O governo federal já havia decidido seguir o estado de São
Paulo e proibir o fumo em lugares fechados. A lei já existia havia três anos e
precisava ser regulamentada. Agora foi (ver post abaixo). Entrará em vigor em
seis meses. Vou repetir agora a crítica que fiz quando o então governador José
Serra enviou um projeto à Assembleia com esse conteúdo em 2008: o cigarro faz
mal, sim, mas a decisão é autoritária. Desnecessariamente autoritária.
Vamos ver. O ordenamento legal deve obedecer a uma lógica,
e, nesse particular, tudo anda pelo avesso no Brasil. O tabaco não é uma
substância considerada ilícita. Isso não impede que seu consumo seja
regulamentado, obedecendo a critérios de saúde pública e, vá lá, até de boa
educação. É claro que o fumo num ambiente fechado, no transporte público ou num
restaurante pode incomodar os não fumantes — e, a depender do caso, até os
fumantes. Assim, seja em razão dos malefícios à saúde, seja em razão das regras
da boa convivência, é aceitável que se criem restrições.
Mas vamos ver. Desde que um fumódromo seja absolutamente
isolado de uma área comum de convivência, proibir o cigarro por quê? O que há
nisso além de certa vocação autoritária de impor o “bem” pela via da força
coercitiva do estado? A lei, em vigor em São Paulo e agora no Brasil inteiro,
proíbe que se fume sob um toldo. Que
sentido há nisso além da “glória de mandar”?
“Ah, estamos concorrendo para a saúde pública à medida que
desestimulamos o cigarro…” Sei. Levado o princípio a efeito, aonde isso nos
conduz? Quando é que o estado vai decidir proibir as gorduras, os carboidratos,
os refrigerantes, o ovo…? Chegará a hora em que se vai criar uma ração pública
— sugiro o nome “Vitória”, em homenagem ao gim do livro “1984”, de George
Orwell —, devidamente balanceada, com todas as vitaminas e proteínas para
formar pessoas saudáveis. Aí vale a velha piada: viveremos 200 anos, mas
parecerão 400!!!
Sou fumante, sim, como sabem, e acho que não se deve fumar.
Não recomendo. Certamente faz mal à minha saúde. Ainda não me incluo entre os
arrependidos (refiro-me a pesquisa recente que evidencia que quase 90% dos
consumidores de tabaco estão nessa categoria), entre outras razões, porque
nunca tentei parar. Sei que não é fácil. Entendo que não posso sair por aí a
exercer, de forma absoluta, a minha vontade “no que se refere” (como diria
Dilma) ao cigarro ou a outra coisa qualquer — afinal, convivemos com os outros.
Mas é preciso distinguir, então, o que é uma regra de
civilidade — e de saúde pública — de uma prática segregacionista, que invade
direitos individuais. Se um bar ou restaurante quer receber fumantes, colocando
na porta a advertência de que, naquele local, o tabaco é permitido, por que a
lei há de impedir se a substância não é ilegal? Vênia máxima, isso não faz
sentido. “Ah, mas nós queremos que todos vivam mais…” Bem, não será o estado a
cuidar disso, acho eu.
Inversão de valores
De resto, noto que há uma coisa curiosa. O mundo que é cada
vez mais intolerante — e o Brasil também — com uma substância lícita se torna,
com velocidade ainda maior, mais tolerante com as substâncias ilícitas. Vá
perguntar ao ministro Artur Chioro, da Saúde, o que ele pensa da Cracolândia,
em São Paulo. Seus aliados políticos, do PT, transformaram a região numa área
livre para o consumo de crack — e de qualquer droga —, sem nenhuma das
restrições que haverá contra o cigarro. Ao contrário: a política de Fernando
Haddad está estimulando o consumo à medida que passou a injetar mais dinheiro
entre os consumidores, com o seu aloprado programa “Braços Abertos”.
Pode-se dizer muita coisa sobre o tabaco — e, reitero, bem
não faz —, mas não é uma droga alucinógena, sob cujo efeito se podem fazer essa
ou aquela bobagens, não é? Ainda chegaremos à, vamos dizer, excentricidade
holandesa, que proíbe substâncias à base de tabaco em qualquer ambiente
fechado, mas permite o funcionamento dos “cafés” em que se consome maconha? Não
há um só estudo ligando o tabaco à esquizofrenia, mas os há às pencas
relacionando a maconha a tal distúrbio.
Ora vejam: marchas em favor da descriminação da maconha são
tratadas por nossa imprensa como um grito em favor da liberdade individual e da
libertação. Pouco falta para que a sua passeata não seja tratada com a
reverência que se dispensava em Roma à passagem das vestais. Já imaginaram se
consumidores de tabaco resolvessem fazer um ato contra a discriminação? Seriam
tratados a pontapés, como os últimos seres da Terra. Sem contar que há a
curiosa categoria, e conheço gente assim, que é absolutamente intolerante com
cigarro, mas não vê mal nenhum em fumar (e em que se fume) maconha e em cheirar
(e em que se cheire) cocaína.
Um país, o nosso ou outro qualquer, que trata o legal como
ilegal e o ilegal como legal está, definitivamente, fora do eixo.
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