Por J. R. GUZZO
Pode ser uma coisa que muita gente acha desagradável ouvir,
e por isso é melhor dizer logo, para não gastar o tempo do leitor com prosa sem
recheio. E o seguinte: os brasileiros fariam um grande favor a si mesmos se
tomassem a decisão de ficar, com o máximo de clareza e na frente de todo mundo,
a favor da polícia. Isso mesmo: a favor da polícia, e da ideia de que cabe
exclusivamente a ela numa democracia que queira continuar viva, o direito de usar
a força bruta para manter a ordem, cumprir a lei e proteger o cidadão. Tem
também, a obrigação legal de fazer tudo isso. Algum problema? É exatamente
assim em todos os regimes democráticos. Eis aí, na verdade, uma afirmação
evidente em si mesma; pode ser entendida sem a menor dificuldade após um minuto
de reflexão. Mas estamos no Brasil, e no Brasil o que parece ser um círculo,
por exemplo, é muitas vezes considerado um triângulo, ou um quadrado, ou
qualquer outra coisa que não seja o diabo do círculo.
No momento, justamente, passamos por um desses surtos de
tumulto mental. Segundo o entendimento de boa parte daquilo que se considera o
"Brasil pensante", "civilizado" ou "moderno",
nosso grande problema não é o crime, mas a polícia. Parece bem esquisito pensar
uma coisa dessas, num país com mais de 50 000 assassinatos por ano e índices de
criminalidade que estão entre os piores do mundo. Onde esses pensadores estão
vendo o problema de que tanto falam? Vai saber. Os verdadeiros mistérios desse
mundo não são as coisas invisíveis, e sim as que se podem ver muito bem. No
caso, o que se pode ver com a clareza do meio-dia é a fé automática de boas
almas e mentes num mandamento que ouvem desde crianças: o criminoso brasileiro
é sempre "vítima das desigualdades sociais", e o policial está
errado, por princípio, quando usa a força contra ele. Seu dever, como agente do
Estado, seria tratar os bandidos como cidadãos que precisam de ajuda, para que
tenham oportunidade de entender por que não deveriam matar, roubar, estuprar e
assim por diante. Será que esse jeito de pensar é alguma tara que nos sobrou do
regime militar, quando polícia e liberdade eram coisas opostas? De novo: não se
sabe.
Praticamente todos os dias há exemplos claros desse
curto-circuito geral na capacidade de separar o certo do errado. O cidadão é
assaltado, brutalizado, ferido — e no dia seguinte lê, ouve ou vê mais uma
reportagem denunciando a polícia por algum erro, real ou imaginário. Ainda há
pouco, o país teve oportunidade de testemunhar políticos, intelectuais e
"celebridades" em geral, com a colaboração maciça da mídia, colocando
a polícia no banco dos réus por reprimir bandos de marginais que vão para a rua
decididos, treinados e equipados para destruir. Segundo essas excelentes
cabeças, a polícia cria um "clima de violência" e de
"provocação" que "força os ativistas" a se defenderem
"previamente". Para isso, veem-se obrigados a incendiar bancas de
jornal, destruir carros, quebrar vitrines de loja e por aí afora. Esse tipo de
julgamento vai se tornando mais e mais aceitável no Brasil de hoje. Deve ser
maior do que se pensa o número de pessoas que não querem ter a tranqüilidade de
sua fé perturbada por fatos ou por conhecimentos: além disso, cabeças em que
não há ideias são sempre as mais resistentes a deixar alguma ideia entrar
nelas. Quanto à imprensa, rádio e TV, acreditem: o que mais gostam de fazer é
falar as mesmas coisas, pois se sentem mais seguros quando um repete o outro e
todos atiram nos mesmos alvos. Alguém já viu, por exemplo, algum jornalista
arrasando o técnico do Olaria?
Não há sete lados nesse debate. Só há dois. um que está a
favor da lei e o outro que está contra — e aí o cidadão precisa dizer qual dos
dois ele realmente apoia. O primeiro é a polícia. O segundo é o que leva o
crime para a rua. A única pergunta relevante, num país que tem uma Constituição
em vigor, é: de que lado você está? Não vale dizer "depende", ou
declarar-se a favor da ordem, desde que a tropa se comporte com altos níveis de
civilidade, seja muito bem-educada, fale inglês e não bata nunca em ninguém,
nem cause nenhum incômodo físico a quem esteja jogando coquetéis molotov na sua
cara, ou sacando armas contra ela. A questão real é apoiar hoje a polícia
brasileira que existe hoje — não dá para chamar a polícia da Dinamarca, por
exemplo, para substituir a nossa, ou tirar a PM da rua e só chamá-la de volta
daqui a alguns anos, quando estiver suficientemente treinada, preparada e
capacitada a ser infalível. É mais do que sabido que a polícia do Brasil tem
todos os vícios registrados no dicionário, de A a Z. Mas, da mesma maneira como
não é possível fechar todos os hospitais públicos que funcionam mal. e só
reabri-los quando forem uma maravilha, temos de conviver com a realidade que
está aí. É indispensável transformá-la, mas não dá para exigir, já, uma
corporação armada que precise ter virtudes superiores às nossas.
A polícia, por piores que sejam as condutas individuais dos
seus agentes e seus níveis de competência, é uma peça essencial para manter a
democracia no Brasil e impedir a tirania daqueles que só admitem as próprias
razões. É a polícia, na verdade, o que a população brasileira tem hoje de mais
concreto na garantia de seus direitos. Alguém pode citar alguma força mais
eficaz para impedir que o Congresso, o STF e o próprio Palácio do Planalto
sejam invadidos, metidos a saque e incendiados? A PM está do lado do bem —
goste-se ou não disso. No mundo das realidades, é ela a principal defesa que o
cidadão tem para proteger sua vida. sua integridade física, sua propriedade,
sua liberdade de ir e vir, o direito à palavra e tudo o mais que a lei lhe
assegura. A autoridade policial já erra o suficiente quando falha ao cumprir
quaisquer dessas tarefas. Não faz nexo criticá-la nas ocasiões em que acerta.
Não serve a nenhum propósito útil, igualmente, dar conforto
ao inimigo — o que nossa elite pensante, como dito anteriormente, faz o tempo
todo. O inimigo não vai deixar de ser seu inimigo; você não ganhará sua
admiração, nem será deixado em paz. É um desafio à lógica, neste sentido, achar
que delinqüentes teriam a licença de armar-se para assegurar seu direito de
"legítima defesa" contra a repressão policial. A lei brasileira, com
todas as letras, diz que só a polícia tem o direito de portar armas, e de
utilizá-las no combate ao crime e na defesa do cidadão — salvo em casos
excepcionais, que exigem licença específica. Dura lex sed lex, claro. Mas não é
só uma questão legal. Trata-se de simples sensatez. No caso dos atos de
protesto — qual o propósito de levar para a rua mochilas com bombas
incendiárias, estiletes, barras de ferro e outros artefatos desenhados
unicamente para machucar? Por que alguém precisaria de qualquer dessas coisas
para expressar suas opiniões em praça pública?
O Brasil vem se acostumando nos últimos anos à ideia doente
de que mostrar simpatia diante da delinqüência e hostilidade diante da polícia
é uma questão de princípio — uma atitude socialmente avançada e politicamente
progressista. Quem não pensa assim é visto como um homem das cavernas,
extremista e inimigo da democracia. Mas é o contrário: opor-se ao crime e
apoiar a polícia é ficar a favor da liberdade. Está na moda denunciar, com
apoio da caixa de amplificação da imprensa, delitos como a "pregação do
ódio", "apologia do crime" ou "incentivo ao racismo".
Esse mesmo tribunal, entretanto, aplaude como uma forma superior de cultura
popular os rappers que pregam abertamente, em suas músicas, o assassinato de
policiais. Há alguma coisa muito errada nisso aí. Está na hora de deixar claro:
é falso acusar de "histeria" e outros pecados mortais quem não
acredita, simplesmente, que no Brasil de hoje existe algum assaltante que rouba
e mata porque está com fome ou tem de sustentar sua família; o que há é gente
que quer satisfazer todos os seus desejos sem ter de trabalhar ou de respeitar
o direito alheio. Em Cuba, regime modelo para nosso governo, são chamados de
sociopatas e enterrados na cadeia mais próxima, sem que a "sociedade"
seja chamada a "debater" coisa nenhuma.
Deus não precisou da ajuda dos brasileiros para criar o Brasil. Mas, como diria Santo Agostinho, só poderá nos salvar se tiver o nosso consentimento.
Deus não precisou da ajuda dos brasileiros para criar o Brasil. Mas, como diria Santo Agostinho, só poderá nos salvar se tiver o nosso consentimento.
Fonte: EM DIREITA BRASIL
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