Por Luis Dufaur
Evaristo Eduardo de Miranda - Coordenador do GITE, EMBRAPA - Paulistano, agrônomo, tem mestrado e doutorado em ecologia
pela Universidade de Montpellier (França). Com centenas de trabalhos publicados
no Brasil e exterior, é autor de 35 livros. Pesquisador da Embrapa, ele já
implantou e dirigiu três centros nacionais de pesquisa. Atualmente, é o
coordenador do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica – GITE da EMBRAPA.
|
Em 25 anos, o Governo federalizou quase 35% do território
nacional destinando-o a unidades de conservação, terras indígenas, comunidades
quilombolas e assentamentos de reforma agrária.
Sem planejamento estratégico adequado, esse conjunto de
territórios resultou essencialmente da lógica e da pressão de diversos grupos
sociais e políticos, nacionais e internacionais.
Agora, o país está diante de um desafio de gestão
territorial, gerador de conflitos cada vez mais agudos, conforme mostram os
dados reunidos pelo Grupo de Inteligência Territorial Estratégica – GITE da
EMBRAPA (FIG. 1).
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, até outubro de 2013,
1098 unidades de conservação ocupavam 17% do Brasil.
Aqui, na maioria dos casos, as unidades de conservação
excluem a presença humana, enquanto na Europa, Ásia e Estados Unidos pode haver
agricultura, aldeias e diversas atividades nos parques nacionais, sem evocar a
ampla visitação turística (FIG. 2).
Nas unidades de conservação, a legislação ambiental
brasileira ainda define no seu entorno externo uma zona de amortecimento onde
as atividades agrícolas (e outras) são limitadas por determinações da gestão da
unidade de conservação (proibição de transgênicos, de pulverizar com aviação
agrícola etc.).
A largura dessa zona é variável. Estimativas por
geoprocessamento avaliam o seu alcance territorial entre 10 a 80 milhões de
hectares adicionais (1 a 9% do Brasil), dependendo da largura dessa faixa que
pode variar entre as unidades de conservação e mesmo ao longo do perímetro de
uma única unidade (FIG. 3).
Segundo a FUNAI, 584 terras indígenas ocupam aproximadamente
14% do território nacional. Reunidas, essas duas categorias de áreas
protegidas, eliminando-se as sobreposições, ocupam 247 milhões de hectares ou
29% do país (FIG. 4).
Com quase 30% de áreas protegidas (unidades de conservação e
terras indígenas), o Brasil é o campeão mundial da preservação (FIG. 5).
Segundo a International Union for Conservation of Nature
(IUCN), os 11 países com mais de dois milhões de quilômetros quadrados
existentes no mundo (China, EUA, Rússia etc.) dedicam 9% em média de seus
territórios às áreas protegidas (FIG. 6).
A atribuição de terras pelo Governo Federal não acaba por
aí.
Sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (INCRA) existem 9.128 assentamentos, de diversas naturezas e
estágios de implantação (FIG. 7).
Eles ocupam 88,1 milhões de hectares, ou seja, 10,2% do
Brasil ou 14,4% do que resta quando descontado o território já atribuído às
áreas protegidas.
Essa área equivale a quase o dobro da cultivada atualmente
em grãos no Brasil, responsável por cerca de 190 milhões de toneladas na última
safra.
Pelos dados do INCRA e da Secretaria de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial, as 268 áreas quilombolas decretadas ocupam cerca
de 2,6 milhões de hectares (FIG. 7). No conjunto mais de 290 milhões de
hectares, 34% do território nacional, estão atribuídos.
O mapa do Brasil com mais de 11.000 áreas atribuídas,
essencialmente pelo Governo Federal, impressiona e permite visualizar a
complexidade da situação atual (FIG. 8).
Esse mapa ilustra o tamanho do desafio de gestão territorial
e fundiária. Cada uma dessas unidades pede um tipo de gestão, avaliação e
monitoramento específicos e transparentes.
O Governo Federal continuará atribuindo-se mais e mais
extensões de terra que, na maioria dos casos, sairão do controle dos estados e
municípios.
Há Estados em que boa parte de seu território já foi
“federalizada” por decretos federais de atribuição de áreas que estarão por
muito tempo sob o controle de órgãos e instituições federais.
Além das áreas já atribuídas, existem milhares de
solicitações adicionais para criar ou ampliar mais unidades de conservação,
terras indígenas, assentamentos agrários e quilombolas. Cada vez mais, as novas
áreas reivindicadas já estão ocupadas pela agricultura e até por núcleos
urbanos.
Esse quadro complexo de ocupação e uso territorial
representa um enorme desafio de governança fundiária e envolve conflitos
graves, processos judiciais, impactos sociais e implicações econômicas
significativas.
Além das demandas adicionais desses grupos, minorias e movimentos
sociais, todos com sua lógica e legitimidade, há ainda a necessidade de
compatibilizar essa realidade territorial com crescimento das cidades, com a
destinação de locais para geração de energia, para implantação, passagem e
ampliação da logística, dos meios de transportes, dos sistemas de
abastecimento, armazenagem e mineração.
O país campeão da preservação territorial exige que os
agricultores assumam o ônus de preservar porções significativas no interior de
seus imóveis rurais, como reserva legal ou áreas de preservação permanente, num
crescendo que pode começar com 20% e chegar a 80% da área da propriedade na
Amazônia.
A repercussão do crescimento do preço da terra no custo dos
alimentos é apenas um dos reflexos dessa situação.
Como disse Maurício Lopes, presidente da Embrapa, em artigo
no Correio Brasiliense (8/6/2014), os pesquisadores brasileiros estão cientes
de que somente sistemas de gestão territorial estratégicos poderão garantir a
compreensão do potencial e dos limites da base de recursos naturais e dos
processos de uso e ocupação das terras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário