A melhoria nas políticas públicas para a saúde foi uma das
principais reivindicações das manifestações de junho do ano passado, que
pediram principalmente o aprimoramento do Sistema Único de Saúde. Para acalmar
a sociedade brasileira, o governo federal lançou o Mais Médicos. Porém,
enquanto o programa terá mais de R$ 1,5 bilhão repassado em 2014, iniciativas
de infraestrutura para o setor, programadas desde 2011, não saíram do papel.
De acordo com levantamento inédito divulgado pelo Conselho
Federal de Medicina, das 24.006 obras “tocadas” pelo Ministério da Saúde e pela
Fundação Nacional de Saúde por meio da segunda fase do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC), apenas 11% foram concluídas, o que equivale a 2.547
obras. O PAC 2 refere-se ao período 2011/2014 e mesmo com a maioria das obras
inacabada, o governo já menciona o PAC 3.
Das 21.519 restantes, apenas 9.509 encontram-se em execução.
Cerca de metade (12.010) das obras de Saúde inscritas no PAC 2 ainda estão “no
papel”. A maior parte (10.328) encontra-se em ação preparatória. Sete estão em
fase de licitação e 1.675 de contratação.
As informações, consolidadas no 9º balanço oficial do PAC 2,
divulgado em março deste ano, englobam investimentos previstos pela União,
empresas estatais, iniciativa privada e contrapartida de estados e municípios
em projetos de construção e de reforma de Unidades Básicas de Saúde (UBS),
Unidades de Pronto-Atendimento (UPA) e ações de saneamento.
No caso das UBS, apenas 9% dos 15.652 projetos previstos em
todo o país foram concluídos. O percentual de entrega das UPAs é ainda menor.
Nos últimos três anos, das 503 unidades previstas, somente 14 ficaram prontas.
As ações relativas ao saneamento em áreas urbanas apresentaram melhor execução
(14%), mas estão longe de serem finalizadas – das 7.911 iniciativas, apenas
1.129 ficaram prontas.
Entre as regiões do país, a que apresentou pior resultado
percentual de execução foi a Sudeste, onde o governo conseguiu concluir somente
318 (7%) das 2.441 obras previstas. Na sequência aparece o Nordeste, que apesar
de concentrar o maior volume absoluto de obras – mais de 11 mil –, teve apenas
1.119 (10%) empreendimentos concluídos nos últimos três anos.
Nas regiões Sul e Centro-Oeste, o percentual de conclusão oscila
entre 11% e 12%, respectivamente. Já os estados do Norte tiveram um resultado
relativamente melhor, mas igualmente mínimo. Somente 464 (10%) das 2.861 ações
foram concluídas. O Ministério da Saúde foi questionado sobre os relevantes
atrasos nas obras do setor, mas não respondeu ao Contas Abertas até o
fechamento da matéria.
Para a especialista e doutora em saúde pública da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Lígia Bahia, os atrasos são uma
evidência dos imensos equívocos e dificuldades do planejamento das atividades e
ações previstas para concretizar políticas públicas no Brasil.
“Os problemas começam com a definição de prioridades e se
estendem para a transposição de metas para o orçamento e sua execução. Mas,
esse perverso ciclo constituído por recursos e realizações fictícias se
converte no já instituído saldo (como se politica publica pudesse ter sobra)
denominado restos a pagar (cujos recursos nunca retornam para a saúde)”,
explica.
De acordo com Lígia, a demora nas obras da saúde pode ser atribuída
a questões estruturantes combinadas com ignorância e descontinuidade
administrativa, leniência e corrupção. Para ela, os obstáculos estruturantes
são razoavelmente conhecidos. “São poucas ou apenas uma empresa que se
apresentam nas chamadas públicas. Depois, as mesmas alegam que os recursos
aprovados são insuficientes e/ou os contratos são aditivados ou as obras
param”, explica Lígia.
Questionada sobre a criação do Mais Médicos em um contexto
em que até mesmo as obras do PAC não conseguem sair do papel, a especialista
afirmou que a questão da substituição de programas que não deram certo é um dos
problemas a serem enfrentados.
“O programa se torna obsoleto rapidamente e é
substituído por outro com outro nome. Claro que é melhor ter algum tipo de atendimento
do que a desassistência. Mas a ideia que uma coisa puxa outra não é um fato no
Brasil. Como um médico seja lá de que nacionalidade for vai resolver problemas
de saúde sem dispor de condições básicas, inclusive de ambiência? O discurso
oficial é: onde tem médico terá unidade de atenção básica em ótimas condições
de funcionamento. Só que na prática isso não ocorrerá. Ouvimos uma promessa
parecida no período da expansão da estratégia de saúde da família e a situação
física da maioria dessas unidades permanece ultra precária”, conclui. (Contas
Abertas)
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