O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), vai
recorrer ao pleno do Supremo para tentar impedir a instalação da CPI da
Petrobras. Até aí, bem. Todos já sabíamos disso, e é um recurso que está à sua
disposição. Até coisas moralmente decentes podem ser feitas de maneira
indecorosa. As já naturalmente indecorosas podem aspirar, quando muito, a uma
discrição. Renan escolheu coroar o seu papel vergonhoso em toda essa história
com uma nota que chega a ser abjeta quando nos lembramos que ele é o presidente
do Congresso Nacional, um dos Poderes da República — aquele que, por
excelência, representa o povo.
Comento a sua nota parágrafo a parágrafo.
Escreve o presidente do Senado:
A independência dos Poderes é um dos pilares das democracias
modernas. Tal preceito tem sido observado ao longo dos anos e, em 2013, o pleno
do Supremo Tribunal Federal, após a paralisia processual derivada de uma
liminar, decidiu, em última instância, que não lhe cabia controlar
preventivamente o processo legislativo.
Escrevo eu:
Renan se refere a uma liminar concedida pelo ministro Gilmar
Mendes que suspendeu a tramitação de um projeto de lei que criava dificuldades
para a criação de novos partidos. Já no caso a que ele alude, diga-se, não
havia controle prévio nenhum; não havia tentativa nenhuma de cercear o trabalho
do Congresso. Ao contrário: também ali havia agressão a direitos fundamentais,
protegidos pela Constituição. Mas, admito, tratava-se de uma tema que suscitava
e suscita certa polêmica. Infelizmente, em 2013, a maioria do STF tomou a pior
decisão. Vamos ver desta vez. Continuemos com o presidente do Senado.
Escreve Renan:
A compreensível divergência acerca da amplitude das
Comissões Parlamentares de Inquérito caracteriza uma situação inédita. Ela
obriga a reflexão de todos os Poderes a fim de evitarmos um precedente que
implique futuras investigações seletivas, restritivas ou mesmo persecutórias a
serviço de maiorias circunstanciais.
Escrevo eu:
É o trecho mais asqueroso da nota. Para começo de conversa,
inédita é só a tramoia promovida pelo PT, a que deu guarida o presidente do
Senado. O resto é claro: tanto o Artigo 58 da Constituição como o Capítulo XIV
do Regimento Interno do Senado dispõem sobre CPIs: têm de ter fato determinado
e contar com o apoio de um terço dos congressistas. E só. Não consta que caiba
ao presidente do Senado ou da Câmara decidir qual comissão pode e qual não pode
ser instalada. Fosse pouco, o acórdão do Habeas Corpus 71.039, que Renan citou
de forma fraudulenta, diga-se, dispõe sobre a abrangência da CPI.
Ora, investigação seletiva é a que tenta fazer o PT, com o
apoio de Renan. O senador petista Humberto Costa (PE) é explícito: “Se a
oposição pensa que vamos deixar de lado outras suspeitas, estão enganados. Já
temos assinaturas para a CPI da Alstom na Câmara e vamos começar a coletar as
assinaturas no Senado”. Vale dizer: eles querem uma investigação apenas para
tentar impedir a da Petrobras. Vamos dar continuidade à peça indigna.
Escreve Renan:
Os regimentos internos do Congresso Nacional, leis internas
do Parlamento, são importantes instrumentos para elucidar a matéria. O
regimento interno da Câmara dos Deputados, por exemplo, explicita que na
ocorrência de requerimentos com objetos coincidentes, prevalecerá aquele de
espectro mais abrangente. É uma premissa bastante sensata e que se aplica ao
caso.
Escrevo eu:
Ainda que Renan estivesse certo, a Constituição prevalece
sobre regimentos internos, como lembrou a ministra Rosa Weber. No mundo de
Renan, o documento maior asseguraria um direito, mas um regimento o jogaria no
lixo. Fosse assim, as regras de um condomínio poderiam violar a Constituição
Federal. Lembro ao presidente do Senado que ele não pode violar a Carta Magna
nem em suas fazendas em Alagoas.
Escreve Renan:
Desde o primeiro momento, busco o entendimento sobre o
alcance das CPIs respeitando o sagrado direito da minoria. Se fatos podem ser
acrescidos durante a apuração, entende-se que muito mais eles são possíveis na
criação da CPI. O poder investigatório do Congresso se estende a toda gama dos
interesses nacionais a respeito dos quais ele pode legislar.
Escrevo eu:
É uma trapaça argumentativa. Fatos podem ser acrescidos,
conforme é pacífico na jurisprudência do Supremo, desde que conexos ao que se
está investigando. O acórdão do Habeas Corpus 71.039 é explícito sobre o
caráter não universal da CPI. Ela não pode investigar o que lhe der na telha. O
que o metrô de São Paulo ou o Porto de Suape têm a ver com a Petrobras? A ser
assim, vamos acrescentar ao requerimento aquele o caso da empreiteira que
pagava a pensão alimentícia que um senador devia a um filho tido fora do
casamento. Lembram-se disso? É claro que estou me referindo ao próprio Renan.
Escreve Renan:
Diante da imperiosidade de pacificar o entendimento em torno
da matéria, o Senado Federal recorrerá da liminar ao plenário do Supremo
Tribunal Federal.
Escrevo eu
O Senado Federal uma ova! Quem vai recorrer é
Renan — com o apoio de sua turma. Perceberam agora por que ter esse tipo de
peemedebista como aliado é fundamental ao PT?
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