Entende-se aqueles que tentam, em esforço quase hercúleo,
levantar o contexto da época do golpe de 1964 e mostrar o lado positivo da ação
dos militares, que teriam evitado um golpe comunista do lado de lá. Afinal, a
visão onipresente na imprensa, nas escolas, em todo lugar é de um maniqueísmo
chocante, que pretende rescrever a história e pintar comunistas como democratas
que foram vítimas do nada.
Por outro lado, tampouco devemos cair na tentação do
maniqueísmo inverso, qual seja, colocar os militares como “salvadores da
Pátria”, mergulhar num saudosismo absurdo de que tudo aquilo foi maravilhoso e
fundamental para o país incluindo duas décadas de ditadura. Seria agir como os
esquerdistas desonestos, só que com o sinal trocado.
Evitar tais visões maniqueístas é o grande desafio, que o
jornalista José Maria Silva, no jornal Opção, consegue enfrentar com
eficiência. Seu texto nos carrega para o contexto da época, mostra como há um
duplo padrão de julgamento hoje, principalmente de uma esquerda que ignora os
abusos cometidos pelo ditador Getúlio Vargas, enquanto tenta demonizar os
militares, como se a ditadura de 20 anos fosse desde o começo o único objetivo
do que se passou em 31 de março de 1964.
Nada mais falso. Esses revisionistas ignoram que os
militares contaram com amplo apoio da imprensa, da classe média, de milhões de
brasileiros preocupados, legitimamente, com a ameaça vermelha. Resgatar a
verdade não interessa àqueles que pretendem apenas usar tais eventos distantes
para sua propaganda política e ideológica, para posar de heróicos combatentes
da ditadura pela democracia. Diz o autor:
As novas gerações foram e continuam sendo forçadas a pensar
que os governos militares pós-64 são a síntese de tudo de ruim que aconteceu na
história do Brasil e que nada houve pior do que isso. A se crer no tom
horrorizado com que os formadores de opinião repetem a expressão “ditadura
militar”, tem-se a impressão de que nem mesmo a escravidão se igualou em crueldade
ao regime instaurado no País em 64. O regime militar tornou-se uma espécie de
marco zero da iniquidade nacional, projetando sua sombra devastadora no passado
e no futuro, como se fosse responsável retroativamente pelo extermínio dos
índios pelos bandeirantes, a escravidão do negro pelo português e até,
projetivamente, pelos escândalos de corrupção que continuam assolando a
República.
A quem tal distorção histórica interessa? Por que pintar um
terrorista que sonhava com o modelo ditatorial cubano para o Brasil, como
Carlos Marighella, como um bravo guerreiro da liberdade? Por que fingir que as
atrocidades de Getúlio Vargas, hoje respeitado e admirado por boa parte da
esquerda, inclusive pelo ex-presidente Lula, nunca ocorreram? Por que deixar
passar em branco quem foi Luís Carlos Prestes e como sua frieza sacrificou
inocentes de carne e osso no altar de sua utopia nefasta?
Em nome dos fatos históricos e contra as diferentes visões
maniqueístas, recomendo a leitura do longo texto na íntegra. Segue seu
desfecho:
Não se constrói uma nação com base no maniqueísmo
ideológico, que aniquila o senso crítico e infantiliza os jovens, tornando-os
presas fáceis de qualquer demagogo de esquerda que se apresente como revisor do
passado e senhor do futuro, oferecendo a utopia da revolução como uma espécie
de errata da própria humanidade. A nação precisa ser criticamente educada para
pensar o passado sem exageros, reconhecendo os erros e acertos de cada período
histórico. É impossível, por exemplo, que, nos 21 anos que separam o golpe
militar de 1964 da eleição de um presidente civil em 1985, o Brasil tenha sido
apenas uma terra arrasada por “anos de chumbo”, como querem fazer crer os
Comitês da Vingança que se arvoram a senhores da verdade. “O regime militar
brasileiro não foi uma ditadura militar de 21 anos” — é o que afirma o
historiador Marco Antonio Villa, doutor em história pela USP e professor da
Universidade Federal de São Carlos, em seu livro “Ditadura à Brasileira”, com o
qual eu e os fatos concordamos integralmente. Até o final de 1968, antes do
AI-5, o Brasil vivia uma efervescência político-cultural mais intensa do que
hoje. Depois da Anistia, em 1979, também.
Mas não se deve combater o mito guerrilheiro com outro mito
— o do Exército salvador da pátria, que, a cada ameaça comunista, é chamado a
salvar a democracia a golpes de Estado. O Brasil vive novamente um desses
momentos cruciais de sua história, em que as instituições estão sendo
transformadas em instrumento da ideologia esquerdista — o que leva alguns
setores da sociedade, ainda que minoritários, a pedir a volta dos militares. É
suicídio. Uma nação adulta dispensa pais de farda. A República brasileira não
pode ser uma quartelada, com interregnos de democracia em meio a uma história
de arbítrios. Mas também não pode ser uma eterna utopia, em que, à custa de
construir um “outro mundo possível”, a esquerda destrua cotidianamente o
mundo real, atiçando pobres contra ricos, negros contra brancos, mulheres
contra homens, minorias contra maiorias, até que, em meio a esse caos de
conflitos forjados, tenhamos o pior dos conflitos: militares contra civis — que
é onde morre a democracia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário