A mente comunista não funciona segundo os cânones da
psicologia usual, mas segue uma lógica própria onde se misturam, em doses
indistinguíveis, a habilidade dialética, o auto-engano histérico e a
mendacidade psicopática.
Meu artigo anterior suscitou uma pergunta interessante na
área de comentários: Se há tanta gente nas altas esferas colaborando com o
comunismo, como é que ele ainda não dominou o mundo?
A primeira e mais óbvia resposta é que “o comunismo” como
regime, como sistema de propriedade, é uma coisa, e o “movimento comunista”
enquanto rede de organizações é outra. O primeiro é totalmente inviável, mas
por isso mesmo o segundo pode crescer indefinidamente sem jamais ser obrigado a
realizá-lo, limitando-se, em vez disso, a colher os lucros do que vai roubando,
usurpando, prostituindo e destruindo pelo caminho.
São duas faixas de realidade completamente distintas, que se
mesclam numa confusão desnorteante sob a denominação de “comunismo”.
Uma analogia tornará as coisas mais claras. Nenhum ser
humano pode levar uma vida razoável com base numa loucura, mas, por isso mesmo,
nada o impede de ficar cada vez mais louco: ele se estrepa, mas a loucura
progride. A força da loucura consiste
precisamente em furtar-se ao teste de realidade. Os comunistas não podem
realizar a economia comunista. Se têm uma imensa facilidade em arrebanhar pessoas
para que lutem por esse fim irrealizável, é precisamente porque ele é
irrealizável, o que é o mesmo que dizer: inacessível a toda avaliação objetiva de resultados. Jamais
existirá uma economia comunista da qual seus criadores digam: “Eis aqui o comunismo realizado. Podem julgar-nos e dizer se
cumprimos ou não as nossas promessas.” É da natureza mais íntima do ideal
comunista ser uma promessa indefinidamente auto-adiável, imune, por isso, a
todo julgamento humano. Seu prestígio quase religioso vem exatamente disso: o
comunismo traz o Juízo Final do céu para a Terra, mas também sem data marcada.
Daí o aparente paradoxo de um movimento que, quanto mais
cresce e mais poderoso se torna, mais se afasta dos seus fins proclamados. A
esse paradoxo acrescenta-se um segundo: quanto mais se afasta desses fins, mais
o movimento está livre para alegar que foi traído e que tem direito a uma nova
oportunidade, com meios mais “puros”. Mas o paradoxo dos paradoxos reside numa
faixa ainda mais profunda. Se alguém diz que vai fazer o impossível, com
certeza não fará nada ou fará outra coisa. Se fizer, poderá ao mesmo tempo dar
a essa coisa o nome daquilo que pretendia e alegar que ela ainda não é, ou que
não é de maneira alguma, aquilo que pretendia. Daí a ambigüidade permanente do
discurso comunista, que pode sempre se alardear um movimento poderoso destinado
a uma vitória inevitável, e ao mesmo tempo minimizar ou negar a sua própria
existência, jurando que ela não passa de uma “teoria da conspiração”, de uma
invencionice de lacaios do capital.
É alucinante, mas é o que acontece todos os dias.
Definitivamente, a mente comunista não funciona segundo os cânones da
psicologia usual, mas segue uma lógica própria onde se misturam, em doses
indistinguíveis, a habilidade dialética, o auto-engano histérico e a mendacidade
psicopática.
Por isso mesmo é que o crescimento vertiginoso do movimento
comunista acompanha, pari passu, não a decadência do capitalismo, mas a
escalada do seu sucesso. O comunismo como regime, como sistema econômico, não
existe nem existirá nunca. O comunismo só pode existir como movimento político
que vive de parasitar o capitalismo e, por isso mesmo, cresce com ele.
Mas, por mais que sobreviva e se fortaleça, o corpo
parasitado não sai ileso da parasitagem: limitado cada vez mais à função de
fornecedor de recursos e pretextos para o parasita, ele vai perdendo todos os
valores morais, religiosos e culturais que originalmente o inspiraram e
reduzindo-se à mecanicidade do puro jogo econômico, cada vez mais fácil de
criticar, enquanto o parasita se adorna de todo o prestígio da moral e da
cultura.
O modus operandi dessa parasitagem é duplo: de um lado, as
economias comunistas só sobrevivem graças à ajuda capitalista vinda do
exterior. De outro lado, em cada nação, o crescimento da economia capitalista alimenta
cada vez mais generosamente a cultura comunista.
Na mesma medida em que a mais absoluta inviabilidade impede
a construção da economia comunista, o comunismo militante alcança vitória atrás
de vitória no seu empenho de transformar o capitalismo numa geringonça infernal
e sem sentido.
Toda a lógica do comunismo, em última análise, deriva da
idéia hegeliana do “trabalho do negativo”, ou destruição criativa. Mas
“destruição criativa” é apenas uma figura de linguagem, uma metonímia. A
destruição de uma coisa só pode dar lugar ao crescimento de outra se esta for
movida desde dentro por uma força criativa própria, que nada deve à
destruição. Esperar que a destruição,
por si, crie alguma coisa, é como querer que nasça um pinto de um ovo frito.
Publicado no Diário do Comércio.
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