Teórico de pensamento heterodoxo que inspirou a escola
desenvolvimentista, ele teve seu auge durante a crise de 2008; para a
presidente Dilma, contudo, seu momento é agora
O economista que acredita no 'socialismo de mercado' tem
inspirado a presidente
(Levy Economics Institute of Bard College/VEJA)
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Recentemente, a coluna Radar, de VEJA, revelou que o
economista americano Hyman Minsky (1919-1996) tem rondado o pensamento da
presidente Dilma Rousseff. Segundo a nota, ela “tem usado muito a expressão
‘isso é Minsky’ sempre que faz um diagnóstico econômico ou justifica
determinada ação do governo na economia”. É bom saber o que vai pela cabeça de
quem manda. Mas esse conhecimento pode ser um pouco assustador – como por certo
é o caso na ligação entre Dilma e esse adepto inveterado do intervencionismo
estatal.
Durante a vida, Minsky, que foi orientando de Joseph
Schumpeter em Harvard, desfrutou de uma fama não mais do que moderada. Com a
crise de 2008, ele foi subitamente incensado, por causa de escritos que
pareciam proféticos em relação ao que estava acontecendo. Minsky formulou uma
certa Hipótese da Instabilidade Financeira, que assevera que a dinâmica interna
do capitalismo contemporâneo, no qual o sistema financeiro desempenha um papel
preponderante, implica necessariamente a alternância entre turbulência e
tranquilidade. Períodos prósperos trariam as sementes de seu próprio desmonte
por tornar irresponsáveis tanto aqueles que emprestam quanto aqueles que tomam
dinheiro emprestado. Necessário para o vigor do capitalismo, o sistema
financeiro tenderia por natureza ao excesso. Com o tempo, haveria o surgimento
de uma bolha especulativa, uma acumulação desgovernada de dívidas sem lastro –
até o momento em que a fragilidade de todo o edifício seria notada. Aí
ocorreria uma reversão brusca do ciclo econômico, aquilo que acabou sendo
batizado como “momento Minsky”.
Uma vez iniciado um cataclisma desse tipo, Minsky prescrevia
a adoção de remédios como estímulos fiscais e intervenções do Banco Central
como “emprestador de última instância”, que dessem algum alento à economia.
Insistia também na necessidade de regulamentação dos mercados financeiros. No
pós-crise, seu receituário foi debatido nas páginas do Wall Street Journal e da
Economist, bem como em relatórios do banco central americano, o Federal Reserve
– um deles assinado por Janet Yellen, atual presidente da instituição.
Mas, perguntava Minsky, como evitar que tudo recomece? Como
atacar a suposta doença central do capitalismo, o fato de que nele a
estabilidade é iminentemente desestabilizadora? Como diz o título de um de seus
últimos textos, o economista tinha “um programa positivo para um capitalismo
bem sucedido”. Que consistia, basicamente, em transformá-lo em uma forma de
socialismo.
Minsky afirmou certa vez que o pensamento teórico deveria
ser guiado por uma visão, por um “mapa da Utopia”. Ele nunca fez segredo de
aonde o seu mapa levava. Seus pais haviam se conhecido durante a celebração dos
100 anos de nascimento de Karl Marx, numa festa organizada pelo Partido
Socialista de Chicago. Ele mesmo se engajou muito cedo. E foi num seminário
organizado pelo partido, em 1939, que ele decidiu mudar o rumo de seus estudos
universitários da matemática para a economia. O palestrante era o polonês Oscar
Lange, que preconizava, justamente, a criação de uma espécie de socialismo de
mercado em que houvesse controle social e planificação do investimento, mas não
da produção de bens.
Em 1985, Minsky redigiu um ensaio autobiográfico no qual
apontou Lange como a maior influência no seu início de carreira, acrescentando
que seu programa de pesquisa, apesar de tanto tempo decorrido, ainda se
mantinha coerente com as ideias do velho mestre. Ou seja, o mapa da utopia
estava traçado desde sempre – ele apenas havia tornado os seus contornos mais
nítidos, recorrendo, sobretudo, às obras do inglês John Maynard Keynes, sobre
quem escreveu extensivamente e em quem também se amparou para defender um
projeto de sociedade em que o Estado fosse grande e “salvasse o capitalismo de
suas ineficiências”, tomando em sua mão visível, e pesada, as rédeas das
decisões de investimento.
Minsky reservava ainda outro papel ao Estado: o de
“empregador de última instância”. Sua
tese era que o governo deveria garantir o pleno emprego, pagando salário mínimo
a qualquer um que estivesse apto a trabalhar. A criação direta de postos de
trabalho deveria ter precedência, nas políticas públicas, quer sobre programas
de assistência social, quer sobre programas de treinamento e especialização dos
trabalhadores. A estratégia deveria ignorar o grau de qualificação do
desempregado. “Acolha-os do jeito que forem, e adeque os postos às suas
capacidades”, dizia Minsky. Essa é sua proposta mais extravagante, e até os
entusiastas hesitam em levá-la a sério. A primeira coletânea de seus escritos
sobre emprego foi lançada apenas no ano passado.
Como todo socialista, Minsky afirmava que suas preocupações
eram a eficiência econômica, a justiça social e a liberdade individual. Há quem
diga isso sem acreditar por um segundo nas próprias palavras. Minsky
aparentemente pertencia ao grupo mais honesto, mas não menos perigoso, daqueles
idealistas que acreditam que a equação socialista pode realmente ser benigna.
“O que importa não é se a propriedade é privada, mas que a sociedade seja
democrática e humana”, escreveu. Ele assistiu à derrocada da União Soviética e
analisou o fenômeno, mas nem por isso perdeu a fé. Em boa parte, porque seus
escritos nunca descem do plano da abstração econômica para estudar como, na
prática política, a centralização de poder num Estado hiperdimensionado e
dotado de poderes de planificação corrói o processo democrático.
No Brasil, o principal reduto de estudiosos de Minsky é a
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde a presidente Dilma fez seus
estudos em Ciências Econômicas. Ele se faz presente, em especial, na área de
Pós-Graduação em Economia Política, de onde saíram muitos dos economistas da
linha desenvolvimentista filiados ao PT — e onde lecionou Luciano Coutinho,
presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Coutinho é grande conhecedor da obra de Minsky no país, classificando-a como
“genial” em artigos redigidos quando era professor universitário. Dilma foi sua
aluna na pós-graduação e herdou dele a admiração pelo americano. Outro
economista oriundo da Unicamp que lecionou sobre o autor a uma classe que tinha
entre seus alunos a presidente foi Otaviano Canuto, atual consultor para os
assuntos dos Brics no Banco Mundial. Ele era diretor do Instituto de Economia e
professor da universidade quando Dilma cursou suas quatro disciplinas de doutorado,
entre 1992 e 1994. Mas ele não acredita que o interesse da presidente por
Minsky tenha surgido em suas aulas. "Dilma teve aulas sobre Minsky com
Coutinho, Luiz Gonzaga Belluzzo e Gilberto Tadeu Lima. Quando lecionei
macroeconomia para ela, já vinha formada", afirma.
Outros economistas que orbitam em torno do PT, além da turma
da Unicamp, leem com admiração as obras de Minsky. Há Márcio Pochmann, por
exemplo, ex-presidente do Ipea e atual chefe da Fundação Perseu Abramo, que tem
a função de subsidiar governos petistas com propostas de cunho
econômico-social. Ou Nelson Barbosa, ex-secretário Executivo do Ministério da
Fazenda e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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