Por Rodrigo Gurgel
A principal característica de um governo esquerdista é que
ele jamais se contenta em governar de acordo com a ordem legal, instituída. Ele
sempre acredita que detém a chave, a poção, a receita miraculosa para
transformar o país no que, ele imagina, será o melhor dos mundos. O problema é
que o melhor dos mundos, quando se trata da esquerda, está sempre próximo do
que imaginamos ser o Inferno, quando não é o próprio Inferno.
A prova do que afirmo encontra-se não apenas na história das
revoluções — vejam o Purgatório congelado no tempo em que Cuba se transformou,
sobrevivendo graças à submissão de um povo sem esperança e sem armas e à
propaganda esquerdista mundial, ou os milhões de crimes perpetrados pelo
comunismo soviético —, mas também no presente, no cotidiano da sociedade
brasileira, sequestrada, em grande parte, pelo pior tipo de populismo que já
conhecemos, superior, em método e recursos, aos refinamentos do getulismo.
Esta semana, mais uma vez, o governo ensaiou uma tentativa
de golpe. O alarme foi dado pelo editorial do Estadão, “Mudança de regime por
decreto”, e rapidamente se espalhou pelas redes sociais e blogs, transformando-se
em um fenômeno viral.
De fato, enquanto os políticos de oposição dormem,
refestelados em seus altos salários e mordomias, parcela da sociedade vigia,
atenta, os ensaios para se criar uma ditadura. As reações foram múltiplas:
Reinaldo Azevedo pontificou: “A ‘democracia direta’ de Dilma é ditadura
indireta do PT”. Alexandre Borges deu uma breve mas incisiva aula de história
em “Todo poder aos sovietes petistas”. Felipe Moura Brasil denunciou a lentidão
dos tucanos, sempre envergonhados ou sempre pactuando silenciosamente com o
governo, no post “Ronaldo Caiado sai na frente de Aécio: ‘É golpe do PT!’”. No
artigo “Um tumor inserido por decreto”, Fábio Blanco sangrou ainda mais a
manobra traiçoeira. E Milton Simon Pires não deixou por menos: mostrou, em
“Brasil 8243”, como o PT pretende destruir as instituições do país.
O mais didático e irônico, contudo, foi Erick Vizolli, no
sempre ótimo Liberzone. No artigo “Afinal, o que é esse tal Decreto 8.243?”,
Vizolli mostra que o sistema representativo, apesar de todos os seus defeitos,
ainda é a única forma de nos protegermos de um Estado controlado por grupos que
não têm compromisso com a democracia ou a liberdade, mas apenas com suas
próprias ideologias.
Todos esses articulistas me recordaram as reflexões de Roger
Scruton em The Uses of Pessimism and the Danger of False Hope (As vantagens do
pessimismo, Editora Quetzal, Lisboa). No Capítulo 6, “A Falácia do
Planeamento”, Scruton faz uma brilhante analogia entre a estrutura da União
Europeia e a forma como Lenin aboliu, na Revolução Russa, “todas as
instituições através das quais o partido e seus membros pudessem ser
responsabilizados pelo que fizeram”, permitindo que um erro se sucedesse a
outro, sempre maior, sempre mais criminoso.
Scruton reflete como se tivesse acabado de ler o decreto de
Dilma Roussef: “Quando os poderes de Governo estiverem adequadamente repartidos
e quando os que detêm a soberania puderem ser expulsos por uma votação, os
erros podem encontrar o seu remédio. Porém suponhamos que as instituições de
Governo estão montadas de tal maneira que toda a concentração de poder é
irreversível, de modo que os poderes adquiridos pelo centro nunca podem ser
recuperados. E suponhamos que aqueles que mandam no centro são nomeados, não
podem ser afastados a pedido do povo, encontram-se em segredo e guardam poucas
ou nenhumas atas das suas decisões. Acha que, nessas circunstâncias, existem
condições em que possam ser retificados erros ou mesmo convincentemente
confessados?”.
Todos os infinitos casos de corrupção; todas as
manifestações de ódio coletivo que têm tomado as ruas; o longo e incansável
trabalho de controle ideológico feito pelo Ministério da Educação, censurando,
de forma velada, o conteúdo de milhões de livros didáticos distribuídos país afora;
todas as tentativas de manter sob vigilância a mídia e a Internet; o evidente
controle do Executivo sobre parcela do Congresso e do Supremo Tribunal Federal
— tudo contribui para transformar o Decreto 8.243 na cereja do bolo.
Se ainda podemos ter alguma esperança, ela reside no fato de
que eles sempre acabam destruindo uns aos outros. “Doze vozes gritavam cheias
de ódio e eram todas iguais. Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à
fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem,
de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se
tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco” — conta George
Orwell no final de A Revolução dos Bichos.
Fonte: Mídia Sem Máscara
Nenhum comentário:
Postar um comentário