Por Rodrigo Sias*
A onipresença da CIA no imaginário popular e midiático
contrasta com a nunca citada interferência soviética, essa sim, enorme e
operativa, desde o início da Guerra Fria. Após a tomada comunista de Cuba, a
ilha caribenha passou a ser um hub de espionagem e financiamento de guerrilhas
no continente americano.
Hoje se sabe que havia vários agentes e espiões (soviéticos,
cubanos e até tchecos) operando em solo brasileiro e dentro da burocracia
estatal. Goulart foi informado, mas preferiu colaborar, inclusive devolvendo as
provas a Fidel Castro, sob pretexto de não criar um “incidente diplomático” com
o bloco comunista.
Antes e após o golpe, cubanos intervieram com envio de
armas, dinheiro e treinamento e os guerrilheiros brasileiros estavam inseridos
numa estratégia revolucionária internacional. Não eram jovens idealistas,
isolados e perseguidos por um regime opressor.
Um outro mito resultante da visão romântica dos
guerrilheiros é a ênfase dada a Operação Condor. No imaginário da esquerda, o
acordo costurado no início dos anos 70 entre os regimes militares do Cone Sul
significou uma enorme “orquestração imperialista” liderada pelos EUA, contra as
organizações “populares”.
No entanto, a aliança proposta pelo Chile consistiu apenas
em uma cooperação entre os serviços de inteligência e repressão dos regimes
militares da região para combater a guerrilha em seus respectivos países, feita
às pressas e com papel limitado.
Curiosamente, a ampliação metafórica do papel da Operação
Condor é seguida de um total descaso na averiguação das ações da Organização
Latino Americana de Solidariedade – Olas, entidade que coordenava as ações
violentas da esquerda radical no continente. Foi por perceber o alcance dessa
entidade, idealizada por Salvador Allende, que o governo Pinochet propôs a
aliança anticomunista entre os militares.
Outro grande mito é a “submissão” do Regime Militar aos EUA.
De fato, houve um alinhamento forte durante o governo de Castello Branco. No
entanto, em meados dos anos 70, o Brasil rompeu unilateralmente o acordo
militar com os EUA e iniciou uma diplomacia terceiro-mundista contrária aos
interesses americanos. Graças a essa mentalidade equivocada, nosso país foi o
primeiro a reconhecer o regime marxista angolano. Aliás, esse foi o grande
crime do governo militar: ter se aliado indiretamente a Cuba no apoio ao
comunismo em Angola, vitorioso numa guerra civil que vitimou milhares de
pessoas.
Outra mistificação comum é a caracterização do Regime de 64
como “fascista”. Um regime do tipo fascista, além do autoritarismo, conta com
um partido político único, forte militância, uma população ideologizada e um
líder carismático. No Brasil, ocorreu o contrário: rodízio de presidentes com
mandato definido, um congresso (com dois partidos) e judiciário funcionais –
embora “amarrados”-, complacência política da população (até a crise dos anos
80) e uma atuação ideológica fraca por parte do governo.
Por fim, apesar da propaganda, a volta à democracia foi
possível apesar da ação de guerrilheiros e não por conta dela. A democratização
foi viabilizada, de fato, por àqueles que combateram na legalidade.
Infelizmente, a mistificação não é exclusividade da
esquerda. Na semana que vem, apresento alguns mitos da direita sobre o período.
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*Rodrigo Sias é economista pelo Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Originalmente publicado em Brasil Econômico, nº 1151
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