Por Rogério Werneck
No primeiro programa de propaganda eleitoral do PT, há uma
parte em que Lula reconhece tacitamente que Dilma tem pouco a mostrar. E tenta
convencer o eleitor a lhe dar outra chance: “...Eu quero falar especialmente
para você, que está em dúvida se deve votar ou não na Dilma. Eu lhe peço, vote
sem nenhum receio. Fique certo de que você não vai se arrepender.”
O que desperta interesse é a argumentação utilizada. Lula
começa por alegar: “O meu segundo mandato foi melhor do que o primeiro. Com
Dilma, tenho certeza de que vai ser assim também. No meu segundo mandato, eu
tive mais segurança, mais experiência e mais apoio para acelerar projetos que
estavam em andamento e para lançar muita coisa nova.”. E, em seguida, pergunta:
“Já imaginou o prejuízo que o país teria sofrido se eu não tivesse um segundo
mandato? Se outro qualquer tivesse chegado querendo inventar a roda e parado
quase tudo?”
Chama a atenção que, a essa altura dos acontecimentos, Lula
ainda queira fazer crer que seu segundo mandato foi melhor do que o primeiro.
Do ponto de vista do desempenho da política econômica, o primeiro mandato de
Lula foi muito melhor do que o segundo.
Superadas as tensões da metamorfose por que teve de passar o
PT na campanha eleitoral de 2002, o que se viu no primeiro governo de Lula foi
a manutenção da política macroeconômica que vinha sendo adotada no governo
anterior. Decisão sábia que propiciou rápida colheita de bons resultados. A
partir de 2004, a economia, ajudada pelo boom de preços de commodities, passou
a apresentar crescimento relativamente rápido, inflação baixa e contas externas
sólidas.
Mas é compreensível que Lula não guarde boas lembranças do
seu primeiro mandato. Tendo enfrentado com sucesso o desafio da política
econômica, seu governo se viu às voltas com dificuldades de outra ordem, na
esteira da eclosão do escândalo do mensalão, em 2005. Em meio ao turbilhão que
se formou, Lula chegou a temer que, mesmo que conseguisse evitar um
impeachment, sua reeleição estivesse comprometida.
Não foi o que, afinal, se viu. A crise acabou superada e,
graças ao bom desempenho da economia e aos programas de redistribuição de
renda, Lula conseguiu seu segundo mandato. E pôde respirar aliviado. Mas o novo
governo já não era o do primeiro mandato. Ironicamente, da perspectiva da
política econômica, o Lula que foi reeleito era muito diferente do de 2003. Foi
ele mesmo quem “quis inventar a roda” e “parar quase tudo”.
A verdade é que, desde o mensalão, a correlação de forças
dentro do governo havia mudado. A insegurança de Lula, o descabeçamento do PT e
a ascensão de Dilma Rousseff à Casa Civil redundaram em crescente cerceamento do
poder do ministro Antonio Palocci, como ficou mais do que claro no emblemático
embate entre a Fazenda e Casa Civil, no segundo semestre de 2005, quando a
proposta de ajuste fiscal de longo prazo foi torpedeada. O afastamento de
Palocci e sua substituição por uma figura inexpressiva, em abril de 2006,
abriram espaço para crescente preponderância da Casa Civil na condução da
política econômica no segundo mandato.
O resto da história é bem conhecido. A política econômica
passou a ter outra orientação. As mudanças, de início mais discretas, logo se
tornaram mais ostensivas, quando o agravamento da crise mundial proporcionou o
pretexto que faltava para o abandono dos princípios que haviam pautado a
política econômica do primeiro mandato. O rumo passou a ser ditado pela “nova
matriz econômica”, custosa pajelança voluntarista, engendrada no segundo
mandato de Lula, cujas consequências funestas vêm sendo agora observadas com
riqueza de detalhes nesse patético apagar das luzes do governo Dilma.
Lula pode até ter preferido seu segundo mandato, mas foi
exatamente nesse período que a política econômica petista começou a
descarrilar. O que o país tem presenciado, desde então, é o inexorável
desenrolar do desastre, como num grande acidente ferroviário filmado em câmara
lenta.
E Lula ainda acha que Dilma merece outra chance.
Fonte: Alerta Total
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Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio.
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