Terminou agora há pouco o primeiro debate entre os
candidatos à presidência, organizado pela TV Bandeirantes. A verdade foi a
primeira sacrificada, como de praxe. A língua portuguesa a segunda, em época na
qual “nóis pega o peixe” passou a ser aceito como “apenas diferente”, e não
mais algo incorreto. Marina Silva não quer que a conquista do tripé
macroeconômico se “perda” (sic), o Pastor Everaldo quer que algo “seje” (sic)
destacado, e por aí vai.
Mas se a forma fosse o principal ponto fraco, até dava para
relevar. O problema é mesmo de conteúdo. Poucas propostas decentes, muita
enrolação, fuga pela tangente, dados infundados e promessas vazias. Um
espetáculo desprovido de essência, de solidez, de argumentos e propostas
efetivas. Perde a democracia, ou talvez seja esta a democracia possível para
nosso Brasil de hoje – quero crer que não. Abaixo, um rápido resumo de minha visão
por candidato:
Aécio Neves
Foi o que se saiu melhor, sem dúvida. Manteve a postura e a
calma, conseguiu colocar Dilma contra a parede em alguns momentos, como no caso
da Petrobras, em que lembrou da perda de mais da metade do seu valor nos
últimos anos e da transferência do noticiário econômico para o policial, com
tantos escândalos e um diretor importante preso. Perguntou se a presidente não
gostaria de aproveitar a oportunidade para pedir desculpas pela gestão
temerária, o que foi um tiro certeiro. Não fugiu do legado positivo de FHC, das
privatizações, como fizeram Alckmin e Serra antes. Soube explorar no final a
diferença da equipe técnica, a experiência de Armínio Fraga, contra eventuais
“aventuras” ou o “mais do mesmo”, que seria caótico. Teve uma tirada excelente
ao dizer que “o sonho de todo brasileiro é viver no Brasil da propaganda do
PT”. Só faltou emendar que o sonho da cúpula do PT é mais prosaico: sair da
prisão! Pecou pela pusilanimidade ao não explorar melhor o Decreto 8.243, de
viés bolivariano, preferindo falar em “preservar a separação dos poderes
constitucionais”, em vez de mastigar melhor a mensagem e lembrar que representa
o caminho da Venezuela, que o ex-presidente Lula considera viver em “excesso de
democracia”. Poderia ter marcado ponto ao defender uma redução da maioridade
penal logo de cara, o que não fez. E precisa maneirar nos termos para não
reforçar a imagem de elitista. Falar coisas como “avilta” e “estertores” é
música para nossos ouvidos, bem machucados pelos demais, mas não quer dizer
patavina para um público mais simples. Dito isso tudo, é realmente assustador
ver a (falta de) qualidade dos demais e pensar que Aécio poderá nem mesmo estar
no segundo turno, o que nos dá vontade de jogar a toalha em ato de desespero e
abandonar nosso país (o que, para a tristeza dos golpistas, não faremos).
Dilma Rousseff
Tensa, nervosa, na defensiva, e incapaz de responder uma só
pergunta de forma direta. Mas treinou antes as táticas de enrolar e fugir, ou
de defender o indefensável. Tenta se comparar ao governo FHC ignorando que foi
nele que a inflação começou a ser efetivamente derrotada e que parte da crise
na época foi causada pelo próprio PT e o risco Lula. Joga a responsabilidade
pela estagflação atual na crise externa. Essa terrível crise externa de que
Dilma tanto fala é aquela que fez os demais países emergentes crescerem mais
que o dobro do Brasil com menos da metade de inflação? Talvez tenha conseguido
enganar alguns incautos, mas em geral se saiu mal e deve ter perdido mais alguns
votos, ao menos aqueles que não foram comprados. Enfatizou a importância de um
plebiscito popular para uma nova Constituinte, o que é clara tentativa de golpe
para quem esteve mais atento nos últimos anos. Fugiu pela tangente quando
apertada sobre a relação promíscua com a ditadura cubana. Chamou a atenção,
também, o fato de que concentrou sua munição mais em Aécio, sendo que Marina
acaba de sair como favorita no segundo turno em nova pesquisa do Ibope. Será
que o PT não confia nessas pesquisas e acha que o alvo deve ser mesmo o tucano?
Marina Silva
Postura de Gandhi, de quem paira acima de todos, da disputa
partidária, o que é muito irritante para quem não sonha em “salvar o planeta”
só com uma bike e comendo alface. Soube explorar a comoção nacional bancando a
“viúva” política de Eduardo Campos. Não conseguiu escapar de suas contradições,
mas tampouco escorregou feio. Para seu público típico, diria até que foi bem,
pois quem acende sempre uma vela para o Diabo e outra para Deus tem como alegar
que defende tudo, ou que é contra tudo. Marina é a favor do agronegócio (agora)
e da ecologia sustentável. Quer aproveitar o melhor do PT e do PSDB, mas é a
resposta para quem não aguenta mais a polarização entre ambos (e finge não ter
sido do PT pelos últimos 30 anos). Ganhou pontos com os moderados quando,
rebatendo a uma pergunta de Luciana Genro, disse que não dá mais para defender
a velha esquerda que se julga dona da verdade absoluta (resta saber se ela não
se considera esquerda). Mas quando questionada sobre o programa Mais Médicos,
acabou o defendendo, ainda que como “paliativo”. É essa a “nova política” de
Marina? Um bolivarianismo paliativo?
Luciana Genro
Uma piada a candidata do PSOL! A velha esquerda caricata,
que “acusa” até o PT de neoliberal, lembrando que seu “papai” é não só do PT,
como da linha dura esquerdista. A candidata de Gregório Duvivier acha que todos
os males do mundo são responsabilidade do tal Capital Financeiro, um monstro
mais malvado do que Hitler, pelo visto, como disse jocosamente um amigo. Ela
quer combater a inflação com o MST! Mostra intolerância às religiões,
especialmente ao cristianismo. E parece crer que as grandes prioridades do país
são legalizar todas as drogas, o aborto e garantir mais direitos aos gays e
transsexuais. Enfim, o simples fato de alguém com tais “ideias” retiradas
diretamente de um panfleto marxista de um século atrás ser candidata e ainda
receber o apoio de artistas e “intelectuais” mostra o atraso de nossa política.
Pastor Everaldo
O discurso é bom, mas o mensageiro não convence. Como
brincou um leitor, parece que ele aprendeu sobre liberalismo pelo Twitter uma
semana atrás. Toca nos pontos certos, fala em estado mínimo, em menos Brasília e
mais Brasil, em federalismo com descentralização de poder, em reduzir a
maioridade penal e valorizar quem trabalha de verdade, em cortar ministérios,
até em privatizar a Petrobras! Mas fica tudo meio solto, sem convencer de
verdade, sem o devido embasamento. O discurso certo na pessoa errada.
Levy Fidelix
O mesmo vale aqui. Foi uma surpresa interessante no debate,
pois era um dos mais desconhecidos. Tem um jeito engraçado, e resolveu
“bombardear” Marina com uma pergunta. Quer privatizar até as prisões (o
discurso liberal vai ganhando força finalmente), liberar armas em casa para
legítima-defesa e reduzir a maioridade penal. Como o Pastor Everaldo, tem
discurso interessante, mas na fonte errada.
Eduardo Jorge
O candidato pelo PV foi a sensação da noite, pelo aspecto
pitoresco. Uma espécie de Tiririca entre os outros (Luciana Genro é concorrente
de peso quando tenta falar a sério). Pessoas maldosas poderiam até dizer que
ele consumiu alguma clorofila estragada ou que tinha alguma substância estranha
em sua granola. O fato é que o homem parecia ter saído de um hospício, e não
juntava muito o lé com o cré. Chegou a encurtar uma resposta a míseros dois
segundos, abrindo mão de seus três minutos, quando sabemos que o tempo é
precioso demais em
debates. Talvez estivesse com pressa para alguma coisa, em abstinência
de granola, com muita fome, não sabemos.
O resumo geral é que nossa democracia é mesmo dominada por amadores, malucos ou safados, e assusta, como já disse, o fato de que o candidato que se destaca em termos de postura e apresentação de ideias corra o risco de sequer chegar ao segundo turno. É de tirar nosso sono mesmo…
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