Lázaro Guimarães* - Correio Braziliense
A arena política não tem lugar para a coisa julgada. É o que
indica o furor da discussão, no plano internacional, em torno da eficácia da
anistia concedida em consequência de pactos celebrados com o objetivo de
encerrar regimes ditatoriais.
A mais nova polêmica se trava na Espanha, eis que José Maria
Galante e outros companheiros de presídio sob a ditadura de Francisco Franco,
nos anos 1970, recorreram à Justiça da Argentina para postular a condenação por
crimes contra a humanidade do seu torturador, Antonio González Pacheco,
conhecido como Billy the Kid, porque tinha o hábito, quando servia em unidade
de repressão, de se apresentar às vítimas rodando a pistola entre as mãos.
Os Pactos de Moncloa, firmados em 1977, sob inspiração do
Rei Juan Carlos e do primeiro-ministro Adolfo Suarez, falecido em março
passado, permitiu a redemocratização espanhola, incluindo ampla anistia, que
beneficiou tanto os opositores quanto os seguidores de Franco. As cortes
espanholas têm rejeitado, desde então, a reabertura de casos envolvendo ações
de motivação política anteriores à Lei de Anistia. O juiz Baltazar Garsón até
tentou, em 2008, conhecer de denúncias contra autoridades acusadas da prática
de tortura, mas terminou afastado de suas funções porque o Conselho da
Magistratura acolheu representação em que alegada a produção ilegal de prova.
Para fugir da rigidez da Justiça da Espanha sobre a matéria,
Galante se valeu de precedentes da Justiça argentina e lá está processando o
seu algoz, em meio a polêmica quanto à possibilidade de o governo de Madri
extraditar o acusado ou até mesmo fornecer documentos requisitados pelos juízes
de Buenos Aires.
A situação no Brasil não difere da ocorrida na Espanha. O
Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento quanto à inviabilidade da
abertura ou reabertura de processos para apuração de fatos cobertos pela Lei de
Anistia, o que não impediu a apresentação de projeto no Congresso Nacional
permitindo o julgamento de delitos praticados nos porões do regime militar.
É difícil dizer para a vítima de tortura que esqueça o
passado, mas o certo é que houve ampla negociação de âmbito nacional, a partir
dos movimentos sociais, unindo partidos políticos, sindicatos, Ordem dos
Advogados do Brasil, Igreja Católica e governo militar, que resultou na
promulgação da Lei nº 6.683, de 23 de agosto de 1979, cujo art. 1° assim
dispõe: "É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido
entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos
ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos
suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações
vinculadas ao poder público, aos servidores dos poderes Legislativo e
Judiciário, aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos
com fundamento em atos institucionais e complementares".
Levadas ao Judiciário pretensões contrárias ao comando legal
do esquecimento, manifestou-se a Corte Suprema pela prevalência da anistia.
Então, não há mais o que discutir.
Nada impede, é certo, a coleta de dados sobre os fatos,
missão das comissões da verdade e da sindicância recentemente aberta pelo Ministério
da Defesa, mas sem que se estenda a apuração a qualquer intento punitivo, o que
pode causar reação de setores belicosos, de um lado, e, do outro, do espectro
político, com resultados desastrosos. E nem se pense em transpor o caso para a
Argentina, porque seria muito pior.
Fonte: A Verdade Sufocada
*Lázaro Guimarães é Magistrado - Desembargador Federal
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