Por Percival Puggina*
Ouvi pelo rádio o pronunciamento da presidente. Sem dúvida,
ela percebe a República como artigo de consumo e a nação como um bando de
idiotas. Valendo-se da oportunidade proporcionada pelo Dia do Trabalho, os
marqueteiros que servem à candidata procuraram afastar as inquietações da
sociedade com relação ao futuro próximo e dissipar, com esquivos circunlóquios,
as pesadas acusações que pairam sobre a patroa e sobre seu governo. O tom do
discurso se torna indesculpável porque foi inteiramente concebido, parágrafo
por parágrafo, à luz da queda de prestígio da candidata do continuísmo. A
pesquisa eleitoral divulgada na véspera apontava um tombo espetacular nos
índices da presidente. Reduzira-se em 10 pontos a distância que a separa do
segundo colocado. Subira para 43% seu índice de rejeição, que é a mais
importante informação quando a campanha sequer iniciou, superando as intenções
de voto, que desceram aos 37%. Para quem sonhava com vitória no primeiro turno,
haver mais eleitores dizendo que não votariam nela em hipótese alguma do que
votantes dispostos a fazê-lo gera uma situação alarmante. É exatamente esse o
fundo de cena em que se deve apreciar a lamentável fala presidencial do dia 30
de abril.
Tomemos, por exemplo, o caso dos bilionários escândalos
envolvendo a Petrobras. Como se resume o que disse a presidente em relação ao
tema? Que tudo será rigorosamente investigado (embora ela tenha procurado
impedir e, depois, tentado bagunçar a CPI proposta para essa investigação).
Afirmou, também, que não admitia o uso político do assunto para depreciar e
prejudicar a empresa. Pura retórica de militante petista. Quem vem fazendo, há
11 anos, uso político da Petrobras são os governos petistas, que dela se servem
para arregimentar apoio parlamentar, fatiando-a entre as siglas da base e
malbaratando os incertos recursos do pré-sal como se fossem um ativo político
do PT e não uma futura riqueza do país. Como consequência, derrubaram a
Petrobras do 12º lugar entre as grandes empresas mundiais para a 120ª posição.
Prejudicar a empresa é o que o governo vem fazendo e não quem cumpre o
incontornável dever de defendê-la de maus tratos e malfeitos.
O discurso presidencial estaria perfeito num comício de
campanha. Usou à exaustão expressões que apontam para um horizonte posterior:
"continuar na luta", "continuar fazendo", "continuar
as mudanças", "seguir adiante", "mudar mais rápido",
"recomeçar mais fortes", "continuar a política de
valorização", "meu governo será sempre", coroando com um happy
end: "Quem está do lado do povo pode até perder algumas batalhas, mas sabe
que no final colherá a vitória".
Assistiu-se a um conjunto de piruetas retóricas, habilmente
construídas por marqueteiros. Houve uso do horário nobre de televisão para
falar sem contraditório a 80% dos brasileiros, posto que as oposições não
dispõem de igual recurso. Alguém pode achar que foi simples deselegância, falta
de fair play, ou algo assim. Mas não é. Tem todo o jeito de crime eleitoral.
Alguns partidos, aliás, já anunciaram que vão recorrer à Justiça denunciando o
fato como um formidável abuso de poder contra o princípio de isonomia que deve
reger uma correta disputa política. Age contra a democracia e contra os mais
comezinhos princípios quem se vale do poder em benefício próprio e usa recursos
que são de todos para obter votos para si. A presidente, ao ensejo do dia 1º de
Maio, valendo-se das comemorações do Dia do Trabalho, promoveu consistente e
inequívoca demonstração daquilo que pretendeu negar: os negligentes padrões
morais que caracterizam seu governo e seus associados. Com a palavra o TSE.
______________
*Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor,
titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais
e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da
utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia
Rio-Grandense de Letras.
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