Sei que o texto transcrito a seguir parece escrito com o
cotovelo, mas era preciso ser fiel ao trabalho de seus redatores. Trata-se de
um trecho do documento Análise de Conjuntura, referente a março de 2014,
preparado pela assessoria da CNBB para a 83ª reunião do Conselho Permanente da
entidade, ocorrida entre os dias 11 e 13 deste mês em Brasília.
"Em análises anteriores da conjuntura econômica foi
assinalado o discurso alarmista da imprensa e o alarmismo de analistas
econômicos, não sem contradições na análise da realidade. Está bem presente um
viés ideológico que perpassa todas as análises evidenciando um conluio entre a
imprensa e os donos do dinheiro no país. O tom das análises reflete rancor,
raiva e oposição ao governo atual, com parcialidade tal que perde o sentido de
objetividade. A chave de leitura é uma oposição visceral do mundo financeiro e
empresarial ao governo da presidente Dilma, ampliada com o horizonte das
eleições em outubro deste ano."
Por indicação de um leitor, retornei ao site da CNBB em
busca desse documento. Havia onze anos que eu não perdia meu tempo lendo as
análises mensais de conjuntura preparadas pela assessoria da CNBB. A entidade,
na ocasião em que questionei o tom petista militante que caracterizava os
textos, informou que os mesmos não eram "dela", CNBB, mas elaborados
"para ela". Com tal afirmação, os senhores bispos supunham
desobrigar-se de um volumoso conjunto de documentos que, estranhamente, levam o
timbre e estão disponíveis no site da entidade que os congrega.
Entre minha visita anterior e esta, transcorreu toda uma
década, mudou o mundo, mudou o Brasil, mas os assessores da CNBB continuam
derramando seu fel ideológico sobre cada frase. A orientação persiste: defesa
insistente do petismo e seus parceiros de aquém e de além mar. O texto acima,
por exemplo, é parte de um trecho bem maior, dedicado à situação nacional. Ao
longo dele algo, ao menos, fica bem claro: os peritos que socorrem a CNBB com
sua visão da "conjuntura" já têm candidata a "presidenta"
para 2014. O documento deve ter cerca de 5 mil palavras. De início, para
desvendar sua eclesialidade, procurei ver quantas vezes apareciam nele a
palavra Cristo e seus derivados. Usando o instrumento de busca, digitei as
letras "crist" com o que abrangeria todos os vocábulos com essa raiz.
Houve apenas três ocorrências. Pareceu-me pouco para um documento católico.
Quando fui ver o que diziam do Mestre, descobri, não sem surpresa, que uma
dessas referências tratava da senhora Cristina Kirchner, a outra do senador
Cristovam Buarque. E a terceira mencionava as "milícias cristãs" que
estariam sendo submetidas à lei de Talião na República Centro-Africana. Ou
seja, do doce Nazareno, apesar de levar a assinatura de quatro padres, nada. Ni
jota como diriam nossos vizinhos castelhanos. O texto ficaria muito bem num
Congresso do PT ou numa reunião do Foro de São Paulo: apoio ao governo federal,
à presidente Dilma, ambiguidade em relação à crise da Ucrânia e apoio a Maduro
na crise venezuelana, onde sustentam os redatores que a oposição, sim, a
oposição, estaria radicalizando.
Entre os quatro leigos que também subscrevem o documento
incluem-se o secretário de Articulação Social da Chefia de Gabinete da
Presidência da República (braço-direito do ministro Gilberto Carvalho) e o
secretário de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda do governador
petista do Distrito Federal. Os outros dois leigos são membros da Comissão
Brasileira de Justiça e Paz, outro dos vários organismos da CNBB aparelhados
pelo PT, como a Pastoral da Terra, as CEBs e a Pastoral da Juventude. Todos
selecionados a dedo, portanto, para produzirem o que se lê. Esperavam o quê?
Não é com surpresa que faço estas constatações e escrevo
estas linhas. A CNBB parece não se importar com as demasias praticadas sob o
guarda-chuva de seu nome e logomarca, nem com sua instrumentalização para fins
políticos e partidários. Pode chocar a você, leitor, saber que esse suposto
desinteresse coloca a instituição a serviço de quem, inequivocamente, tem entre
seus objetivos o de acabar com o pouco que ainda remanesce de valores cristãos
e de presença da Igreja na sociedade brasileira. Mas isso não causa o menor
constrangimento à CNBB.
Há muitos lobos no meio das ovelhas que lhes confiou o
Senhor. Às avessas da recomendação evangélica, os mansos como as pombas não
parecem ser prudentes como as serpentes. E os prudentes nada têm de mansos.
_____________
* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário,
escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas
de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a
tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.
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