Por Percival Puggina
Quando nossos filhos
eram pequenos, alugamos certa feita uma casa de veraneio cujo sótão servia de
moradia a algum animal que emitia guinchos finos e esganiçados semelhantes ao
riso humano. Na primeira vez em que foi ouvido, as crianças, assustadas, perguntaram
o que era e eu respondi em tom casual sem dar muita importância: “É o
Risadinha. Não é possível vê-lo, mas ele mora aí em cima”. E o Risadinha acabou
incorporado para sempre ao folclore familiar, sendo evocado cada vez que se
escuta algum rangido ou uma porta bate inesperadamente.
Você acredita nessas coisas? Boitatá, lobisomem, risadinha?
Todas são muito facilmente acolhidas pelo imaginário infantil e perdem o
sentido, é claro, perante a razão dos adultos. Mas há outras assombrações mais
sérias. São concebidas com objetivos políticos e, submetidas a um tratamento
gramscista, produzem extraordinário efeito sobre muitas mentes maduras. A
técnica empregada envolve conhecimentos de psicologia de massas, mas é de
concepção simples, consistindo em criar uma palavra, atribuir a ela o pior dos
sentidos, mencioná-la milhões de vezes e associá-la aos adversários.
Gradualmente, o novo fantasma entra para o vocabulário comum e se converte, não
apenas em algo real, mas numa entidade horripilante, da qual é necessário fugir
em disparada ante a menor manifestação de sua existência. Pronto, está criado o
Risadinha para gente grande.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com o vocábulo – desculpem
ter que usá-lo – “neoliberalismo”. É possível que o leitor destas linhas, à
simples menção da palavra, já tenha sentido o sangue gelar nas veias. Afinal,
neoliberal é agente do demo, solto pelo mundo para perder as almas, certo?
Todos estarão lembrados das obras mais macabras atribuídas
ao tal... – tá bom, você sabe do que estou falando. Entre seus piores
quebrantos se incluíam: Plano Real, privatizações, responsabilidade fiscal,
superávit primário, economia de mercado, pagamento da dívida externa,
agronegócio, exportações, e inserção no mercado globalizado. Ante a menor referência
a qualquer desses tópicos, os caça-fantasmas punham-se a campo, como anjos do
Senhor, bradando enxota-diabos e denunciando cheiro de enxofre. Trata-se,
porém, como se viu, de uma pantomima.
Da mesma forma como o discurso contra as medidas
"neoliberais" acabou levando o PT ao governo, aquelas mesmas medidas
sustentaram o discurso fanfarrão de Lula durante oito anos. A lua de mel com a
fartura, em praia calma, vento suave e céu azul não pode durar sempre. As
prodigalidades se juntaram às tormentas internacionais. E o país passou a andar
para trás. E se alguém, com um pingo de lucidez, diz ser isso o que está
acontecendo, lá vem o governo com seu Risadinha de gente grande a esconjurar,
desta feita, "o mercado".
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* Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor,
titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais
e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da
utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.
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