Editorial do Estadão - Domingo, 13/4/2014
Quando uma autoridade de primeiro escalão considera uma
indecência ser perguntado por um jornalista sobre um assunto que o incomoda;
quando acusa o profissional de atitude preconceituosa e desrespeitosa porque
faz perguntas cujas respostas interessam à opinião pública, mas não a ele;
quando, depois de responder de bom grado a todas as perguntas que lhe
interessavam, proclama que o representante de um órgão da imprensa não tem
legitimidade para questioná-lo - uma evidência se impõe: a autoridade está
completamente despreparada para o cumprimento de seu ofício.
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF),
assumirá a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), condição em que
estará no comando da fiscalização e do julgamento dos litígios legais do pleito
de outubro. Natural, portanto, que os cidadãos estejam interessados em saber o
que ele pensa sobre o papel da Justiça Eleitoral num momento certamente
decisivo para o País, quando estarão em jogo os mais importantes mandatos
executivos e legislativos, inclusive a Presidência da República. Com a intenção
de prestar esse serviço jornalístico, o repórter Roldão Arruda entrevistou Dias
Toffoli.
O resultado foi totalmente frustrante em termos de conteúdo,
diante das platitudes proclamadas, mas ao final o caçula da Suprema Corte
confirmou que se filia a uma conhecida corrente do pensamento - digamos assim -
político que tem ojeriza pelo dissenso e, quando se sente confrontado, apela
para o revide agressivo.
O ministro Toffoli já deveria saber, a esta altura da vida,
que numa sociedade democrática a imprensa verdadeiramente livre,
descompromissada com os interesses dos donos do poder ou de quem quer que seja,
tem não apenas o direito, mas o dever de fazer perguntas que eventualmente os
poderosos se sintam embaraçados para responder.
Esse direito e esse dever é que conferem à imprensa livre, a
este jornal, a seus repórteres, plena legitimidade para fazer perguntas que o
ministro tem medo de responder.
O final do diálogo entre o repórter e o ministro é
estarrecedor.
Repórter: "Ministro, o senhor já foi advogado do PT e
agora vai presidir o TSE. Há alguma incompatibilidade?". Toffoli:
"Você tem que perguntar isso para o Aécio Neves, o Eduardo Campos e a
Marina Silva. Não para mim". Repórter: "Por quê?". Toffoli:
"Ora, o que está no substrato de sua pergunta é uma indecência. É
preconceituosa e desrespeitosa. Você não tem legitimidade para me impugnar, nem
a mídia. Vá fazer a pergunta para o Aécio, o Eduardo e a Marina, porque eles
têm".
É difícil entender o que Aécio Neves, Eduardo Campos e
Marina Silva têm a ver com o fato de Toffoli ter sido advogado do PT, estar na
iminência de assumir a presidência do TSE e a possibilidade de isso resultar em
conflito de interesses.
Mas a evocação dos líderes políticos que no momento são os
principais adversários do PT certamente pode dizer muito sobre os reflexos
condicionados do ministro.
De qualquer modo, pelo menos quando se trata de fugir de
incompatibilidades, Toffoli traz consigo alguma experiência, como a que viveu
na fase de prejulgamento do mensalão. Incessantemente acossado por jornalistas
indecentes, preconceituosos e desrespeitosos que queriam a todo custo saber se
ele, por suas notórias ligações com o PT, não se sentia eticamente impedido de
participar do julgamento, simplesmente deu as costas a todos e foi fazer o que
sua convicção mandava.
Por uma questão de justiça, porém, não se pode deixar de
levar em consideração que o ministro Toffoli tenha lá suas razões para se
sentir inseguro - e melindrado - com a curiosidade malsã dos jornalistas.
Afinal, o dele é um caso raro, de pessoa que foi nomeada para compor a mais
alta Corte de Justiça do País depois de ter sido reprovado em concurso para
ingresso na Magistratura de primeira instância. Ou seja, deve seu sucesso às
notórias amizades.
Fonte: A Verdade Sufocada
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