Por Percival Puggina
Não é muito raro que
cidadãos comuns, presenciando um assalto, reajam contra o assaltante
agredindo-o fisicamente. Sabem que o meliante, levado à delegacia, tem grande
possibilidade de sair livre, leve e solto pela mesma porta por onde entrou. E
sai, muitas vezes, antes mesmo de que o policial preencha os documentos
relativos à sua captura. Ainda recentemente, o secretário de segurança do Rio
Grande do Sul relatou a uma emissora de rádio que certo PM, num único turno de
trabalho, prendeu duas vezes o mesmo bandido. Então, as pessoas, vez por outra,
tratam de fazer justiça com as próprias mãos.
Sempre que isso
ocorre, a imprensa nacional reage com justa indignação. Essa não é uma atitude
civilizada! E não é mesmo. Impõe-se que a Justiça siga seu curso. Ainda que ela
falhe, ainda que seja excessivamente branda, ainda que "a polícia prenda e
a justiça solte", ainda que o bandido seja um indivíduo socialmente
intolerável e irrecuperável, ainda que seus crimes se repitam indefinidamente,
o "justiçamento" não pode ser tolerado. São severas as palavras da
mídia, sempre que algo assim acontece. E têm que ser.
Há poucos dias, na
Arena do Grêmio, um grupo de torcedores dirigiu palavras injuriosas ao goleiro
do Santos. Chamavam-no de "macaco" e imitavam sons e movimentos
simiescos. Vulgaridade, grosseria, estupidez. Entre esses torcedores havia uma
jovem cuja imagem foi flagrada por câmera enquanto pronunciava, com nitidez que
não gera dúvidas à leitura labial, as três sílabas da palavra macaco. Nos dias
que se seguiram, a imagem dela injuriando o goleiro ocupou parte do noticiário
nacional, capas de jornais e ganhou manchetes, numa reiteração cotidiana. A
moça mereceu painel fotográfico, perfil biográfico, entrevistas com familiares,
identificação minuciosa.
Junto com diversos torcedores, identificados uns, outros
não, ela cometeu delito criminalmente tipificado como injúria racial (onde a
característica racial da injúria é agravante). Correrá um processo, no qual
certamente será condenada a pena branda, porque o delito não comporta mais do
que reclusão de um a três anos, o que, ante a primariedade da ré, provavelmente
será substituída por pena alternativa.
A questão é a seguinte: a imprensa, que tão pronta e
justamente reprova a agressão a bandidos nas ruas, não percebeu o linchamento
moral imposto à jovem, com a superexposição a que a submeteu? Foi desmedido e absurdo
esse comportamento. Não, não foi sábio, nem prudente, nem judicioso. Antes das
devidas sanções judiciais, a moça foi imediatamente penalizada com a despedida
de seu emprego. Sua casa foi apedrejada. Seus familiares injuriados. Recebe
ameaça de morte e precisa buscar abrigo e segurança.
Perdeu-se a noção de limites, bem ali onde se abrigam tantos
árbitros dos limites alheios.
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Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor,
titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais
e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da
utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.
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