Por Carlos I. S. Azambuja
O Komintern - Organização internacional comunista fundada
por Vladimir Lenin e pelo Partido Comunista da União Soviética em março de
1919, que pretendia lutar com “todos os meios disponíveis, inclusive armados,
para derrubar a burguesia internacional e estabelecer uma República Soviética
internacional como um passo transitório à completa abolição do Estado”.
Após a Revolução Bolchevique de 1917, na Rússia, foram
criadas forças e partidos comunistas em vários países, que logo aceitaram as
famosas 21 condições exigidas pela III Internacional – também conhecida como
Komintern ou Internacional Comunista – para que fossem reconhecidos em nível
internacional. O Komintern foi assim definido pelo “Pequeno Dicionário
Político”, editora Progresso, Moscou, 1984: “Estado-Maior ideológico e político
do movimento revolucionário do proletariado”.
Em troca da adesão, o Komintern outorgava a esses partidos a
patente de revolucionários, numa relação periferia-centro que pouco tempo
depois ficaria conhecida como Movimento Comunista Internacional. Essa foi a
origem dos vínculos que, por 70 anos, os comunistas da ex-União Soviética
mantiveram com todos os partidos comunistas do mundo.
Para Lênin, que dirigiu a Revolução Bolchevique, o Komintern
tinha como objetivo “lutar por todos os meios possíveis para a derrubada da burguesia
internacional e criação de uma revolução mundial soviética, como etapa de
transição à completa abolição do Estado”. Nesse contexto, a ditadura
revolucionária do proletariado era o único caminho possível para “libertar a
humanidade dos horrores do capitalismo”.
Logo depois da Revolução Bolchevique, em 1925, foi instalado
em Buenos Aires o Bureau Sul-Americano (BSA) do Komintern, com a tarefa de
coordenar as atividades dos partidos comunistas da região. Nesse sentido, o
papel do Partido Comunista Argentino (PCA), como correia de transmissão da
política do Komintern, passou a ser decisivo, uma vez que, então, o PCA já
possuía contatos com dirigentes da Internacional, em Moscou, que eram os que,
de fato, dirigiam o PC Argentino. Dirigiam, não. Comandavam.
Nessa época o PCA era o partido comunista mais importante da
América Latina, e já contava, em 1923, com cerca de 3.300 militantes.
Em 1928 o Bureau Sul-Americano passou a ter existência legal
na Argentina e a refletir as forças e as precariedades do Komintern na região.
A bolchevização, ou seja, a aplicação irrestrita das 21 condições leninistas e
a adesão incondicional à União Soviética era a condição essencial para que um
partido comunista fosse admitido como membro do Komintern. O Partido Comunista
Brasileiro, fundado em 1922, logo aceitou essas condições. Tanto é assim que
sua denominação era Partido Comunista do Brasil, Seção Brasileira da
Internacional Comunista.
Segundo o dirigente comunista argentino Luis Sommi, enviado
do PCA ao Komintern, em fins de 1934 foi realizada em Moscou a III Conferência
Comunista Latino-Americana, na qual foi aprovada a deflagração, no Brasil, de
um movimento armado. Nesse sentido, a Conferência respaldou a criação da
Aliança Nacional Libertadora, que pouco tempo depois, em julho de 1935, viria a
ser efetivamente criada como uma organização de fachada do PCB.
Sob a tutela da Internacional Comunista, criaram-se uma
série de organizações internacionais, entre as quais podem ser citadas:
Internacional Sindical Vermelha (Profintern), Internacional da Juventude
Comunista, Socorro Vermelho Internacional (MOPR), Internacional Camponesa
(Krestintern) e Internacional Desportiva Vermelha (Sportintern);
Em 15 de maio de 1943, depois de celebrada a Conferencia de
Teerã, o Presidium do Comitê Executivo da Internacional Comunista, “tendo em
conta a maturidade dos partidos comunistas” nacionais, e para evitar os temores
dos países capitalistas aliados, decidiu dissolver a Internacional Comunista.
Em 1947 foi criada a Kominform (Oficina de Informação
Comunista) como substituta doKomintern, que reunia os Partidos Comunistas da
Bulgária, Checoslováquia, França, Hungria, Itália, Polônia, a União Soviética e
Iugoslávia. Foi dissolvida em 1956 por Nikita Kruschev.
William Waak, em seu livro “Camaradas”, assinala que a
Intentona Comunista seria impossível de ser explicada sem levar em conta a
personalidade carismática de Prestes, já então membro do Comitê Executivo do
Komintern. Baseado em dados inéditos, pesquisados nos arquivos doKomintern, em
1993, em Moscou, William Waak demonstra que a Intentona Comunista foi mais uma
ação do prestismo do que do comunismo.
Em 1932, quando o general Agustín Justo tomou o Poder na
Argentina, em decorrência de um golpe de Estado, o Bureau Sul-Americano foi
tornado ilegal, passando a funcionar em Montevidéu.
Sobre o tão falado Ouro de Moscou, ou seja, a ajuda
fraternal que o PC Soviético sempre deu a todos os partidos comunistas do
mundo, deve ser recordado que sustentar um exército de revolucionários
profissionais que tornasse possível a manutenção de casas ilegais (aparelhos),
imprensas, depósitos para literatura, aparatos de autodefesa, gráficas,
serviços de Inteligência, etc, requeria muito dinheiro. Dinheiro que os PCs da
região não tinham. Nesse contexto, a ajuda fraternal, embora limitada para as
necessidades sempre crescentes, não era desdenhável. Aos partidos comunistas
antepunham-se duas alternativas: o caminho das expropriações revolucionárias ou
o da penetração nos grandes âmbitos econômicos – os chamados empreendimentos
partidários. Todos os partidos comunistas do mundo optaram por este último
caminho, que requeria pessoas fiéis e incorruptíveis.
O Ouro de Moscou, no entanto, não fluía sem limites e,
muitas vezes, nem em montantes significativos que atendessem a todas as
necessidades partidárias. Todavia, esse auxílio fraternal foi muito mais amplo
do que se possa imaginar, conforme os balancetes dados a conhecer em Moscou
após o fim da União Soviética, a partir de 1991. Segundo o jornal Konsomolskaya
Pravda de 8 de abril de 1992, o PCUS, somente em 1990 – ou seja, 5 anos após a
implantação das políticas da glasnost e perestroika, de Gorbachev – “ajudou com
mais de US$ 200 milhões os partidos irmãos do mundo, entre os quais o da
Espanha e Portugal e quase todos da América Latina. Os mais beneficiados foram
os partidos comunistas do Chile (US$ 700 mil), da Argentina, da Venezuela e de
El Salvador (US$ 450 mil cada um). Os do Brasil e Colômbia receberam US$ 400
mil cada um. Os partidos de tendência comunista da Espanha receberam US$ 300
mil e o PC Português, o primeiro da lista, U$ 1 milhão”.
O apoio político e a ajuda fraternal, todavia, não eram
dados apenas aos partidos comunistas fiéis a Moscou, como seria lícito supor.
Ao final da década de 70, dos diversos exilados latino-americanos que foram
acolhidos e viveram em Moscou e em países do bloco comunista, cerca de 100
pertenciam à organização argentina de luta armada Montoneros, segundo registra
o livroEl Oro de Moscu, 1994, de Isidoro Gilbert, ex-chefe da agência de
notícias soviética Tass, em Buenos Aires. Ou seja, o PCUS, que se sobrepunha ao
Estado soviético, apoiava também as organizações de luta armada, ao mesmo tempo
em que mantinha negócios e relações diplomáticas com os países onde essas
organizações atuavam, como ficou claro com o apoio em dinheiro, armas e
treinamento aos militantes da Frente Patriótica Manuel Rodriguez, uma cisão do
Partido Comunista Chileno que, em meados da década de 80 descambou para a luta
armada.
Essa ajuda fraternal era, todavia, muito mais ampla que as
cifras mencionadas peloKonsomolskaya Pravda. Implicava também em financiamento
de editoras, gráficas, jornais, revistas, viagens de membros dos aparelhos
dirigentes ao exterior, férias anuais em casas de repouso na Criméia, educação
política e treinamento de quadros nas escolas do partido, em Moscou, inclusive
treinamento militar e outros tipos de auxílio.
Muitos negócios no comércio exterior foram facilitados
graças à interferência do Departamento de Relações Internacionais do PCUS, ao
qual se vinculavam os partidos comunistas de todo o mundo, através de um
“referente” (membro do aparelho do Departamento de Relações Internacionais
responsável pelos assuntos de um PC determinado, encarregado de encaminhar e
buscar solucionar todos os problemas, que ordinariamente surgiam, envolvendo o
partido comunista ao qual ministrava assistência). O “referente” fazia também
as vezes de “perevodchic” (intérprete) quando das reuniões de visitantes
comunistas com funcionários de maior hierarquia do PCUS. Os “referentes” sempre
conheceram de perto e influenciaram nas lutas internas dos partidos comunistas
aos quais davam assistência política.
Nos casos de intermediação de negócios de comércio exterior,
os partidos comunistas recebiam comissões por parte das empresas nacionais que
haviam sido ajudadas. Mas, na medida em que o socialismo real se foi
degradando, particularmente após 1985, quando Gorbachev assumiu o Poder na
URSS, sua decadência influenciou negativamente sobre esses negócios, bem como
sobre os empreendimentos partidários, pois nenhum deles conseguiu adaptar-se à
situação de livre mercado.
Na Rússia de hoje, conforme a imprensa dá conta
quotidianamente, o fim do PCUS deixou a várias frações e diversos ex-dirigentes
pós-soviéticos alguns negócios, dando origem ao que hoje é denominada máfia
russa.
Depois que o PCUS foi formalmente colocado na ilegalidade e
declarado extinto por Boris Yeltsin, em agosto de 1991, seus arquivos secretos
foram abertos e, alguns deles, rapidamente fechados.
Valentin Falin, último chefe do Departamento de Relações
Internacionais do PCUS, que em fins de 1992 solicitou e obteve asilo político
na Alemanha – onde havia sido embaixador – declarou que “em meados de março de
1990, uma grande injeção financeira foi recebida pela maioria dos partidos
comunistas estrangeiros. O da França recebeu US$ 2 milhões, o do Chile US$ 700
mil, os da Alemanha e Portugal US$ 500 mil cada um, o do Líbano US$ 400 mil, o
de Luxemburgo US$ 270 mil, e os da Índia e Argentina US$ 250 mil cada um”
(jornalNovedades, Moscou, 27 de setembro de 1992).
Também o livro “A Conspiração do Kremlin”, escrito
conjuntamente pelo Procurador-Geral da Rússia, Valentina Stepankov, por seu
segundo, Evgueny Lisov, e pelo jornalista Pavel Nikitin, assinala que o PCUS
doava cerca de US$ 20 milhões de ajuda financeira, anualmente, aos partidos
comunistas e organizações revolucionárias de todo o mundo. Esse montante é
considerado correto pelo general da KGB, hoje na reserva, Nokolai Leonov.
Todavia, a imaginação criadora daqueles que geriam os fundos
financeiros do PCUS não tinha limites. Havia outras formas de enviar dinheiro
aos partidos comunistas estrangeiros. A Federação Sindical Mundial, a Federação
Mundial da Juventude Democrática, a União Internacional de Estudantes, a
Federação Democrática Internacional de Mulheres, e outras entidades que
integravam o Movimento Comunista Internacional, também possuíam seus canais, se
bem que mais modestos, de remeter ajuda fraternal às entidades similares dos
países do Ocidente.
Essa tarefa de auxílio aos revolucionários de todo o mundo
teve início em 1920, logo depois da Revolução Bolchevique, através do Serviço
de Relações Internacionais do Komintern, entidade conhecida pela sigla OMS
(Otdel Mezhdunarodnykh Suyasey), que era a alma do aparato secreto do
Komintern, pois controlava os códigos para a transmissão e o recebimento de
mensagens, bem como as planilhas sobre o financiamento aos partidos comunistas,
que eram manuscritas, a fim de que delas não tomassem conhecimento olhares
menos confiáveis.
Existiam, então, representantes do OMS em todo o mundo, aos
quais cabia a tarefa de fazer chegar essa ajuda fraternal a quem de direito.
Esses representantes, contudo, não devem ser confundidos com os dirigentes do
Komintern enviados ao exterior para educar na doutrina científica os membros
dos partidos comunistas estrangeiros.
Os partidos comunistas da América Latina, por exemplo,
durante toda a existência doKomintern, desativado por Stalin em maio de 1943,
receberam a ajuda financeira através doBureau Sul-Americano, em Buenos Aires e,
posteriormente, em Montevidéu.
Nesse sentido, é edificante o quadro publicado por William
Waak, na página 210 do seu livro “Camaradas”, relacionando “os gastos
justificados ao Komintern de abril a setembro de1935” com a conspiração que
resultou na Intentona Comunista. Segundo esse quadro, desde então, Luis Carlos
Prestes era um assalariado do Komintern, recebendo a quantia de US$ 1.714,00.
A nova situação criada com o fim da União Soviética e o
desmantelamento do PCUS afetou fundamentalmente as finanças dos partidos
comunistas de todo o mundo, que a partir de 1992 não mais receberam a ajuda
fraternal à qual haviam se acostumado por 70 anos, levando à falência os
jornais, revistas, gráficas, editoras e demais empreendimentos da maioria –
senão de todos - os partidos comunistas do mundo.
A bem da verdade, deve ser assinalado que essa múltipla
colaboração, sob a hegemonia do PCUS e sob a égide do Movimento Comunista
Internacional, não obscurece o talento e o sacrifício de milhares de militantes
que integraram os aparatos anônimos dos partidos comunistas de todo o mundo,
que participavam de comícios, greves políticas, distribuição de panfletos e
colagem de cartazes, tarefas essas que marcaram a ferro e fogo as
personalidades da grande maioria desses anônimos que fizeram dessa profissão o
seu modo de vida e jamais conheceram outro, e da vida um alheamento da
realidade. Profissão que deglutiu famílias e pessoas diabolicamente convencidas
de estarem lutando por um mundo melhor.
A esses, o dinheiro nunca chegou. Viviam como pedintes, do
que era denominado “circulismo”. Isto é, de arrecadar dinheiro em seu círculo
de amigos, colaboradores e simpatizantes. Muitos desses militantes agora
perguntam: “O que se passou, kamarada?”. Nada, apenas o tempo...
Contraditoriamente, o Partido (com inicial maiúscula) sempre
valorizou e considerou mais útil a seus interesses estratégicos um homem tido
como de direita, com acesso aos organismos empresariais ou de Segurança, que um
provado e leal militante. Essa foi a realidade. Realidade que não significou,
absolutamente, o fim da História. Pelo contrário, o mundo encontra-se apenas no
início de um período duvidoso, carregado de imponderáveis.
Mais perigoso que o dos tempos da Guerra Fria. As
perspectivas são várias e as diversas conjecturas estão em aberto.
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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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