Por Carlos I. S. Azambuja
José Dirceu, em setembro de 1988, cinicamente afirmou:
“Nunca fui foquista. Participei da luta armada, apoiei, achava que era
necessária, mas na verdade nunca acreditei nela como forma de luta” (página 110
do livro “Abaixo a Ditadura”, escrito por ele e por Vladimir Palmeira).
No capítulo “O Último Comboio” do livro “A Revolução
Impossível”, de autoria de Luis Mir, editado em 1994 pela Editora Best-Seller,
755 páginas, há as seguintes referências ao reeducando José Dirceu de Oliveira
e Silva, o kamarada “Daniel”, que hoje cumpre pena na Papuda e que,
anteriormente, foi militante do PCB,
depois da Ala Marighela, depois da Ação Libertadora Nacional, depois do
Movimento de Libertação Popular (Molipo, e hoje do Partido dos Trabalhadores.
Na página 613: “Se radicou em Cuba depois de sua saída da
prisão na lista dos 15 presos libertados em troca do embaixador
norte-americano. Amargou um veto logo na chegada quando pediu o ingresso no
treinamento militar e na ALN. O responsável pela organização em Havana,
Agostinho Fiordelísio, lhe disse que deveria se integrar ao processo com vagar
e não de imediato. Havia restrições de parte da ALN à sua figura desde seu
tempo como presidente da União Estadual de Estudantes de São Paulo e candidato
a presidente da União Nacional de Estudantes: carreirista e pouco confiável
politicamente. Era, o que se chamava na época, de um quadro adormecido, ou
seja, à espera do que fazer. Quando foi escolhido para a tarefa, estava
inscrito no treinamento militar em Pinar Del Río, num grupo de militantes de
várias organizações. É isolado para se dedicar exclusivamente a isso.
Apresentado por Alfredo Guevara ao ministro da Defesa Raúl Castro, durante uma
solenidade, os dois conversaram muito e marcaram um novo encontro. Começou a
relação política e militar entre os dois. José Dirceu teve o acesso franqueado
por Raúl Castro a documentos importantes sobre estratégia militar, informação e
contra-informação, segurança militar. Finalmente, faz um curso e se torna
especialista em questões militares. É essa especialização (e mais o treinamento
militar) que o torna habilitado, segundo os internacionalistas cubanos, a
viabilizar a entrada do contingente guerrilheiro que retomaria a luta. A
transformação em quadro político-militar no aparelho internacionalista cubano
surpreende a todos. Nos encontros políticos dos brasileiros, na capital cubana,
para discutir a realidade brasileira e a caminhada revolucionária, suas
opiniões eram vistas com desdém e as propostas que fazia, todas, eram invariavelmente
derrotadas”.
Na página 615, um depoimento do também banido, militante da
ALN, Agonalto Pacheco:
“O planejador do novo dispositivo político-militar dentro do
Brasil foi José Dirceu, que fez tudo sem a menor base na realidade e a partir
de Havana. A organização não tinha condições de receber ninguém, não havia a
menor segurança. Tentamos discutir isso com Piñero, Valdes, Herrera (obs:
respectivamente, chefe e membros da Inteligência cubana). Não pude falar com
Dirceu, que vivia isolado. Todos nós que participamos, cubanos e brasileiros,
temos que ter uma visão crítica desse processo, humildade revolucionária para
assumir nosso papel e nossos erros”.
Na página 617, prossegue Luis Mir:
“O Grupo dos 28” (obs: ou Grupo Primavera ou Molipo-Movimento
de Libertação Popular)“como ficou conhecido, eram 32. Destes, morreram 18
(...). Os sobreviventes são Itobi Alves Corrêa, que segundo Agostinho
Fiordelísio estava em pânico quando lhe pede para livrá-lo da viagem ao Brasil
(vai para o Chile e depois do golpe militar naquele país se radica em
Paris);Vinicius Medeiros Caldevilla, que se recusa a embarcar e consegue
permanecer em Cuba trabalhando na Rádio Havana; Luiz Araújo, que inicia a
viagem de regresso mas deserta em Argel; Ana Corbisier, que entrou no Brasil e
com o massacre que se dá, se refugia num convento de Freiras em Salvador,
Bahia, trabalhando numa revista católica e submergida na mais absoluta
clandestinidade por cinco anos; José Dirceu, que retornou para Cuba, onde
viveria longos anos trabalhando como quadro internacionalista para o governo
cubano; um camponês conhecido como Brechu e Natanael de Moura Giraldi”.
Na página 618:
“Agostinho Fiordelísio confirma que o grupo de estudantes
paulistas despertou nos dirigentes cubanos algo próximo da euforia: ‘O
contingente militar do PCB era, efetivamente, o melhor que a ALN tinha trazido
para Cuba. O esquema foi preparado por José Dirceu em menos de seis meses. O
planejamento: o grupo entraria no Brasil e começaria a agir imediatamente.
Resgataria os quadros que estavam detidos, se necessário com um grande
seqüestro e, com a unidade revolucionária consolidada, se iria para o campo’. O
Chile de Allende, o primeiro presidente socialista do continente, eleito em
setembro de 70, daria a retaguarda política do novo projeto (...)”.
Prossegue Luis Mir: “José Dirceu desembarca no Rio no final
de abril de 1971, no exato momento em que o fuzilamento de Marcio Leite Toledo
demole a estrutura da ALN” (obs: Marcio Leite Toledo, um quadro da ALN, cursado
em Cuba, foi “justiçado” na rua, em São Paulo, em 23 de março de 1971, por seus
companheiros). Aproveita a crise pessoal e política dos contrários à execução
para convencê-los de que uma retomada, com novos dirigentes e práticas, estava
em curso. Hiroaki Torigoi e Silvia Peroba Carneiro Pontes engajam-se na nova
travessia. A primeira tarefa encomendada por Dirceu: assaltar um cartório para
conseguirem certidões de nascimento e casamento para os militantes que estavam
voltando. O assalto, num cartório de Santo André, periferia de São Paulo, foi
bem sucedido. José Dirceu retorna a Cuba depois de diversas viagens pelo Brasil
para verificar o que sobrara depois da morte de Câmara Ferreira” (obs:
dirigente da ALN, morto em dezembro de 1970): “algumas poucas pessoas, aterrorizadas,
e um pequeno núcleo de dez militantes comandados por Carlos Eugênio”(Carlos
Eugênio Sarmento Coelho da Paz, um dos matadores de Marcio Leite Toledo, o
último dos comandantes da ALN, que logo depois, em dezembro de 1972, abandonou
seus comandados e viajou para Cuba, onde recebeu treinamento armado e, na hora
de voltar para o Brasil, desertou, indo viver em Paris até a Anistia),
“isolados e sem capacidade militar ou operacional. Apesar disso, seu relatório,
feito em Havana, é otimista: a entrada do grupo teria boas condições de
segurança. O momento em que os encarregados de reorganizar o movimento
revolucionário voltam ao Brasil era o pior possível, segundo Carlos Eugênio:
‘Vivíamos acesos 24 horas por dia. Não tínhamos tempo de pensar em nada mais que
não fosse a sobrevivência. Os militantes da ALN descobriram que havia uma nova
organização revolucionária durante o assalto à Ericsson. Numa ação conjunta do
GTA (Grupo Tático Armado) e do grupo Frente de Massas, dois grupos chegam quase
que simultaneamente. Todos velhos conhecidos. Os “outros” eram os
recém-chegados do Molipo”.
“Lídia Guerlanda rememora o espanto com os recém-chegados e
seus planos: ‘O Molipo chegou como se nada tivesse acontecido. Já tinha
acontecido, sim, a tragédia. Estávamos assaltando para comer, para
sobreviver’”.
“No Presídio Tiradentes, a criação do Molipo provoca reações
desencontradas e uma certeza sinistra: seria um grande massacre em curtíssimo
prazo (...) De fevereiro a julho de 1971, forma-se um corredor de entrada dos
militantes do Molipo através do Chile (...) Outro objetivo: o recrutamento de
novos quadros entre os quatro mil exilados brasileiros no Chile, um grande
celeiro de quadros (...) Em julho de 1971 Reinaldo Morano faz um balanço
estatístico de tempo de sobrevivência na clandestinidade: seis meses”.
Por tudo isso, pode ser dito que o kamarada “Daniel”, embora
tenha recebido treinamento armado em Pinar Del Rio e acesso a documentos
importantes sobre estratégia militar, informação, contra-informação e segurança
militar – facilitados por Raúl Castro -, o que, teoricamente, - contrariamente
ao julgamento de seus próprios companheiros - o transformou em um especialista
em questões militares, foi o grande responsável pela morte de todos os seus
companheiros do Molipo que, seguindo suas ordens, voltaram clandestinamente ao
Brasil.
Finalmente, (página 629) “Em 18 de agosto de 1971, viria à
luz, em Milão, redigido por Ricardo Zaratini e Rolando Frati, a segunda parte
do documento ‘Por uma Autocrítica Necessária’. Uma análise crítica devastadora
sobre a luta armada, guevarismo, debraysmo, guerrilha rural e a derrota. Esse
debate duraria cerca de dois anos, a partir de uma premissa básica: retornar ao
PCB ou formar um novo partido comunista”.
Muitos retornaram ao PCB e outros tantos, como o kamarada
“Daniel”, formaram – ou ajudaram a formar – um novo partido: o Partido dos
Trabalhadores.
Recordemos que quando de sua posse como ministro-chefe da
Casa Civil, José Dirceu depois de elogiar o ditador de Cuba, Fidel Castro,
agradeceu seu apoio nos anos 70, quando o comandante o abrigou. Dirceu dedicou
parte de seu pronunciamento para lembrar episódios da sua geração. Em tom
nostálgico, disse que suas primeiras palavras seriam para aqueles que lutaram
com ele e não puderam ver a posse de Lula.
No início de Abril de 2003, José Dirceu voltaria ao assunto,
declarando que a geração que chegou ao poder com o presidente Lula deve muito a
Cuba. Lembrou que nos anos do regime militar a esquerda teve a solidariedade de
Cuba com “sua mão amiga e seu braço forte”. “A geração que chegou ao poder com
Lula é devedora de Cuba. E me considero um brasileiro-cubano e um
cubano-brasileiro”.
Fonte: Alerta Total
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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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