Há certas realidades — PARALELAS! — que só se instauram com
uma revolução também da linguagem. A sacada original, não há como, é de George
Orwell, em “1984’, com a “novilíngua”, um sistema de comunicação em que as
palavras passam a significar exatamente o contrário do seu sentido original.
Vou falar sobre a ocupação do Complexo da Maré, no Rio, pelo Exército. Na
sexta-feira, escrevi um post sobre as promessas da então candidata do PT à
Presidência Dilma Rousseff, que, na campanha eleitoral de 2010, jurou transformar
o Brasil inteiro num imenso Rio de Janeiro. Não! Dilma não poderia nos dar
aquela paisagem de cartão-postal. Aí é só com Deus! Ela prometia era tomar a
segurança pública do estado como modelo para o resto do país. Felizmente, essa
foi mais uma promessa que ela não cumpriu. Posso imaginar o tom do noticiário
se houvesse, por exemplo, um aumento de 100% dos homicídios em São Paulo… Ao
dia.
Nesta segunda, José Mariano Beltrame, secretário da
Segurança do Rio e um dos dicionaristas da novilíngua que só se fala no Rio,
anunciou que 1.500 homens do Exército vão se instalar no Complexo da Maré por
tempo indeterminado. Em si, não vejo nada de errado. O meu primeiro texto
defendendo que as Forças Armadas ponham pra correr o narcotráfico é de 1986 —
há 28 anos, portanto. É que tentaram me convencer, ao longo desse tempo, de que
isso é coisa de gente reacionária, conservadora, de direita, malvada, essas
coisas, vocês sabem… Agora que vejo os progressistas do PT, em associação com
os carnavalistas do cabralismo, mandando o Exército ocupar o morro, penso que
ou eles todos se tornaram reacionários, conservadores, de direita e malvados,
ou eu é que me fiz esquerdista e carnavalista… Como estou convicto de que isso
não aconteceu…
Vamos ao dicionário de Baltrame:
“Nós não estamos pensando na Copa do Mundo, estamos pensando
no cidadão brasileiro. Estamos pensando nos policiais que estão morrendo
covardemente em razão de o tráfico estar perdendo força. A prova de que nossa
política está certa é essa. Eles estão de maneira covarde procurando fazer com
que esse programa não siga em frente. Vamos mostrar a eles que o estado tem
mais força.”
Também a lógica merece um entendimento alternativo no Rio.
Se entendi direito, para Beltrame, o fato de haver policiais assassinados prova
que a sua política de segurança púbica está dando resultado. Levado o juízo a
termo, quanto mais policiais mortos, mais segura estaria a população do Rio.
Pode-se dizer tudo dele, menos que seja um homem com um pensamento
convencional. Outra evidência de que suas escolhas são, digamos, exóticas é o
fato de que a ocupação da região será feita não exatamente pelas UPPs, mas pelo
Exército. Tudo isso a menos de quatro meses da Copa do Mundo.
É por causa da Copa? Ele assegura que não, mas Cabral
assegura que é quase: “Pedimos ao governo federal GLO (Garantia de Lei e Ordem)
para o Complexo da Maré, uma área estratégica do ponto de vista de segurança.
Em breve, teremos o BRT Transcarioca, é próximo do Galeão. É uma área
sensível”, disse o governador. Para quem não está familiarizado com a
novilíngua cabralina, “BRT Transcarioca”, leio na Wikipédia e reproduzo entre
aspas, “será um importante sistema de transporte público metropolitano de Bus
Rapid Transit da cidade do Rio de Janeiro que ligará a Barra da Tijuca ao
Aeroporto Internacional Tom Jobim, fazendo parte do pacote de obras proposto
pela prefeitura para melhorar o transporte público da cidade para os Jogos
Olímpicos de 2016”. Entendi.
Mas por que esse tonzinho de ironia, Reinaldo Azevedo?
Porque o Rio de Janeiro segue realizando um milagre na segurança pública.
Beltrame continua a pacificar favelas (em novilíngua, adotada pela imprensa
carioca e pelos artistas, deve-se dizer “comunidade”) sem prender a bandidagem,
que ou foge ou continua a tiranizar a população, mas aí num novo contexto,
entendem? Se as forças de segurança permitem que os donos dos morros continuem
a exercer livremente o seu “comércio”, tudo bem; caso contrário, os policiais
morrem.
Faz sentido. Afinal, se a polícia se chama “pacificadora”,
ela pacifica forças legitimamente beligerantes entre si, certo? E, para que
haja a paz, nessa relação, não pode haver a guerra. Assim, bandidos não devem
se meter com policiais, e policiais não devem se meter com bandidos. Simples,
não? É a pacificação!
Tudo foi meticulosamente pensado para que se chegasse a 2014
com o Rio vivendo em estado de graça na área de segurança pública — com as
favelas pacificadas, os bandidos cooptados, todo mundo atuando do mesmo lado,
sobrando como críticos os descontentes de sempre, vocês sabem… E, no entanto,
no ano-símbolo da satanização das Forças Armadas, em especial do Exército, é
preciso chamar os homens de verde para impor um mínimo de lei e de ordem.
Não vejo nada de errado nisso — até porque a
Constituição assegura às Forças Armadas o papel de auxiliar na manutenção da
ordem interna. Mas me diziam que eu só concordava com isso porque sou
reacionário… Que país curioso! Alguns nefelibatas gostam de debater a chamada
“desmilitarização” da polícia, seja lá o que isso signifique… Compreendo. Na
impossibilidade de fazê-lo já, por que não, então, a “policialização” dos
militares, né?
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