Por Carlos I. S. Azambuja
“Se você quiser ganhar dinheiro fácil, funde uma ONG de
esquerda. Chove dinheiro. Por isso elas estão se propagando como ratos. Invente
um título bem genérico e apelativo, como "Instituto de Combate à
Desigualdade Social", ou, mais amplo ainda, "Instituto Latino
Americano", “Instituto de Estudos Sócio-Econômicos”. Alugue uma ou duas
salas bem situadas, equipando-as com o que houver de mais moderno. Abra um site
na Internet. Registre-a como entidade não lucrativa, claro. Nomeie uma
diretoria, da qual você é o presidente. E basta. Os objetivos declarados serão
tão abstratos e imprecisos quanto inatacáveis: ”combater a desigualdade
social“, “lutar contra a discriminação racial, ou de gênero",
"assessorar projetos sociais", etc. etc. Generosas contribuições
virão de todo o mundo” (“O Dinheiro das Esquerdas”, Nelson Lehmann da Silva,
maio de 2002)
Segundo Luis Alberto Lacalle, ex-presidente do Uruguai, “a
substituição dos partidos e do parlamento pelas ONGs aliadas aos meios de
comunicação é outro grande perigo (...) Carecem de legitimidade, mas interferem
no desenrolar dos assuntos públicos” (“As Ameaças à Democracia em nosso
Tempo”).
O texto abaixo, com críticas às atividades de ex-comunistas
- denominados de pós-marxistas– bem como aos vínculos desses pós-marxistas com
Organizações Não-Governamentais (ONGs) foi extraído do livro “Neoliberalismo: América
Latina, EUA e Europa”, de autoria do escritor marxista e professor de
Sociologia na Universidade do Estado de New York, James Petras. O livro foi
lançado no Rio de Janeiro em 20 de maio de 1999 pela Edifurb, com a presença do
autor. O texto não pode ser considerado, portanto, como mais uma matéria
produzida pela direita ensandecida com a finalidade de difamar a ideologia
científica e seus seguidores.
Escreveu James Petras que os intelectuais ex-marxistas, que
ele denomina de pós-marxistas, após a queda do socialismo real vêm criticando o
marxismo valendo-se de uma série de argumentos básicos. Uma crítica arrasadora
aos principais postulados do marxismo. Vejam:
- o socialismo foi um fracasso e todas as teorias gerais das
sociedades estão condenadas a repetir esse processo porque refletem um mundo de
idéias dominado por um único sistema racial/cultural/de gênero;
- a ênfase marxista colocada na classe social é
reducionista, porque as classes estão se dissolvendo e agora os principais
pontos de partida são culturais e enraizados em diversas entidades: raça,
gênero, etnia, preferência sexual;
- o Estado é um provedor corrupto e ineficiente de bem-estar
social. Em seu lugar, a sociedade civil é a protagonista da democracia e da
melhoria social;
- o planejamento centralizado leva à burocracia e é um
produto dela;
- a luta da esquerda tradicional pelo Poder estatal é
corruptora e leva a regimes autoritários, os quais subordinam a sociedade civil
ao seu controle;
- as revoluções sempre acabam mal: as transformações sociais
ameaçam provocar reações autoritárias. A alternativa é lutar pela consolidação
das tradições democráticas para salvaguardar os processos eleitorais;
- a solidariedade de classe faz parte das ideologias do
passado, refletindo políticas e realidadesantigas. Não existem mais classes;
- a luta de classes e o confronto não produzem resultados
tangíveis, provocam derrotas e não conseguem solucionar problemas imediatos;
- o anti-imperialismo é outra expressão do passado que
sobreviveu à sua época. Na economia globalizada de hoje não há possibilidade de
um confronto entre os centros econômicos.
Alguns pós-marxistas passaram a defender a idéia de que a
fonte de Poder está nos novos sistemas de informação, nas novas tecnologias e
naqueles que os gerenciam e controlam. A sociedade, segundo essa visão, estaria
evoluindo para uma sociedade de novo tipo, na qual os operários irão
desaparecendo em duas direções: para cima, integrando-se à nova classe média, e
para baixo, juntando-se à sub-classe marginal do trabalho informal.
Uma visão pessimista dos pós-marxistas relaciona o declínio
da Esquerda Revolucionária à queda do socialismo real no Leste, à crise do
marxismo, à perda de alternativas e ao vigor dos EUA. Todos esses argumentos
são mobilizados para instigar a Esquerda a apoiar o possibilismo, ou seja, a
necessidade de se trabalhar dentro dos nichos do livre-mercado impostos pelo
Banco Mundial e pela agenda de ajustes estruturais, para confinar os políticos
a esses parâmetros. Em suma, os pós-marxistas decidiram que as revoluções são
coisa do passado.
Explica James Petras que os possibilistas adaptaram-se ao
Neoliberalismo, aprofundando as suas políticas de livre-mercado, e muitos deles
impondo medidas novas e cada vez mais austeras para manterem o Poder, passando
à condição de eficientes e honestos gerentes do Neoliberalismo, capazes de
garantir a confiança dos investidores e de pacificar as inquietações sociais. A
luta de classes é encarada por eles como sendo um atavismo do passado que não
mais existe.
O anti-imperialismo, prossegue Petras, desapareceu do
vocabulário político dos pós-marxistas. A grande maioria dos ex-guerrilheiros
da América Central, ex-sandinistas e ex-farabundistas, tornaram-se políticos e,
agora, solicitam cada vez mais ajuda imperialista. Seus problemas não são mais
os investimentos estrangeiros, mas a sua ausência.
No entanto, grandes setores de trabalhadores e camponeses,
que antes estavam no mercado formal de trabalho, agora estão homogeneizados e
com uma mobilidade para baixo. Isso gera uma grande possibilidade de ação
revolucionária unificada. Em uma palavra: há uma identidade comum de classe que
se constitui no terreno para organizar a luta dos pobres.
Ainda segundo Petras – um marxista, recorde-se -, uma das
principais críticas dos pós-marxistasao marxismo é a noção de que o Poder
estatal corrompe e que a luta pelo mesmo é o pecado original. Eles argumentam
que isso se deve ao fato de que o Estado está tão distante do cidadão, que as
autoridades tornam-se autônomas e arbitrárias, esquecendo as metas originais e
visando os seus próprios interesses. Hoje, as políticas de ajuste estrutural
nos níveis nacional e internacional geram pobreza e desemprego, exaurindo
recursos locais e obrigando as pessoas a migrar ou a se envolver no crime.
Para legitimar seu papel, os profissionais pós-marxistas das
ONGs, como agentes do que passaram a chamar de “comunidades democráticas de
base”, tendem a se desfazer da Esquerda em nível de Poder estatal. Os gerentes
pós-marxistas das ONGs tornaram-se peritos na elaboração de projetos e em transmitir
a nova identidade e o jargão globalista aos novos movimentos populares.
Os pós-marxistas têm-se adaptado e aprofundado as suas
políticas de livre mercado, promovendo-se à condição de eficientes e honestos
gerentes do Neoliberalismo, capazes de garantir a confiança dos investidores e
de pacificar as inquietações sociais. Dão ênfase à auto-gestão, ao atacar o
paternalismo e a dependência ao Estado. Nessa competição entre as ONGs para
cativar as vítimas do Neoliberalismo, os pós-marxistas recebem importantes
subsídios de seus parceiros da Europa e dos EUA. A ideologia de auto-gestão dá
ênfase à substituição dos funcionários públicos por voluntários e por
profissionais contratados temporariamente.
A prática marxista de solidariedade envolve, hoje, intelectuais
que escrevem e falam em favor dos movimentos sociais em luta, engajados e
dispostos a compartilhar as mesmas conseqüências políticas. A prática de
solidariedade está ligada aos intelectuais orgânicos que fazem parte do
movimento. Por outro lado, os pós-marxistas estão imersos no mundo das
instituições, dos seminários acadêmicos, das fundações estrangeiras, das
conferências internacionais e dos relatórios burocráticos. Eles escrevem num
jargão pós-moderno e esotérico, somente compreendido pelos já iniciados.
Para os pós-marxistas, o principal objetivo é conseguir a
ajuda financeira estrangeira para o projeto. Na nova condição de gerentes de
ONGs, são eles fundamentalmente atores políticos, cujos projetos, treinamentos
e workshops não têm nenhum impacto econômico significativo, tanto sobre o
Produto Interno Bruto quanto sobre a diminuição da pobreza. Mas as suas
atividades, segundo Petras, essas sim, têm impacto, pois desviam o povo da luta
de classes para formas inofensivas e ineficientes de colaboração com os seus
opressores.
Fonte: Alerta Total
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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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