Por Luiz Claudio Cunha - Diário do Poder
General proíbe colaboração do exército para apurar crimes da ditadura
Dilma precisa decidir o que fazer com a CNV, após o
comandante do Exército dificultar o acesso a
documentos da repressão
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A presidente Dilma Rousseff acordou estarrecida nesta
sexta-feira, 22, como qualquer brasileiro que se respeita. E diante de um dilema inadiável, indelegável,
inquestionável:
Ou Dilma demite o Comandante do Exército ou Dilma extingue a
Comissão Nacional da Verdade (CNV).
O ofício cala-boca do Comandante do Exército…
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Não há mais clima de convivência possível entre o general
Enzo Peri, chefe do Exército, e os seis comissários da CNV, diante da espantosa
manchete de hoje do jornal O Globo: “Anos de chumbo: comandante impõe silêncio
ao Exército.”
O repórter Chico Otávio recebeu do procurador Sérgio Suiama,
da Procuradoria da República do Rio de Janeiro, um inacreditável ofício enviado
em 25 de fevereiro passado aos quartéis de todo o País pelo comandante do Exército,
general Enzo Peri, proibindo qualquer colaboração para apurar crimes da
ditadura que derrubou o presidente João Goulart. O general Peri chega ao
requinte de mandar um modelo de ofício, em branco, instruindo cada quartel a
rebater pedidos do Procurador-Geral da República para o seu gabinete em
Brasília, no quarto andar do Bloco A do QG do Exército (veja cópia abaixo].
O cala-boca nacional do general Peri abrange qualquer pedido
ou requisição de documentos feitos pelo “Poder Executivo (federal, estadual e
municipal), Poder Legislativo (federal, estadual e municipal), Ministério
Público, Defensoria Pública e missivistas que tenham relação ao período de 1964
a 1985”). Só quem pode responder a tudo
isso, esclarece o ofício, é o Gabinete do Comandante do Exército, ou seja, o
próprio general Peri, erigido agora com uma autoridade que transborda todas as
esferas de poder.
É útil lembrar que os desmandos e abusos cometidos entre
1964 e 1985 constituem o foco principal da investigação da CNV, que apresentará
ao País em dezembro próximo o seu relatório final.
A solução do impasse agora revelado cabe exclusivamente à
Suprema-Comandante das Forças Armadas (FFAA), a quem o general se subordina nos
termos da Constituição, e à Presidente da República, que criou a CNV em 2011 e
a instalou no ano seguinte justamente para apurar graves violações dos direitos
humanos no País. Dilma acumula as duas funções e a dupla responsabilidade.
Cabe a ela, e a mais ninguém, repor a autoridade de seu
comando e o prestígio de seu cargo. Se nada fizer, Dilma perderá ambos — a
autoridade e o prestígio. Tudo isso em meio a uma brava campanha eleitoral, que
não permite hesitações ou fraquezas. À esquerda ou à direita.
É útil lembrar que o ofício do general Peri foi remetido a
todas OM (organizações militares) e com difusão para todos os Comandantes de OM
e Estado-Maior, ou seja, todos os 108 generais da tropa – os 14 generais de
Exército, os 32 generais de Divisão e os 62 generais de Brigada que integram a
maior e mais poderosa força militar terrestre da América Latina, com 220 mil
homens e a maior concentração de blindados do continente, com 2.000 tanques,
500 deles pesados.
…e o modelo de resposta-padrão para não dizer nada e desviar
tudo para o QG do Exército.
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Existe aqui uma clara confrontação da estrela máxima da
República, a da presidente Dilma, com o
firmamento das 276 estrelas que comandam a tropa — 14 generais de exército
(quatro estrelas), 32 de divisão (três estrelas) e 62 de brigada (duas
estrelas). A estrela maior deve brilhar sobre todas as outras, nos termos da
Constituição e da hierarquia militar, ou então se apaga irremediavelmente.
O grave tom de insubordinação do general Peri se constata
pela data em que enviou o ofício cala-boca a seus subordinados de todo o País:
25 de fevereiro de 2014, exatamente uma semana após a entrega pela CNV de seu
relatório ao ministro Celso Amorim pedindo informações às Forças Armadas.
Quatro meses depois a CNV recebeu um insolente, imprestável conjunto de 455
páginas de relatórios das FFAA que não investigam, não relatam e não respondem
às perguntas objetivas e documentadas da Comissão da Verdade.
O relatório minucioso da Comissão da Verdade relacionava,
com nomes e datas, graves violações aos direitos humanos nos sete endereços
mais notórios da repressão coordenada pelos militares, situados no Rio de
Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco. São cinco quartéis do Exército —
incluindo os DO-CODI do Rio e São Paulo, os endereços mais letais da repressão,
onde morreram pelo menos 81 pessoas, segundo levantamento da CNV —, uma base da
Marinha e outra da Aeronáutica, com os nomes, sobrenomes, datas, depoimentos e
horrores sobre nove casos de mortes sob tortura e de outros 17 presos políticos
torturados. O relatório do Exército de Peri tinha 42 páginas e, como constatou
o procurador Suiama, cobria uma encenação.
O Exército, descobriu o procurador, fingiu que trabalhou
durante quatro meses para atender ao pedido da CNV, mas uma semana após a
solicitação já cumpria uma determinação exatamente oposta de seu comandante em
chefe, o general Enzo Peri.
O dúplice comportamento do comandante da corporação, de um
lado chefiando uma investigação e de outro lado impondo o silêncio aos
quartéis, lança um manto de dúvida sobre o objetivo real do Exército. Na
prática, o ofício cala-boca de Peri submete a CNV à zombaria pública de
militares insubmissos e de generais refratários ao interesse nacional, à
hierarquia e à verdade, escancarando um deboche corporativo que tripudia sobre
a inteligência dos cidadãos e a própria democracia.
O documento da Procuradoria da República revelado pelo O
Globo lança uma suspeita terrível sobre o Exército: a CNV foi vítima inocente
de uma fraude, de uma farsa? Como o Exército poderia produzir um relatório
consistente e crível diante de uma ordem de silêncio imposta por seu
comandante?
O Brasil não pode mais conviver com esta grave contradição.
Ou o Exército leva a sério a missão institucional da
Comissão da Verdade, ou não.
Instalação da Comissão da Verdade, em maio de 2012: é mesmo
Dilma a chefe suprema?
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O general Peri não está zombando apenas da CNV.
Está achincalhando a autoridade da comandante-suprema, a
presidente da República.
O Brasil deve agora se perguntar: o que fará a CNV?
O que fará o Ministro Celso Amorim?
O que fará a presidente Dilma Rousseff?
Se ninguém fizer nada, já, agora, de forma clara, decisiva,
contundente, todos se desmoralizam perante o País e os brasileiros.
Os comissários da CNV precisam dar ao país uma resposta
urgente, clara, digna, altiva.
O ministro Amorim precisa explicar ao país que confusão é
esta. A quem ele presta contas: à presidente Dilma, que criou uma CNV para
apurar, ou ao seu subordinado, o general Peri, que impôs o silêncio sobre a
tropa?
A presidente Dilma precisa esclarecer ao país quem manda no
Governo Federal.
É Dilma, chefe suprema do Executivo, ou é o comandante do
Exército?
O Exército, que sonegou em seu relatório a constatação de
que a guerrilheira Dilma é uma das torturadas no DOI-CODI da rua Tutoia onde o
Exército jura não ter havido tortura, precisa explicar agora que confusão essa.
Quem manda, afinal: Dilma ou Peri? A presidente ou o
general?
Os atuais comandantes, se não a compostura, perderam o prazo
de validade.
Os três comandantes das FFAA — o general Peri, o brigadeiro
Saito e o almirante Moura Neto — são gente do bem, fichas limpas em relação à
repressão e aos abusos da ditadura. Nada têm a ver com elas, como o esmagador
conjunto de seus 330 mil companheiros de farda no Exército, na Aeronáutica e na
Marinha. Todos os três chegaram ao generalato, por nomeação do presidente
Fernando Henrique Cardoso, apenas em 1995, quando a ditadura já era defunta há
uma década.
São boa gente, mas atuam e agem como comandantes fracos e
acomodados.
Estão em seus cargos desde 2007, como herança gelatinosa de
Lula para a Dilma. Estão, portanto, há sete anos no cargo, mais do que o
mandato de um presidente, quase o mandato de dois presidentes…
O DIÁRIO DO PODER contou que, na terça-feira, logo após ler
o estarrecedor relato da jornalista Miriam Leitão sobre as torturas sofridas
durante três num quartel do Exército em Vila Velha, ES, a partir de dezembro de
1972, o senador Cristovam Buarque mandou por fax um bilhete ao ministro Celso
Amorim, fortalecendo o pedido de desculpas das FFAA à jornalista torturada.
“Nenhum soldado de hoje pode ser acusado de responsabilidade por fatos do
passado, mas serão responsabilizados por esconderem os fatos, o que também macula
a História, ferida por escondida. O silêncio é uma conivência e cumplicidade”,
ensinou Buarque.
Amorim ligou de volta, na manhã de quarta-feira, 20,
dizendo-se também ‘impactado’ pelo depoimento de Míriam Leitão. E completou com
uma frase enigmática: “Eu sei das coisas que precisam ser ditas, mas tenho
algumas limitações…”.
As únicas duas limitações que Amorim tem para cima são o
vice-presidente Michel Temer e a presidente Dilma Rousseff. Se um ou outro
estão limitando o Ministro da Defesa são passíveis de crime de prevaricação.
As limitações que Amorim tem para baixo só podem ser os 108
oficiais que compõem sua tropa de generais. Se algum deles está limitando o
Ministro da Defesa são passíveis do crime de insubordinação.
Amorim está obrigado a esclarecer quem limita suas ações na
pasta da Defesa.
A presidente da República, chefe de Amorim e comandante do
general Peri, está obrigada a procurar esta resposta.
Nenhuma eleição, nenhuma conveniência eleitoral justifica
agora o silêncio, a omissão, a covardia, a inércia da Dilma.
Não se investiga o passado em cima do silêncio.
Não se constrói um país em cima do medo.
Não se consolida a democracia em cima da mentira.
A presidente Dilma precisa escolher entre o general Peri e a
Comissão da Verdade.
Os dois não podem mais conviver no Estado Democrático de
Direito.
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