Por Laryssa Borges, de Brasília, para o site de VEJA
SUPREMO JULGA COLLOR POR CORRUPÇÃO NA PRESIDÊNCIA
Após mais de 20 anos, STF pode condenar ex-presidente
acusado de comandar e ser o principal beneficiário de esquema de pagamento de
propina no Planalto
Mais de duas décadas depois de o ex-presidente Fernando
Collor o ter sido apeado do poder na histórica votação do impeachment, a
Justiça brasileira terá sua última oportunidade de fazer justiça.
O Supremo Tribunal Federal (STF) agendou para a tarde desta quinta-feira
o derradeiro processo a que o senador alagoano e ex-presidente da República
responde por fatos relacionados aos 930 dias em que exerceu poderes
presidenciais.
Estará sob a alçada da mais alta Corte do país a ação penal
em que o parlamentar é acusado pelo Ministério Público de liderar uma rede de
corrupção e distribuição de benesses com dinheiro público na época em que
ocupou a Presidência.
O esquema consistia em cobrar propina de empresários para,
por meio de fraudes, permitir que corruptos saíssem vencedores em licitações
para a contratação de serviços de publicidade.
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Mentor do esquema criminoso segundo o MP, Collor utilizava
prepostos para extorquir dinheiro dos empresários e dava instruções para que o
propinoduto circulasse por meio de contas bancárias de pessoas fictícias ou de
“laranjas”.
Os recursos eram então utilizados por ele e seus comparsas
para quitar faturas de cartão de crédito, empréstimos bancários, despesas de
hotéis e até a pensão que o ex-presidente pagava para o filho fora do casamento
que teve em 1980 com a amante Jucineide Braz da Silva.
Em um dos episódios de pagamento de propina, o empresário
Chucre Said, sócio da SR Publicidade e Promoções Ltda, declarou ter sido
procurado por Osvaldo Sales, então adjunto da Secretaria Particular da
Presidência e “testa-de-ferro” de Collor.
Diante dos astronômicos recursos movimentados à margem da
lei, ele chegou ao ponto de abrir uma conta corrente específica para gerir os
valores oriundos da publicidade do governo.
O titular da conta, aberta no Banco de Boston, era João
Carlos Gavilán, um personagem fictício, mas que daria ares de veracidade para
que o próprio Said administrasse o dinheiro e fugisse dos órgãos de
fiscalização. Adeilton Leodino dos Santos e João Batista Ferreira Filho também
figuravam como titulares fantasmas de contas bancárias do esquema.
Os recursos arrecadados com a propina empresarial eram, ao
final, utilizados para pagamentos de despesas pessoais de Fernando Collor,
Osvaldo Sales e do advogado Claudio Vieira, então secretário particular do
presidente.
Diz o Ministério Público: “Os depoimentos e os laudos
grafotécnicos e contábeis realizados conferem a certeza da efetiva conduta do
réu na prática do ato delituoso, ou seja, que o então Presidente da República,
Fernando Collor, comandava as operações por meio do ‘testa-de-ferro’ Osvaldo
Mero Sales”.
E continua: “É inadmissível acreditar que um esquema que
movimentou vultosas quantias, beneficiando diretamente o denunciado [Collor],
não tenha participação do mesmo. Todos os depoimentos creditam a atuação do
grupo à figura do ex-presidente”.
Pena – Collor, que se vangloria até hoje de ter sido
absolvido, em 1994, pelo STF no processo que o acusava de corrupção no célebre
esquema PC Farias, pode receber pena de até vinte anos de prisão pelos crimes
de peculato e corrupção passiva se condenado agora pela rede de fraude em
licitações de contratos de publicidade.
Mas em seu favor está sentença da juíza Pollyanna Kelly
Martins Alves, da 12ª Vara Federal, que absolveu os réus sem foro privilegiado,
apontados como partícipes do mesmo esquema, do crime de peculato por falta de
provas. A juíza também absolveu Claudio Vieira e companhia das acusações de
tráfico de influência, corrupção ativa e passiva, desta vez por considerar ter
havido a prescrição dos crimes, situação em que o Estado, por ter demorado a
julgar o processo, não pode mais condenar os réus.
A prescrição, aliás, é o principal trunfo de Fernando Collor
no STF. A demora no julgamento do caso já foi responsável pela impossibilidade
de punição pelo crime de falsidade ideológica. Se a Corte impuser pena mínima
ao senador nos outros dois ilícitos, também haverá prescrição e Collor sairá
ileso de mais essa acusação. A denúncia contra o senador foi recebida pela
Justiça de primeira instância no ano 2000 e está paralisada no STF desde 2007.
Ato de ofício – Em dezembro de 1992, quando Fernando Collor
foi absolvido pelo Supremo no principal processo a que respondeu por
participação no esquema PC Farias, a maioria dos ministros considerou que não
havia provas de que o ex-presidente tivesse praticado “ato de ofício” que
confirmasse os crimes, ou seja, que não havia evidências de que ele tivesse
solicitado, aceitado ou recebido benefícios do corruptor e oferecesse algo em
troca ao alcance das atribuições do seu cargo, o chamado “ato de ofício”.
Naquela época, foi comprovado, entre outros episódios, que o
célebre Fiat Elba de Fernando Collor havia sido comprado com dinheiro levantado
do esquema PC Farias, mas o Supremo considerou que faltava registro da
retribuição do ex-presidente ao presente recebido. Com o recente julgamento do
mensalão, porém, a interpretação da Corte sobre o ato de ofício e o crime de
corrupção ficou mais clara, já que o artigo 317 do Código Penal, que descreve o
crime de corrupção passiva, não exige que o agente público tenha praticado o
ato criminoso em si, prevendo que a corrupção já se caracteriza quando existe a
simples solicitação da vantagem indevida.
Fonte: Ricardo Setti –VEJA
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