Por Merval Pereira - O Globo
O caso do jato Cessna que vem dando dor de cabeça à direção
do PSB por ser, ao que tudo indica, produto de uma obscura transação que
envolve laranjas e dinheiro não contabilizado, trouxe para a herdeira política
Marina Silva uma questão adicional, que reforça as supostas contradições de sua
candidatura.
Uma das empresas envolvidas na compra do jato é a
Bandeirantes Companhia de Pneus Ltda, que importa pneus usados, negócio
considerado como dos mais danosos ao meio-ambiente. A autorização de importação
de pneus usados, por sinal, foi uma das muitas brigas que Marina travou à
frente do ministério do Meio-Ambiente, e perdeu.
Em 2003, foi convencida pelo então ministro da Casa Civil,
José Dirceu, a recuar em sua posição contrária à importação de pneus em nome de
um “bem maior”, no caso a unidade do Mercosul. Isso por que, apesar de
oficialmente proibir a importação de pneus remodelados, o Brasil acata desde
2002 uma decisão do Tribunal Arbitral do Mercosul que obriga o país a aceitar a
entrada de pneus vindos do Uruguai.
Essa posição provocou decisões judiciais que trouxeram para
o país pneus usados dos Estados Unidos e da União Européia. Marina sempre
reclamou que a questão dos pneus era tratada como puramente comercial, sem que
fosse levado em conta seu lado ambiental. Seu objetivo, dizia, era fazer com
que o Brasil deixasse de ser uma "lata de lixo global" para os pneus
usados em outros países.
Sabe-se agora que a então denominada Bandeirantes Renovação
de Pneus foi beneficiada por um decreto assinado em 2011 pelo governador
Eduardo Campos, que ampliou seus benefícios fiscais, eliminando limites de
importação fixados anteriormente por decreto do ex-governador e hoje deputado
federal Mendonça Filho. Um dos sócios da hoje denominada Bandeirantes Companhia
de Pneus Ltda, Apolo Santana Vieira, responde a processos de sonegação fiscal
estimados em cerca de R$ 100 milhões devidos pela importação de pneus pelo
porto de Suape, em Pernambuco.
Unindo-se a natureza do empreendimento ao fato de que o uso
do avião não fora ainda declarado como doação de campanha eleitoral, com forte
cheiro de caixa 2, têm-se que a candidata Marina Silva está em uma situação no
mínimo delicada. A "nova política" que ela e Eduardo Campos pregavam
era transportada para cima e para baixo por um jatinho todo irregular,
financiado em última instância por uma atividade comercial que a ambientalista
Marina Silva repudia. E que recebeu estímulos fiscais de seu companheiro de
luta política anos antes de os dois se juntarem para tentar chegar ao Palácio
do Planalto.
A essa contradição da dupla anterior soma-se a atual, de ter
como companheiro de chapa o deputado Beto Albuquerque, que foi um dos líderes
da aprovação do uso de transgênicos no Congresso, derrotando a posição da então
senadora Marina Silva. Como a própria Marina explica agora, trabalhar com quem
discorda de seus pontos de vista mostra apenas que ela não é uma radical como a
acusam, e que sabe conviver com contrários.
No caso de Beto Albuquerque é uma verdade, pois trata-se de
um político correto que, ao que se sabe, estava em defesa dos agricultores do
Rio Grande do Sul no caso dos transgênicos, e não em alguma transação nebulosa.
Mas no caso da empresa de pneus usados, não há desculpa para receber doações de
campanha fora da legislação e de um empreendimento que considera nocivo ao
meio-ambiente.
Nem mesmo dizer que não fora informada de nada. Ao se juntar
à campanha de Eduardo Campos, tinha a obrigação de se informar desses detalhes,
justamente para não se ver em uma situação delicada como agora. Outra aparente
contradição, mas que desta vez trabalha a seu favor, é a nota do Sindicato dos
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Xapuri (Acre), fundado por Chico
Mendes, ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), que não gostou de ver
Marina colocá-lo como membro da "elite" brasileira, nem quer vê-lo
classificado como um "ambientalista", mas sim como
"sindicalista".
O sindicato também condena a política ambiental
"idealizada pela candidata Marina Silva enquanto Ministra do Meio
Ambiente, refém de um modelo santuarista e de grandes Ong's
internacionais". Ora, os próprios termos do debate mostram que a
ex-seringueira Marina Silva saiu do Acre para ganhar uma dimensão
modernizadora, com uma visão mais ampla da disputa política e da própria defesa
do meio-ambiente.
Fonte: A VerdadeSufocada
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