domingo, 13 de abril de 2014

A rediscussão da anistia

Lázaro Guimarães* - Correio Braziliense

A arena política não tem lugar para a coisa julgada. É o que indica o furor da discussão, no plano internacional, em torno da eficácia da anistia concedida em consequência de pactos celebrados com o objetivo de encerrar regimes ditatoriais.

A mais nova polêmica se trava na Espanha, eis que José Maria Galante e outros companheiros de presídio sob a ditadura de Francisco Franco, nos anos 1970, recorreram à Justiça da Argentina para postular a condenação por crimes contra a humanidade do seu torturador, Antonio González Pacheco, conhecido como Billy the Kid, porque tinha o hábito, quando servia em unidade de repressão, de se apresentar às vítimas rodando a pistola entre as mãos.

Os Pactos de Moncloa, firmados em 1977, sob inspiração do Rei Juan Carlos e do primeiro-ministro Adolfo Suarez, falecido em março passado, permitiu a redemocratização espanhola, incluindo ampla anistia, que beneficiou tanto os opositores quanto os seguidores de Franco. As cortes espanholas têm rejeitado, desde então, a reabertura de casos envolvendo ações de motivação política anteriores à Lei de Anistia. O juiz Baltazar Garsón até tentou, em 2008, conhecer de denúncias contra autoridades acusadas da prática de tortura, mas terminou afastado de suas funções porque o Conselho da Magistratura acolheu representação em que alegada a produção ilegal de prova.

Para fugir da rigidez da Justiça da Espanha sobre a matéria, Galante se valeu de precedentes da Justiça argentina e lá está processando o seu algoz, em meio a polêmica quanto à possibilidade de o governo de Madri extraditar o acusado ou até mesmo fornecer documentos requisitados pelos juízes de Buenos Aires.

A situação no Brasil não difere da ocorrida na Espanha. O Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento quanto à inviabilidade da abertura ou reabertura de processos para apuração de fatos cobertos pela Lei de Anistia, o que não impediu a apresentação de projeto no Congresso Nacional permitindo o julgamento de delitos praticados nos porões do regime militar.

É difícil dizer para a vítima de tortura que esqueça o passado, mas o certo é que houve ampla negociação de âmbito nacional, a partir dos movimentos sociais, unindo partidos políticos, sindicatos, Ordem dos Advogados do Brasil, Igreja Católica e governo militar, que resultou na promulgação da Lei nº 6.683, de 23 de agosto de 1979, cujo art. 1° assim dispõe: "É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos servidores dos poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em atos institucionais e complementares".

Levadas ao Judiciário pretensões contrárias ao comando legal do esquecimento, manifestou-se a Corte Suprema pela prevalência da anistia. Então, não há mais o que discutir.

Nada impede, é certo, a coleta de dados sobre os fatos, missão das comissões da verdade e da sindicância recentemente aberta pelo Ministério da Defesa, mas sem que se estenda a apuração a qualquer intento punitivo, o que pode causar reação de setores belicosos, de um lado, e, do outro, do espectro político, com resultados desastrosos. E nem se pense em transpor o caso para a Argentina, porque seria muito pior.



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*Lázaro Guimarães é Magistrado - Desembargador Federal

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