Por Jeffrey Nyquist
Wotan, o incansável errante, o agitador, que ora aqui ora ali
provoca a disputa ou exerce efeitos mágicos, foi transformado pelo cristianismo
no demônio, só aparecendo como fogo fátuo em noites de tormenta ou como caçador
fantasmagórico acompanhado de sua comitiva nas tradições locais cuja tendência
era o desaparecimento. Sem dúvida alguma, o papel do errante sem trégua foi
desempenhado, na Idade Média, pela figura então surgida de Ahasverus que não
constitui uma lenda judaica e sim cristã, ou seja, o motivo do errante não
incorporado por Cristo precisou ser projetado para os judeus, da mesma maneira
que encontramos, nos outros, conteúdos que se tornaram inconscientes para nós.
Em todo caso, a coincidência entre o anti-semitismo e o redespertar de Wotan é
uma jinesse psicológica que deve ser mencionada...
Carl Jung, “Wotan” em Aspectos do drama contemporâneo
Desde a Segunda Guerra Mundial, o nome de Hitler tem sido um
sinônimo de mal no Ocidente. Por ventura, ele acabou por ter o mesmo destino de
Wotan conforme descrito por Jung acima. Com efeito, ele foi transformado em um
demônio político durante uma era secular em que todos os conceitos religiosos
foram suprimidos para darem lugar aos seculares. E Hitler foi o líder do
movimento Nacional Socialista na Alemanha. E como Hitler foi um nacionalista, a
partir de então passou a ser obsceno ser nacionalista. Simultaneamente, as
referências ao socialismo de Hitler foram tipicamente silenciadas, isto é, a
menos que um socialista queira dizer que a política econômica de Hitler (o
próprio socialismo) salvou a economia alemã (que é o elogio que nos é permitido
fazer a Hitler).
Ao usar a imagem de Hitler nos últimos 70 anos, fizemos um
joguete com nós mesmos. Na educação de todos os cidadãos, inculcamos a seguinte
visão acerca do genocídio: os genocídios organizados pelos comunistas devem ser
mencionados na mídia com menos frequência do que os de Hitler. Embora os
ditadores comunistas tenham matado dezenas de milhões a mais que Hitler,
devemos pensar apenas em Hitler quando o assunto em discussão for assassinatos
em massa. Quando Mao matou entre 50 e 60 milhões de chineses, ou quando Stálin
matou 11 milhões de ucranianos, nós comumente evitamos o termo “genocídio” ou
holocausto para descrever os crimes comunistas. Não queremos colocar em
circulação palavras-chave que possam associar na mente das pessoas o marxismo
ao assassinato em massa. Reservamos para Hitler os assassinatos em massa, para
que a perversidade dele possa ser mais bem lembrada. Um exemplo disso: quantas
pessoas chegaram a conhecer o termo “holodomor”? Essa é uma palavra ucraniana
que significa o assassinato em massa que usa como arma a fome; essa ‘arma’ foi
usada pelo governo de Stálin no começo dos anos 1930 e matou mais ucranianos do
que Hitler matou judeus.
Em muitas das universidades hoje, aqueles que favorecem o
comunismo tentam retratar Hitler como um mero copiador dos colonizadores que
mataram índios e escravizaram africanos no século XIX. Do ponto de vista
socialista, é importante que a palavra-chave ‘atrocidade’ associada a Hitler
seja aplicada ainda mais fortemente aos países ocidentais do que aos países
comunistas. Assim, nos textos dos livros de história atuais, as chamadas
Guerras Indígenas nos Estados Unidos são descritas como “holocausto” ou
“genocídio”. (Veja American Holocaust ou Sexual Violence and American Indian
Genocide de David E. Stannard.) É muito importante que os crimes dos Estados
Unidos pesem muito mais do que os outros crimes na história, até mais do que os
crimes de Hitler. Um site marxista-leninista, o EspressoStalinist.com, diz que entre
95 e 114 milhões de americanos nativos foram assassinados por europeus desde os
tempos de Colombo. Nos últimos tempos esses valores têm sido mais
frequentemente repetidos, e é bem mais provável que eles sejam ensinados do que
as velhas estimativas. O site supracitado também cita o biógrafo de Hitler,
John Toland:
O conceito de campos de concentração, assim como a
viabilização do genocídio, devem muito, diz ele, aos estudos da história
inglesa e americana. Ele admirava os campos de prisioneiros bôeres na África do
Sul e de índios no faroeste. Frequentemente ele louvava perante seus amigos
próximos a eficiência que os americanos tinham no extermínio [...] dos
selvagens de pele vermelha que não podiam ser domesticados pela prisão.
Sendo assim, ao cometer o holocausto, Hitler estava apenas
mimetizando a política governamental americana que fora usada contra os índios.
Nesse revisionismo histórico, o genocídio torna-se uma mácula especial na
sociedade capitalista branca e na cristandade. Neste caso, passa-se um
julgamento moral que condena a civilização ocidental, pois se a Alemanha
nazista teve de ser destruída por suas atrocidades genocidas, então a América
também tem de pagar o derradeiro preço.
Se uma nação se convence da sua própria e especial
perversidade, como ela se defenderá? As pessoas normalmente não lutam e morrem
por aquilo que acreditam ser errado. E se a perversidade americana é como a de
Hitler, que direito tem a América de existir? Quanto a fronteira de um país
assim, dificilmente pode se usar o nome ‘fronteira’ para ela. Certamente, tal
fronteira é uma injustiça que deve cessar de existir. A ideia de um Estados
Unidos como um país de origem europeia que se inspirou nos modelos políticos da
Grécia e de Roma serve antes de qualquer coisa para culpar todos de racismo
endêmico e indignidade.
Se o pano de fundo europeu da América é repreensível e
racista, então o país deve lutar para se tornar “marrom”. Ele deve rejeitar a
Europa e adotar incondicionalmente qualquer outra coisa. Todas as tribos,
religiões e etnias precisam ser convidadas a viver na América, pois apenas
assim a perversidade do colonialismo europeu pode ser expurgada. Apenas assim a
mácula do racismo pode ser eliminada. Essa é a lógica de hoje que busca trocar
a América por uma entidade multicultural. Aqui o socialismo está destinado a
substituir o capitalismo. De agora em diante, não pode haver qualquer “cultura
americana” ou qualquer identidade “americana”. De agora em diante, há apenas as
tribos da Terra vivendo sob o jugo igualitarista.
A respeito da imagem de Hitler na desintegração do Ocidente,
vemos o mesmo processo acontecer na Europa. Lá o muçulmano entra na Europa e ao
europeu não é permitido uma palavra para se defender. A Europa deve se curvar a
Alá e à sua religião. A Europa tem de se curvar à África e à Ásia. Não se
discute se a Europa é para os europeus, pois isso sugeriria hitlerismo. Agora é
a vez da Europa ser colonizada. Se Hitler foi um perverso racista, então as
forças coloniais são más e racistas. Se Hitler não tinha direito de existir,
então a própria Europa não tem direito de existir. O triunfo do liberalismo
sobre Hitler determinou isso, e nós seguimos isso, pois não queremos estar do
lado errado da história. Não obstante, lembro do aviso de Nietzsche, que
deveria ser citado mais frequentemente:
Para toda espécie de homem que permanece vigorosa e próxima
à natureza, o amor e o ódio, a gratidão e a vingança, a bondade e a cólera, o
fazer e o não-fazer são inseparáveis.
É-se bom com a condição de que também se saiba ser mau; é-se mau porque
de outra forma não se poderia ser bom. De onde, portanto, provém esse estado
doentio, essa ideologia contra a natureza, que nega esse caráter duplo, — que
ensina como virtude suprema possuir somente um semivalor? [Vontade de Poder]
O liberalismo moderno definiu o que é bom, e definiu de tal
maneira que tornou-se inegável essa definição às próprias coisas boas. Nossa
própria história desde 1945 é a história da crescente paralisia estratégica.
Primeiro devemos bombardear uma ponte. Depois temos de empreender uma guerra
sem buscar a vitória. Depois não podemos dar o nome do nosso inimigo. Depois
devemos dar exemplo aos outros deixando de lado nosso arsenal nuclear. Agora descobrimos
que o guerreiro, que é homem, não tem permissão para ser um varão. Apenas a uma
mulher é permitido ser viril. Vimos por aí que certos princípios universais
substituíram o instinto humano — mas apenas no Ocidente (e em nenhum outro
lugar). Também vimos que esses princípios podem ser auto-destrutivos ou
auto-aniquilantes. E assim podemos afirmar que, em um grau mais profundo,
aquilo que James Burnham afirmou sobre o liberalismo ter sido a ideologia do
suicídio ocidental.
O que é um homem, pergunta Nietzsche, sem suas
possibilidades de defesa e ataque? Ele é uma nulidade. A despeito de a nossa
civilização ter funcionado por muito tempo com um conceito unilateral de
bondade, hoje temos um falso ideal acerca daquilo que é “bom” que acaba por
ditar uma política unilateral de desarmamento, uma tentativa de conciliação com
inimigos mortais e a anulação da fronteira dos EUA. Os que se opõem a esse
“suicídio do Ocidente” são chamados de racista e islamofóbicos. Comparam eles a
Hitler. Eis um exemplo de adoção de um idealismo que faz com que “o homem
ampute os instintos que possibilitam a ele ser um inimigo, a ser nocivo, a ter
raiva e a insistir na vingança”, disse Nietzsche. “Esse método de atribuição de
valores acredita-se ser “idealista”; nunca se duvida que no seu conceito de
‘homem bom’ encontra-se o seu mais alto desejo”.
Vemos evidentemente que a imagem de Hitler na desintegração
do Ocidente não é a origem do nosso problema. Essa imagem é apenas mais uma
arma psicológica forjada pelo liberalismo moderno, que se tornou vítima de um
velhíssimo e falso sistema de valoração que Nietzsche criticou em 1888. Esse
falso sistema de valoração foi mencionado por Carl Jung em seu livro Aion:
Estudos do Simbolismo do Si-mesmo. Jung disse que a única maneira de livrarmo-nos
do nosso dilema é “uma nova assimilação do mito tradicional”. Neste caso, o
homem instintivo pode ser reconciliado com o homem racional (ou liberal). Não
obstante, a assimilação do mito pressupõe, segundo Jung, “a continuidade do
desenvolvimento histórico”. Jung tinha suas dúvidas acerca dessa possibilidade,
e escreveu que “naturalmente, a tendência atual em destruir todo tipo de
tradição... poderia interromper o processo normal de desenvolvimento por
centenas de anos e poderia colocar em seu lugar a barbárie”. Logo adiante ele
diz que “onde quer que prevaleça a utopia marxista, isso já aconteceu”. Por
acaso não tem prevalecido na América a utopia marxista? Pois o que mais seria o
estado de bem-estar social? O que seria então o Obamacare? E o sistema
progressivo de impostos? E esse politicamente correto que impera em nossas
universidades e escolas? Em que outro lugar essa pandemia de neuroses chegou a
esse ponto? Certamente não na Rússia ou na China.
Ideias que causam confusão se espalharam como uma doença
fatal por todo o meio político. O senso comum não é mais comum. A autoridade
foi atenuada e as estruturas hierárquicas estão entrando em colapso. O processo
avança desenfreadamente, pois a própria doença se apresenta como a cura. Sendo
assim, toda cura passa a ser, por sua vez, considerada mais uma forma de
doença. Os infectados são considerados os mais nobres e mais avançados em
pensamento do que os que não são. A neurose passou a ser cada vez mais aguda,
de modo que passou a ser o prenúncio de um colapso ainda maior, dado que as
coisas não podem continuar assim para sempre. Alguma coisa tem de ceder. O que
isso implica foi sugerido por Jung na seguinte passagem:
O grande Plano segundo o qual é construída a vida
inconsciente da alma é tão inacessível à nossa compreensão que nunca podemos
saber que mal é necessário para que se produza um bem por enantiodromia, e qual
o bem que pode levar em direção ao mal. [“A fenomenologia do espírito no conto
de fadas” em Os arquétipos e ο inconsciente coletivo]
Outro quebra-cabeças, outro paradoxo. A imagem de Hitler
como o santo patrono dos perversos une a ideia de força com a ideia de mal,
fazendo com que assim a fraqueza possa ser o único tipo admissível de bem.
Apenas os fracos não oferecem perigo e, portanto, são aceitáveis. Assim, para
que possamos justificar nossa existência, precisamos agora enfraquecermo-nos.
Precisamos abandonar nosso bem-estar. Devemos abdicar das armas. Devemos pedir
desculpa pelo sucesso. Devemos abrir nossas fronteiras. Devemos curvarmo-nos a
Alá.
Eis um celeiro de grande perversidade, pois o que de bom
acaba sendo produzido no final das contas? Nietzsche alerta que “Talvez não
tenha existido, até o presente, ideologia mais perigosa, maior desatino in
psychologicis que essa vontade do bem: fizeram desenvolver o tipo mais
repugnante, o homem que não é livre...”. Mais adiante ele se pergunta “que
adianta esforçar-se em declarar que a luta é má... Apesar de tudo se guerreia!
não se pode fazer de outra maneira!”
O pacifista não pode forçar o seu pacifismo e, portanto, é
uma nulidade. A própria benevolência se tornou uma nulidade, pois perdeu sua
energia. Pergunte a si mesmo: Por que é obsceno agir em interesse próprio? por
que devemos agir apenas em prol do interesse da maior nulidade de todas —
humanidade? Quem exatamente é a humanidade? Como explicou Kierkegaard, o
público é um monstruoso nada; e o que é “o público” senão a humanidade? Eis o
perigo que circunda todo esse negócio de ideais universais. Eles são
monstruosos nadas e nós, ao acreditarmos neles, nos anulamos.
Com tudo a nossa volta se desintegrando e a imagem de Hitler
sobreposta no todo, nossa culpa coletiva nos engole. Passamos a ser subitamente
incapazes de defender nossa civilização. Por que votamos em Obama? Por que
aceitamos a negação da América em nome do estandarte do multiculturalismo? Por
que nos tornamos co-conspiradores na ascensão do islã, na supremacia econômica
da China, na sovietização das nossas escolas públicas, na socialização do
sistema de saúde e no descuido do nosso arsenal nuclear?
Joseph Schumpeter uma vez escreveu que o liberalismo não
poderia existir sem um apoio ‘iliberal’. Pois bem, removemos todos os apoios
iliberais apenas para constatar que o próprio liberalismo não se sustenta.
Assaltados pelo comunismo, pelo nazismo, e agora pela Quarta Teoria Política,
temos de cortar todos os recursos iliberais no curso da batalha contra o
super-iliberalismo (i.e. o totalitarismo). Será que Deus agora prepara uma
enantiodromia (como diz Jung) em que o Oriente se torna Ocidente e o Ocidente
se torna Oriente? Poderia haver, no meio da revolução ucraniana, uma renovação
que liberte tanto o Ocidente quanto o Oriente? Ou estamos destinados a
experimentar outra guerra catastrófica na própria imagem de Hitler?
(Tradução: Leonildo Trombela Junior)
Fonte: Mídia Sem Máscara
Nenhum comentário:
Postar um comentário