sexta-feira, 21 de março de 2014

31 de Março (ou 1º de Abril?)

Por Hamilton Bonat


Fins de março. Ano, 1964. Sete horas da manhã. À entrada do colégio, um monitor aguardava para informar aos alunos que as aulas estavam suspensas. Todos deveriam aguardar em casa até serem avisados sobre o reinício das atividades escolares. Melhor notícia impossível! Adolescentes não gostam de madrugar todo dia para enfrentar maçantes aulas, professores exigentes e cobranças nas provas que definiriam, ao final do ano, quem fora aprovado e quem teria que explicar-se aos pais.

A situação devia ser grave, pois até os professores e monitores haviam sido mobilizados. O que eu e meus colegas guardamos na memória, é que tivemos quase trinta dias de inesperadas férias, tempo disponível para jogar nossas peladas e vagar de bicicleta pelas ruas seguras de uma Curitiba com pouca gente e raros automóveis.

Nossa moleza acabaria na segunda metade de abril. Foi preciso recuperar o tempo perdido, com aulas inclusive aos sábados. Nada se falou à respeito da situação política. O importante era preparar-nos intelectualmente para o futuro. Em quartel, e colégio militar não deixa de sê-lo, até hoje, política e religião não se discute. Podem gerar polêmicas acaloradas, levam à discórdia. Além do mais, como gato escaldado, as Forças Armadas sabiam quantas vidas lhes custara a politização dos quartéis. Só para citar um exemplo, em 1935, centenas de militares haviam sido assassinados por outros militares.

Foi bem esse o ambiente que eu posteriormente vivenciaria por mais de 41 anos de serviço. No quartel, só deveria existir uma religião, um partido e uma ideologia, que atendia pelo nome de Brasil. Sua defesa e, por que não, o seu progresso, representavam um ideal. As Forças Armadas, por serem instituições nacionais, tinham que ser integradas por nacionalistas. Até hoje nos criticam por isso, mas em todo o mundo é assim. Estaria errado se não fosse.

Críticas também sempre houve quanto à presença fardada na política. Historicamente, desde a Independência, ela influenciou e, ao mesmo tempo, foi influenciada pelos políticos. As tentativas de cortar essa relação podem ser sintetizadas pelas mudanças de endereço da escola encarregada de formar os oficiais do exército. Assim, em 1904, a Escola Militar saiu da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, Capital da República, para o então longínquo bairro do Realengo. A experiência não daria resultado, pois o movimento tenentista, iniciado na década de 1920, seria conduzido por ex-cadetes do Realengo. Diga-se de passagem, ele mostrou-se fundamental para a evolução da república e da democracia.

Mais tarde, os próprios chefes militares, sob aplausos acalorados de políticos interesseiros, decidiram afastar ainda mais os cadetes do centro do poder. Assim, em 1944, foi inaugurada a Escola Militar de Resende, atual Academia Militar das Agulhas Negras. Seu currículo voltou-se, essencialmente, para a formação de profissionais das armas. A política, que se deixasse para os políticos. Foi lá, numa das melhores academias militares do mundo, que se moldaram as novas gerações de oficiais, inclusive a minha. Mas, ao que parece, quanto mais essas gerações passaram a dedicar-se somente à defesa da Nação e menos à política partidária, mais foram sendo menosprezadas pelos políticos (dos quais se afastaram) e, sistematicamente, criticadas pela imprensa, que parece não entender-lhes o papel.

Confesso que não pretendia escrever sobre os 50 anos do 31 de março. Muita gente, bem ou mal intencionada, tem-no feito. Só decidi ao deparar-me com o texto de um brilhante articulista, onde se lê: “Março de 1964 marca o início de uma escalada que culminou em 1º de abril e instalou uma ‘sangrenta’ ditadura militar…” Ora, se houve por aqui cerca de trezentas lamentáveis mortes, cabe questionar: ao taxá-la de “sangrenta”, a que país ele estaria se referindo? À França da guilhotina, à União Soviética de Stalin e seus gulags, à China da revolução cultural de Mao, à Cuba do paredón de Fidel, ao Chile ou, quem sabe, à Argentina?

Essas, e muitas outras, são histórias que, por conta do 1º de Abril, ficam escondidas e que as dezenas (sustentadas pelo pobre contribuinte) de comissões da verdade fazem questão de não mostrar. Não resta dúvida de que, até o fim deste mês, haverá um bombardeio de críticas. Muito mais se contará. Mais ainda se esconderá.

Se os jovens adolescentes da década de 1960 pudessem fazer apenas um pedido à classe política, creio que seria no sentido de que, passado o 31 de março, ela assegurasse aos jovens de hoje a mesma paz que tiveram para crescer. Afinal, não seria “sangrento” um país, como o nosso, onde ocorrem mais de 50 mil mortes violentas por ano?

À imprensa, o apelo pessoal do meu deformado nacionalismo seria no sentido de que, cessado o bombardeio, ela aprofundasse mais as informações sobre as ONGs estrangeiras, instrumentos do neocolonialismo a que estamos sendo submetidos e que visa, em última instância, impedir nosso desenvolvimento.


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