Mesmo com a promulgação da Constituição de 1988, as
instituições militares ainda detêm algumas prerrogativas antidemocráticas de
poder. A opinião é do professor de Ciências Políticas da Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE), Jorge Zaverucha.
Ele cita o artigo 142 da Carta Magna, que confirma as Forças
Armadas como mantenedoras da lei e da ordem. Conforme Zaverucha, esse
"privilégio" não existe em democracias avançadas.
"Só vi isso ser replicado no Chile, onde Pinochet fez a
sua Constituição - ou seja, à direita -, e quando os sandinistas tomaram o
poder, à esquerda, na Nicarágua", compara. "A gente precisa entender
que as Forças Armadas são o braço armado do poder civil. É o poder civil que
tem de garantir a existência do poder militar para o fim que foi criado e não o
contrário. O Exército existe para defender a soberania do Estado",
argumenta.
Como o conceito de "ordem" é subjetivo, o
especialista afirma que o artigo 142 pode até ser usado para justificar um
golpe de Estado. "Cada ator político pode interpretar a norma ao seu modo.
Os militares, se acharem necessário, poderão em último caso tomar o poder e
argumentar que isso foi feito legalmente de acordo com o artigo 142",
opina Zaverucha.
Códigos militares
O professor ressalta outro ponto, segundo ele, questionável
da Constituição: os códigos penais militares e os tribunais militares continuam
em pleno vigor no Brasil. Ele lembra que os códigos disciplinar e de processo
penal militar foram redigidos em 1969, época dos chamados anos de chumbo.
"Obviamente, as Forças Armadas criaram essas normas para favorecer seus
integrantes."
Zaverucha critica o fato de o Brasil não ter seguido o
exemplo dos vizinhos Chile, Argentina e Uruguai, que também elaboraram códigos
militares durante suas ditaduras, mas extinguiram essas leis com a transição
para a democracia. Ele recorda que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
chegou a criar uma comissão para rever os códigos brasileiros, porém o projeto
não foi adiante: "A reação foi imensa; FHC achou que, naquele momento, não
convinha enfrentar os militares."
Lei de Segurança Nacional
Outro caso emblemático de "privilégio" aos
militares, na opinião do professor, é a manutenção da Lei de Segurança Nacional
(7.170/83), na sua última versão, de 1983.
Para Zaverucha, essa legislação é incompatível com uma
democracia sólida. "A lei foi criada para punir mais severamente quem
fosse considerado 'inimigo da Pátria'. Na democracia, não temos inimigos; temos
pessoas com ideias conflitantes."
O especialista lembra que Chile, Argentina e Uruguai
aboliram leis similares quando voltaram à democracia.
Lobby
Segundo o professor, 13 oficiais militares organizaram um
lobby para influir nos trabalhos da Constituinte de 1988.
Jorge Zaverucha destaca que a Carta Magna já
sofreu várias emendas, mas nenhuma no capítulo sobre as Forças Armadas, o que
mostra das instituições militares. O especialista, por outro lado, também cita
avanços, como a criação do Ministério da Defesa.
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