contratos
nesses moldes com as anotações de Paulo Roberto, a PF chegou à suspeita de que
eles se referiam, na verdade, à propina dos tempos em que ele ainda era diretor
da Petrobras. Há indícios de que se referiam a acertos de contas. É o caso de
contratos com empreiteiras como Engevix, Iesa, Queiroz Galvão e, num dos casos,
também da Camargo. No caso da Queiroz, uma anotação da agenda de Paulo Roberto
menciona o pagamento de R$ 600 mil. Metade para ele; a outra metade para o
“partido”. Em março de 2013, meses depois dessa anotação, a Queiroz Galvão
fechou um contrato de seis meses com a Costa Global para pagar R$ 100 mil
mensalmente – mesmo valor anotado à mão na agenda de Paulo Roberto.
Num dos escritórios de Youssef em São Paulo, a PF apreendeu
extratos de uma conta controlada por ele no banco PKB, na Suíça. O PKB é um banco conhecido por
aceitar qualquer tipo de cliente – de traficantes a políticos condenados por
corrupção. Entre outras transações consideradas suspeitas pela PF, os extratos
revelam que, em 2013, a OAS African Investments, empresa internacional do grupo
OAS, sediada no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, transferiu US$ 4,8
milhões para a conta de Youssef no PKB. Foram três depósitos de US$ 1,6 milhão,
entre maio e julho.
Os documentos revelam que Youssef abrira, por meio de
laranjas, uma subconta no mesmo PKB em nome da Sanko, empresa que mais recebera
da Camargo por serviços nas obras da Abreu e Lima. Essa subconta tinha limite
de US$ 1,4 milhão. Entre janeiro e fevereiro de 2014, ela recebeu cerca de US$
1,1 milhão. Não há informação sobre quem depositou o dinheiro. Em seguida,
Youssef transferiu grande parte dos recursos para contas em Hong Kong, também
controladas por laranjas. Foram tantos os documentos da Sanko apreendidos com
Youssef que os investigadores suspeitam que ele seja o dono da empresa. Entre
2009 e 2013, a Sanko recebeu R$ 113 milhões do Consórcio CNCC, liderado pela
Camargo, por “serviços” em Abreu e Lima. E repassou R$ 32 milhões a uma empresa
de Youssef.
As contabilidades de Youssef e Paulo Roberto são siamesas.
Se Youssef registrava um pagamento a Paulo Roberto, Paulo Roberto registrava um
depósito de Youssef. Em 8 de agosto de 2012, as planilhas dos dois trazem um
pagamento de R$ 450 mil a Paulo Roberto. Dez dias depois, Paulo Roberto
depositou R$ 120 mil, em espécie, na conta do advogado Eduardo Gouvêa. Gouvêa,
dizem os papéis, é parceiro de negócios de Paulo Roberto.
No mesmo período, em 13 de agosto de 2012, Youssef anotou
ter recebido R$ 1 milhão associado ao nome “Refap”, correspondente à décima e à
décima primeira prestação de um total de 20 parcelas de R$ 500 mil – ou R$ 10
milhões. Duas semanas antes, a Petrobras oficializara a compra da Refinaria
Alberto Pasqualini, no Rio Grande do Sul, conhecida como Refap. Até então, a
Refap era uma sociedade entre a Petrobras e a espanhola Repsol. Em dezembro de
2010, quando Paulo Roberto ainda era diretor de Abastecimento, a Petrobras
comprara a parte da Repsol por US$ 850 milhões. “Para a Petrobras, isso é
importante porque não tínhamos possibilidade de ter uma sinergia completa entre
a Refap e o sistema Petrobras, porque, sendo um consórcio, tinha uma posição
diferente dentro da estrutura gerencial da empresa. Voltando a ser 100% da
Petrobras, isso se refletirá em benefícios grandes para nós, em termos de
atendimento do mercado e de colocação de petróleo nacional”, disse Paulo Roberto
na ocasião. As duas parcelas de R$ 500 mil da “Refap” foram registradas como
“entradas” de Youssef na planilha de Paulo Roberto. A PF suspeita que se trate
de propina.
O advogado Gouvêa afirmou que recebeu o depósito de R$ 120
mil em dinheiro porque vendeu um barco, “por acaso”, a Paulo Roberto Costa.
“Ele me confirmou o depósito na conta, e emiti o documento de venda dessa
embarcação. Nem imaginava que tinha sido feito em dinheiro”, diz Gouvêa.
Reuniões com Gouvêa são mencionadas na agenda de Paulo Roberto. Ele afirma que
é amigo de Humberto Mesquita, ou Beto, genro que cuida da contabilidade de
Paulo Roberto. “Conheço eles desde 1997, fui ao casamento dele (Humberto) com a
filha do Paulo Roberto”, diz Gouvêa. “A gente fazia muita reunião, e às vezes
Paulo Roberto estava presente. Humberto me pedia auxílio na área da advocacia.
Mas era um auxílio assim, vamos dizer, de amigo. Porque nunca efetivamente
cobrei nada pelos serviços que prestei a ele. Nunca tive uma relação
contratual.” Gouvêa afirma não ter “relação próxima” com o lobista Fernando
Baiano: “Fernando Baiano... Conheço de nome”.
As negativas das empreiteiras são abundantes. Muitas admitem
ter firmado contratos com Paulo Roberto. Dentre elas, todas afirmam que nada
deu certo, e o respectivo contrato foi logo desfeito. A acreditar no que dizem,
Paulo Roberto era um fracasso como lobista, embora recebesse milhões pelos
contratos.
Em nota, a Camargo Corrêa afirma que a Costa Global foi
contratada para “desenvolver estudos nas áreas de óleo e gás, dentro da mais
absoluta legalidade”. Não quis informar valores nem datas de pagamentos. O
consórcio CNCC, controlado pela Camargo e responsável pelas obras em Abreu e
Lima, afirma que “não tem e jamais teve qualquer relação com essas pessoas ou
empresas citadas”.
A Sanko-Sider diz, também em nota, que “não tem nem nunca
teve conta no exterior”. Admite ter contratado a Costa Global “para a prestação
de serviços de consultoria relacionados à venda de projetos”, embora não
informe quanto pagou a Paulo Roberto. “O contrato foi rompido de forma amigável
após curto período, tendo em vista a inexistência de resultados”, diz a Sanko.
“Os contratos das empresas do grupo Sanko são estritamente legais e
comerciais.”
A Iesa admite ter pagado R$ 300 mil à Costa Global. “Foram
realizadas diversas reuniões com a Costa Global e com empresa de engenharia
conceitual, e identificados potenciais parceiros fornecedores de tecnologia
para o fornecimento de minirrefinarias modulares”, diz a Iesa, sem mencionar se
os negócios deram certo. A GDK é a única empreiteira que confirma ter
contratado Paulo Roberto para obter negócios e ter se disposto a pagar taxas de
sucesso. Forneceu detalhes dos pagamentos à Costa Global. Diz que nenhum
negócio prosperou e, diante disso, resolveu cancelar o contrato. “A GDK
solicita que seja mencionada sua perplexidade com a associação do seu nome à
referida Operação Lava Jato”, afirma. E nega qualquer irregularidade.
A Engevix afirma apenas que teve contrato com a Costa
Global, sem dar maiores explicações. O lobista Fernando Baiano e as
empreiteiras Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão – as duas cujos diretores,
segundo os papéis da PF, mantinham relações próximas com Baiano – preferiram
não se manifestar. O advogado de Youssef, Antonio Figueiredo, afirma que seu
cliente não tem qualquer vínculo com empreiteiras, não recebeu dinheiro delas e
não tem contas no exterior. O advogado de Paulo Roberto não respondeu ao pedido
de entrevista de ÉPOCA até a publicação desta reportagem.
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