Parece uma foto da Síria, mas é Copacabana, no Rio (Foto:
Christophe Simon – AFP)
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Quando as coisas ficam muito atrapalhadas, também as
palavras perdem o sentido. Vocês viram o caos em Copacabana, no Rio, que se
seguiu à morte de Douglas Rafael da Silva Pereira, conhecido como DG. Em todas
as reportagens que se produziram a respeito, o rapaz ganhou um aposto, uma
expressão explicativa: “dançarino do programa ‘Esquenta’, de Regina Casé”. Como
consequência dos confrontos, produziu-se um segundo morto:
No Globo Online, leio o seguinte (em vermelho, com destaques
meus):
A morte de um dançarino, numa favela pacificada, provocou,
nesta terça-feira, um violento protesto em Copacabana. A Avenida Nossa Senhora
de Copacabana, uma das principais do bairro, teve o trecho entre as ruas
Almirante Gonçalves e Sá Ferreira completamente interditado após virar praça de
guerra, com barricadas montadas com fogo. A confusão, que também provocou o
fechamento do Túnel Sá Freire Alvim, da Rua Raul Pompeia, de lojas e de um dos
acessos à estação do metrô da General Osório, começou após a descoberta do
corpo de Douglas Rafael da Silva Pereira, conhecido como DG, em uma creche no
Pavão-Pavãozinho. Inconformados com a morte do rapaz de 26 anos, que fazia
parte do elenco do programa “Esquenta”, da TV Globo, moradores desceram para o
asfalto e, acusando policiais da UPP de terem espancado Douglas, começaram o
tumulto, por volta das 17h30m, provocando pânico na região e atrapalhando a
volta para casa dos trabalhadores que não emendaram o feriadão. Parte da
comunidade ficou sem luz. O Batalhão de Choque da PM e o Corpo de Bombeiros
foram para o local, assim como policiais do 23º BPM (Leblon). Com o reforço no
policiamento, começou um intenso tiroteio dentro da comunidade, por volta das
18h30.”
Há coisas que não entendo, por mais que tentem me explicar.
Há coisas com as quais não me conformo, por mais que tentem vender como
corriqueiras. Há coisas que ofendem a minha inteligência, por mais que tentem
demonstrar que são normais.
Se a favela está “pacificada”, como diz o Globo Online, como
é que se explica a guerra? Nesse caso, o vocábulo “pacificada” quer dizer o
quê, já que, obviamente, paz não é? Eu sei: quer dizer apenas que a UPP, a tal
Unidade de Polícia Pacificadora, lá se instalou. Então por que não somos todos,
na imprensa, mais precisos? Em vez de “pacificada”, podemos dizer que a área
está dotada de uma UPP. E pronto! Não se ofendem nem os fatos nem o dicionário.
Há mais: leio no texto, também, que, às 18h30, começou um
“intenso tiroteio”. Mas esperem aí: a tal revolta não era de moradores, da
comunidade? Desde quando trabalhadores, pessoas normais, comuns, enfrentam a
polícia a tiros? Não resta evidente que a reação foi, então, organizada pelo
tráfico de drogas, não pela população? Você que me ouve aí no Rio, em São
Paulo, onde quer que seja: se a gente fizer de conta que o que aconteceu não
aconteceu, a realidade muda? Mais: é possível haver um grupo organizado que
enfrenta a polícia a bala numa “comunidade pacificada”?
Acusações contra a Polícia
Ninguém sabe o que aconteceu direito. O laudo feito pelo IML
indica que Douglas Rafael da Silva Pereira morreu em razão de “hemorragia
interna decorrente de laceração pulmonar decorrente de ferimento transfixante
do tórax. Ação pérfuro-contundente”. Segundo o comando da UPP, haveria ainda
fraturas no corpo, compatíveis com uma queda.
Ocorre que se espalhou rapidamente o boato de que ele teria
sido assassinado pela Polícia. Na madrugada de terça, nesta dita “comunidade
pacificada”, para falar em carioquês — em português, quer dizer “favela com UPP
— houve um tiroteio entre polícias e traficantes. Quando a Polícia Civil chegou
para fazer a perícia, encontrou o corpo de Douglas. O fato de ele trabalhar no
programa de Regina Casé, obviamente, amplificou o boato e a reação. Carlos
Henrique Júnior, que a imprensa chama de líder comunitário — seja lá o que isso
signifique — postou numa rede social que a rapaz tinha sido morto pela Polícia.
O resto vocês já conhecem. Durante o confronto na noite desta terça, um outro
homem levou um tiro na cabeça e morreu.
A polícia pode ter sido a responsável? Pode, sim, é claro! O
histórico não é dos melhores. Mas há elementos suficientes para que se chegue a
essa conclusão agora? É claro que não! A polícia tem de apurar obsessivamente
esse caso e punir exemplarmente o culpado, seja quem for, de farda ou não. Mas
estará cometendo um erro terrível se não for atrás daqueles que organizaram a
baderna.
Desculpem: tenho apreço pelas palavras. Acho que a precisão
deve ser uma obsessão do jornalismo, o que descarta a demagogia politicamente
conveniente. Notem que não uso a expressão “politicamente correta”. Aliás, eu
vou bani-la do meu vocabulário. Doravante será mesmo “politicamente
conveniente”, que corresponde à escolha da imprecisão para não ficar mal com
grupos influentes.
“Comunidade” não enfrenta a polícia a tiros. Também não sai
botando fogo em bens públicos nem fazendo barricadas. Isso é coisa de bandido,
própria de áreas que ainda estão submetidas à ditadura do crime organizado e
que, portanto, pacificadas não estão.
A imprensa precisa parar de glamorizar ações criminosas,
chamando-as de reação popular. Povo gosta de ordem. Quem gosta de desordem é
bandido e subintelectual do asfalto, metido a intérprete do pobres. Em São
Paulo, eles existem também às pencas. No Rio, no entanto, essa gente do miolo
mole se considera fundadora de uma nova antropologia.
Quanto mais as teses desses iluminados triunfam, mais a
violência se alastra. A bandidagem sorri.
Cadeia para os assassinos de Douglas! E cadeia para os que
promoveram a baderna. O que lhes parece?
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