Dilma garantiu a Mujica o apoio brasileiro. Clique aqui. |
O Brasil está em vias de entrar em uma polêmica no Mercosul
ao apoiar um superporto no Uruguai que poderá roubar cargas dos terminais
brasileiros. O apoio brasileiro, repetindo um financiamento a Cuba, deve ser
forte: cerca de US$ 1 bilhão do BNDES, recursos do Orçamento, via Fundo de
Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), e conhecimento técnico, segundo
fontes que acompanham a negociação. As conversas entre Brasil e Uruguai para a
construção de um porto de águas profundas estão a pleno valor.
Maior oferta de frequências marítimas, fretes mais baratos,
tempo de deslocamento menor e, principalmente, possibilidade de alcance do
mercado asiático pelo Estreito de Magalhães (na extremo sul do continente), em
condições de concorrência com o Canal do Panamá, atraem o Brasil. Operadores
portuários brasileiros, no entanto, temem uma concorrência com um porto mais
moderno, mais capacitado e menos burocrático (e caro) que os nacionais,
principalmente no Sul do Brasil.
O empreendimento será construído em Rocha, cidade a 288
quilômetros de Rio Grande (RS), onde está um dos mais importantes portos
brasileiros. O projeto uruguaio, segundo os estudos atuais, é ousado: calado
(profundidade) de 20 metros, que permite a atracação de navios com capacidade
para até 180 mil toneladas. Os portos do Sul do Brasil têm, no máximo, 14
metros de calado e recebem navios com capacidade de até 78 mil toneladas. O
porto uruguaio pode sugar cargas da região, afetando Sul e Centro-Oeste do
Brasil, Paraguai, Bolívia e Norte e Centro da Argentina.
Caso o empreendimento de fato saia do papel, poderá contar
não só com recursos do BNDES e do Focem, como do Programa de Financiamento às
Exportações (Proex), que prevê, por exemplo, subsídios para tornar a taxa de
juros compatível com as do mercado internacional.
Do tamanho de Paranaguá e Rio Grande juntos
Como os navios no mundo são cada vez maiores, para ganho de
escala, o porto deve se consolidar como parte das grandes rotas
intercontinentais, deixando os terminais brasileiros de fora. O próprio governo
uruguaio publica em sua página na internet algumas estimativas sobre o novo
porto, que em 2025 deve movimentar 87,5 milhões de toneladas, mais do que a
soma dos terminais de Paranaguá (no Paraná, com 44,7 milhões de toneladas em
2013) e de Rio Grande (com 33,2 milhões de toneladas em 2013) juntos.
O preço será competitivo no porto uruguaio. Nas rotas para
China, Japão e Sudeste Asiático, a tonelada transportada pode ficar entre US$
12,50 e US$ 22,50 mais barata, enquanto para a Europa a redução de custos pode
chegar a US$ 3,50 por tonelada.
A polêmica portuária já existe entre Uruguai e Argentina,
que dividem o Rio da Prata, onde estão os principais portos dos dois países.
Uruguaios acusam os argentinos de dificultarem os planos de dragagem para os
portos do país de Mujica, que seriam mais eficientes que os da terra de
Cristina Kirchner. O novo porto de Rocha, contudo, ficará em mar aberto, sem a
necessidade de envolvimento com a Argentina para resolver questões do uso comum
das águas da Bacia do Prata.O Paraguai, sem mar, exporta 90% de sua soja pela
Argentina, mas já está fechando um acordo com o Uruguai. E, agora, o Brasil
entra no circuito.
— Este é um projeto quase secreto, não temos informações. No
Brasil, o governo não coloca dinheiro nos portos, o setor está travado, mas o
governo estuda apoiar um porto no país vizinho que, sem a burocracia
brasileira, tende a ser mais competitivo que nossos portos. Vemos empresários
com temor de investir em terminais sem saber o que será este projeto — disse
Nelson Carlini, presidente do Conselho de Administração da LOGZ Logística
Brasil, que investe num terminal em Santa Catarina.
Wilen Manteli, presidente da Associação Brasileira dos
Terminais Portuários (ABTP), afirma que o problema não é o Brasil apoiar um
porto do Uruguai, mas a falta de investimentos aqui no país e uma estrutura
legal e burocrática que impede que os terminais nacionais sejam competitivos
internacionalmente. Ele disse que a secretaria de Portos confirmou que está
apoiando tecnicamente os uruguaios.
O BNDES afirma que o projeto não chegou à instituição, mas
fontes revelam que há tratativas e que o banco apoiaria o projeto. O
financiamento não seria à obra do país vizinho, mas se enquadraria na rubrica
de exportações de serviços brasileiros, caso uma empreiteira verde-amarela faça
as obras de Rocha, como é esperado.
É o mesmo modelo do adotado pelo banco para financiar em US$
685 milhões o porto de Mariel, em Cuba, reformado pela Odebrecht. Caso se
confirme o valor de apoio ao projeto estimado por fontes — US$ 1 bilhão — o
financiamento seria equivalente ao liberado pelo BNDES ao setor portuário no
Brasil em 2012, quando chegou a R$ 2,4 bilhões. Em 2014, o segmento deverá
receber mais R$ 1,8 bilhão do banco.
‘Não há transparência’
O governo do Uruguai não comentou o assunto, pois as
autoridades não estavam disponíveis nas últimas quarta e quinta-feiras. A
Semana Santa é ampliada no país vizinho e representa o maior feriado anual.
Ainda assim, a área de comunicação do governo confirma o projeto, que está em
fase de estudos. Não se sabe se ele seria licitado ou feito por meio de
parceria público-privada (PPP). Estudos preliminares indicam, por exemplo, que
parte dos minérios que deverão ser explorados em Mato Grosso do Sul e na
Bolívia passarão pelo local.
A senadora gaúcha Ana Amélia Lemos (PP) afirma que o porto
uruguaio prejudicará o Brasil: — Não podemos financiar e apoiar um porto no
Uruguai quando não se aplicam recursos no Brasil. E sabemos muito pouco sobre o
que realmente está ocorrendo, não há transparência.
De outro lado, Juan Carlos Muñoz, diretor do Centro de
Armadores Fluviais e Marítimos do Paraguai (CAFYM), afirma que seu país tem
interesse especial no empreendimento: — Já estamos conversando com produtores
brasileiros, de Mato Grosso do Sul, que poderão também exportar por lá,
utilizando nossa rede fluvial — disse ele, que espera comprar produtos brasileiros,
como ferro e aço, a partir de Rocha.
Uruguai já recebe informações técnicas
A fase atual é de conversas. O governo brasileiro se colocou
à disposição para cooperar na estruturação financeira e técnica do projeto, que
está em fase de elaboração. Os uruguaios já se beneficiam com informações
técnicas relacionadas à confecção do projeto em contatos com a Secretaria de
Portos.
— Nossa visão é que o porto deve contribuir para a
infraestrutura final, criando sinergia com os demais portos sul-americanos —
disse uma fonte do governo brasileiro envolvida nas discussões. Uma das
primeiras iniciativas tomadas foi recomendar ao governo uruguaio a realização
de estudo sobre complementaridade entre o novo porto e os terminais já
existentes.
O estudo será concluído ainda neste ano, segundo fontes
envolvidas no assunto. Segundo uma fonte, alguns aspectos ainda precisam ser
definidos, como a dimensão do porto, a estrutura jurídica e a logística de
acesso ao local. Esta fonte afirmou que é prematuro fazer considerações sobre
custos e prazos referentes à obra, localizada numa das regiões menos habitadas
do Uruguai e onde há perspectiva de exploração de minério de ferro e de aumento
na produção de grãos.
O projeto do porto faz parte da agenda de alto nível entre Brasil
e Uruguai, criada em 2012 pelos presidentes Dilma Rousseff e José Mujica. Foi
instituído um grupo encarregado de impulsionar a integração física entre os
dois países, com ações nas vertentes rodoviária, ferroviária e hidroviária. (O
Globo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário