Por Theodore Dalrymple*
Se a ideia da igualdade de oportunidades for realmente
levada a sério, então seus proponentes terão de alterar toda a estrutura humana
do planeta.
Há aquelas perguntas que são feitas com um genuíno espírito
investigativo, com o intuito de obter respostas e conhecimento. Mas há também
aquelas perguntas que são feitas com o claro propósito de intimidar, de irritar
ou de coagir o inquirido, com o intuito de fazê-lo concordar com um determinado
ponto de vista e, com isso, estabelecer a imaculada virtude das pessoas que
fazem a pergunta.
Recebi recentemente uma pergunta desse tipo via email. Quem
me enviou foi o The Lancet, um dos mais importantes jornais médicos do mundo.
Dirigindo-se a mim pelo meu primeiro nome (já o suficiente para me irritar),
perguntou: "Você se importa com a saúde do nosso planeta?"
Francamente, a resposta é não. Ao contrário de cachorros,
planetas não são o tipo de coisa pela qual consigo sentir afeição ou interesse.
Minha conta bancária ocupa na minha mente um espaço muito maior do que a saúde
do planeta. Aliás, nem sequer estou certo de que planetas podem ser saudáveis
ou doentios, assim como não estou muito certo de que eles podem ser sarcásticos
ou discretos. Rotular um planeta de saudável é incorrer naquilo que os
filósofos costumavam chamar de erro de categoria.
Isso, obviamente, não significa que deseje o mal à terra.
Pelo contrário. Se uma prova de múltipla escolha me for oferecida, é bem
provável que eu marque as respostas que desejem bem ao mundo, e não seu mal. Eu
responderia assim nem que fosse motivado pelo simples desejo de ser aprovado.
Mas há algo de hipócrita e de insincero nesse tipo de
pergunta. Como é bem típico de nossa era — em que a realidade virtual é mais
importante para a maioria das pessoas do que a própria realidade —, a simples
expressão de sentimentos altaneiros e benevolentes é hoje avaliada por muitos
como sendo a própria expressão da virtude. A pessoa mais virtuosa é aquela que
consegue expressar a mais abrangente benevolência recorrendo ao mais alto nível
de abstração. É isso que hoje em dia se passa por bondade e preocupação.
Senti-me impelido a responder ao editor do Lancet (mas sei
que ele não iria ler) dizendo que discordava de seu "planetismo"
discriminatório; que eu só passaria a me importar com a saúde do universo, ou
dos universos, se as especulações feitas pelos astrofísicos sobre a existência
de outros universos se comprovassem verdadeiras.
"Você se importa com a saúde do nosso planeta?" é
uma pergunta que, embora não esteja na mesma classe de "Você já parou de
bater na sua mulher?", está bem próxima. Como acabei descobrindo — ao ler
mais atentamente o email —, a saúde do planeta na verdade se referia à saúde
das pessoas deste planeta, acrescida de um pouco de misticismo sobre diversidade
biológica (o novo paganismo).
"Nosso objetivo é responder às ameaças que enfrentamos:
ameaças à saúde humana e ao bem-estar, ameaças à sustentabilidade de nossa
civilização, e ameaças aos sistemas naturais e humanos que nos sustentam".
Esse editor santarrão se autoconcedeu uma visão, embora a tenha expressado na
primeira pessoa do plural: "Nossa visão é a de um planeta que fomente e
sustente a diversidade da vida com a qual nós co-existimos e da qual nós
dependemos". Levantem as mãos,
portanto, todos aqueles pascácios que são a favor da máxima disseminação
possível das ameaças ao bem-estar da humanidade e da eliminação de todas as
formas de vida exceto a nossa.
Deve ser horrível levar uma vida tendo pensamentos tão
enfadonhos — e não apenas ocasionalmente, mas sim corriqueiramente, se não
constantemente — e se sentindo obrigado a expressá-los.
Mas estou divagando. Voltemos ao problema das perguntas
intimidadoras e coercivas, às quais se espera que respondamos. Dentre estas
perguntas, uma das mais onipresentes é aquela que emprega o slogan da nossa
era: "Você é contra a igualdade de oportunidades?"
Como todos já devem saber, quem se diz contra a noção de
igualdade de oportunidades é imediatamente classificado como sendo algum tipo
de reacionário monstruoso e ultramontano, um Metternich ou um Nicolau I, alguém
que quer, por meio de repressões, preservar o status quo no formol.
Sempre que profiro palestras, os membros mais jovens da
plateia quase desmaiam de horror quando digo que não apenas não acredito em igualdade
de oportunidades, como ainda considero tal ideia sinistra ao extremo, muito
pior do que a mera igualdade de resultados.
Atualmente, dizer a uma jovem plateia que igualdade de oportunidades é
uma ideia completamente maléfica e depravada é o equivalente a gritar
"Deus não existe e Maomé não foi seu profeta" a plenos pulmões em
Meca.
O problema é sempre o mesmo: os defensores de determinadas
ideias simplesmente não se dão ao trabalho intelectual de analisar as
consequências práticas de sua implantação. Se a ideia da igualdade de
oportunidades for realmente levada a sério, então seus proponentes terão de
alterar toda a estrutura humana do planeta.
Para começar, as pessoas não nascem iguais. Essa é a
premissa mais básica de toda a humanidade. As pessoas são intrinsecamente
distintas uma das outras. Algumas pessoas são naturalmente mais inteligentes
que outras. Algumas têm mais destrezas do que outras. Algumas têm mais aptidões
físicas do que outras.
Adicionalmente, mesmo que duas crianças nascessem com
exatamente o mesmo grau de preparo e inteligência (algo improvável), o próprio
ambiente familiar em que cada uma crescer será essencial na sua formação.
Algumas crianças nascem em famílias unidas e amorosas; outras nascem em
famílias desestruturadas, com pais alcoólatras, drogados ou divorciados. Há
crianças que nascem inteligentes e dotadas de várias aptidões naturais, e há
crianças que nascem com baixo QI. Toda a diferença já começa no berço e,
lamento informar, não há nenhum tipo de engenharia social que possa corrigir
isso.
As influências genética e familiar sobre o destino das
pessoas teriam de ser eliminadas à força, pois elas indubitavelmente afetam as
oportunidades e fazem com que elas sejam desiguais.
No cruel mundo atual, pessoas feias não podem ser modelos;
deformados não podem ser astros de futebol; retardados mentais não podem ser
astrofísicos; baixinhos não podem ser boxeadores pesos-pesados. Não creio ser
necessário prolongar a lista; qualquer um é capaz de pensar em milhares de
exemplos.
É claro que pode ser possível nivelar um pouco a disputa
criando leis que imponham a igualdade de resultado: por exemplo, insistindo que
pessoas feias sejam empregadas como modelo de acordo com a proporção de seu
predomínio na população. O novelista inglês L.P. Hartley, autor de The
Go-Between, satirizou esta invejosa supressão da beleza (e, por consequência,
todo e qualquer igualitarismo que não fosse restrito à igualdade perante a lei)
em uma novela chamada Justiça Facial. Neste livro, Hartley contempla uma
sociedade em que todos aspiram a uma face "mediana", gerada por
cirurgias plásticas que são feitas tanto nos anormalmente feios quanto nos
anormalmente belos. Somente desta
maneira pode a suposta injustiça da loteria genética ser corrigida.
Gracejos à parte, o mais curioso sobre essa questão da
desigualdade de oportunidades é que os arranjos políticos necessários para
reduzi-la ao máximo possível já existem na maioria dos países ocidentais. Há
saúde gratuita, há educação gratuita, há creches gratuitas, há escolas técnicas
gratuitas, e há programas gratuitos de curas de vícios. Ainda assim, todos
continuam infelizes ou descontentes. Consequentemente, continuamos atribuindo
nossa infelicidade à falta de igualdade de oportunidades simplesmente por medo
de olharmos para outras direções à procura de explicações verdadeiras,
inclusive para nós mesmos.
Políticos adoram idealizar a ideia de igualdade de oportunidade
exatamente porque se trata de algo impossível de ser alcançado plenamente —
exceto se forem implantados arranjos que fariam a Coréia do Norte parecer um
paraíso libertário. E justamente por ser impossível, a igualdade de
oportunidades se torna uma permanente garantia de emprego para esses políticos,
à medida que eles seguem prometendo a quadratura do círculo ou a criação do
moto-perpétuo. Tais promessas garantem a importância deles perante o
eleitorado. E conseguir importância é provavelmente a mais poderosa motivação
de todo político.
"Você é contra a igualdade de oportunidades?" Eu
sou. Sou plenamente a favor da oportunidade, mas totalmente contra a igualdade.
E não adianta tentar me oprimir com perguntas politicamente corretas e
maliciosamente formuladas.
E você, já parou de bater na sua mulher? Responda apenas sim
ou não.
Publicado no site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.
Fonte: Mídia Sem Máscara
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*Theodore Dalrymple (Anthony Daniels) é médico psiquiatra e
escritor. Aproveitando a experiência de anos de trabalho em países como o
Zimbábue e a Tanzânia, bem como na cidade de Birmingham, na Inglaterra, onde
trabalhou como médico em uma prisão, Dalrymple escreve sobre cultura, arte,
política, educação e medicina. Além de seu trabalho em medicina nos países já
citados, ele já viajou extensivamente pela África, Leste Europeu, América
Latina e outras regiões.
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