Por Defesanet
Baixos salários e atraso tecnológico fazem com que 653
oficiais da elite militar do país pendurem as fardas.
O ex-coronel da FAB Nehemias Lacerda. Foto - Veja
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Aos quinze anos, o baiano Victor Dalton já tinha o desejo de
seguir a carreira militar. Deixou a casa dos pais em Porto Seguro (BA) e viajou
sozinho a Campinas (SP) para ingressar na Escola Preparatória de Cadetes do
Exército, em 1999. Após uma passagem na Academia Militar das Agulhas Negras,
foi aprovado no vestibular de engenharia da computação do Instituto Militar de
Engenharia (IME), um dos mais difíceis do país. “Recebi uma promoção para o
posto de capitão quando me formei. Sempre gostei do meu trabalho. Mas, depois
que me casei, os gastos aumentaram e eu tive de dar um jeito na situação”,
conta. Victor tinha onze anos de Exército, e pouco mais de um ano de casado,
quando decidiu batalhar por outro emprego. Quando passou no concurso para ser
analista legislativo na Câmara dos Deputados, seu salário triplicou, de pouco
mais de 5.000 para 16.000 reais.
A história do ex-capitão ilustra a fuga de cérebros que
atinge as Forças Armadas brasileiras. Nos últimos três anos, outros 652
oficiais pediram baixa das três Forças. A debandada aumentou 63% de 2011 a
2013. Esse grupo inclui a elite militar do país, formada em centros de
excelência, como o IME e o ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica). O número
de engenheiros que deixaram a farda, por exemplo, cresceu 153% e chegou a 92 no
ano passado. Só no primeiro mês deste ano, outros onze já abandonaram a
carreira militar em busca de salários maiores na iniciativa privada e de uma
ascensão profissional mais rápida. No total, restam pouco mais de 1.700
engenheiros entre os mais de 500.000 militares brasileiros.
Essa “deserção” tem impacto direto em grandes projetos no
país com participação dos militares, seja porque nenhuma empreiteira se
interessou ou porque as empresas contratadas não conseguiram cumprir o
contrato. Obras como a construção da BR-163 (que liga o Pará ao Rio Grande do
Sul) e a recuperação da BR-319 (do Amazonas a Rondônia), tocadas por batalhões
de engenharia do Exército, foram paralisadas por problemas operacionais. A
primeira apresentou “deficiência” no projeto de execução, enquanto a segunda
teve falhas no estudo do impacto ambiental, de acordo com o Tribunal de Contas
da União.
Uma das promessas da campanha presidencial de Dilma Rousseff
em 2010, a transposição do Rio São Francisco tornou-se um verdadeiro vexame
para a gestão petista e para os militares brasileiros. Até o projeto básico de
um trecho sob responsabilidade do Exército, o da Bacia do Nordeste
Setentrional, foi considerado deficiente pelo TCU. Para a realização de um
projeto hidroviário no rio, o governo teve de contratar, em 2012, o Exército
americano.
Outro fator de preocupação é a defesa cibernética
brasileira. Embora um centro militar de estudos no setor tenha sido criado em
2012, o país permanece frágil perante os ataques. Apenas no ano passado, os
sites da Polícia Federal, Senado, IBGE, Ministério dos Esportes, Cultura e
Cidades foram atacados e deixados momentaneamente fora do ar. O próprio
ministro da Defesa, Celso Amorim, chegou a ressaltar a dificuldade de manter
profissionais dentro das Forças. “Precisamos ter formação de pessoal e garantir
que eles continuem trabalhando para nós. Frequentemente se ouve sobre alguém
que era muito bom e foi trabalhar em uma multinacional”, afirmou em novembro.
A questão salarial é, de fato, um dos motivos que levam a
essa fuga. Em 2000, um capitão da Marinha ganhava o equivalente a dezoito
salários mínimos. Hoje, o poder de compra caiu pela metade. Enquanto isso, a
revolução tecnológica e o fenômeno das start-ups também atraem os profissionais
mais qualificados para a iniciativa privada. “Conforme eu crescia na hierarquia
militar, passei a receber atribuições administrativas. Mas a minha vocação era
trabalhar como pesquisador”, conta o ex-coronel da FAB Nehemias Lacerda.
Formado em engenharia pelo ITA, depois de trinta anos na Aeronáutica ele
decidiu abrir sua própria empresa. Na carteira de clientes em busca de soluções
de engenharia estão Embraer, Vale, Votorantim e multinacionais como General
Motors, Ford e Philips.
A competição entre a carreira militar e a iniciativa privada
é uma guerra desigual, com enorme vantagem para o campo adversário das Forças
Armadas. Neste ano, o Ministério da Defesa foi o que sofreu o maior corte entre
as pastas. O orçamento caiu de 4,5 bilhões em 2013 para 3,5 bilhões de reais
neste ano. A perspectiva de grandes inovações vindas dos militares é tão
distante quanto as suas principais realizações – como a primeira transmissão de
telégrafo no país, em 1851, na Escola Militar do Rio de Janeiro.
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