Pode haver outros, mas creio que poucos jornalistas combatem
com tanta firmeza o preconceito que há no Brasil, nas camadas ditas mais cultas
— no geral, são apenas pessoas orgulhosas do pouco que sabem e do muito que não
sabem — contra os evangélicos. Na verdade, existe um preconceito muito forte
contra os cristãos. Os católicos também são alvos constantes de desconfiança.
Mas não vou tratar disso agora. O que me incomoda profundamente em período
eleitoral é a busca desesperada dos políticos pelos votos dos crentes. Muitos chegam a afirmar até uma convicção que
não têm só para conquistar o eleitor.
Nesta sexta, por exemplo, a presidente Dilma esteve na
Assembleia de Deus do Brás, em São Paulo – um braço da Congregação de
Madureira. Foi convidada a discursar no Congresso Nacional de Mulheres da
Assembleia de Deus Madureira, que reuniu fiéis de todo o país. Lembrou que o
Brasil é um país laico, mas citou o Salmo 33, de Davi: “Feliz é a nação cujo
Deus é o Senhor”. Então tá bom. Eu preciso lembrar aqui algumas coisas.
Quando ministra do governo Lula, Dilma concedeu mais de uma
entrevista dizendo-se favorável à legalização do aborto. Está tudo documentado.
Eu lido com fatos, não com impressões. Notem, leitores: um candidato tem o
direito de pensar o que quiser. Não pode, ou não deve, é fingir o que não
pensa. A então ministra chegou a comparar a eliminação de um feto com a
extração de um dente. Houve uma forte reação dos cristãos — e percebam que,
aqui, eu não estou me posicionando sobre o aborto, mas sobre a hipocrisia
política. E se inventou uma Dilma que seria contrária ao aborto.
A então candidata foi a um programa de TV e se disse
católica — chegando a chamar Nossa Senhora de “deusa”. O cristianismo é
monoteísta, vale dizer: crê num único Deus. Nossa Senhora, como se sabe, é uma
santa. Chegou a ir a Aparecida e foi filmada persignando-se — de maneira
errada, diga-se. Eleita presidente, nomeou para o Ministério da Mulheres
Eleonora Menicucci, uma defensora fanática do aborto, que já havia confessado
tê-lo feito, em outras mulheres, com as próprias mãos. Fatos. Eu só lido com
fatos.
Os cristãos, com mais ênfase os evangélicos, fazem um
intenso trabalho de convencimento contra a descriminação das drogas, por
exemplo. O governo desta Dilma que vai a um templo evangélico citar um Salmo de
Davi pôs em prática uma política pública escancaradamente favorável à
descriminação, ainda que o faça de maneira um tanto oblíqua. Em maio de 2013,
vários entes federais promoveram um seminário em Brasília, patrocinado com dinheiro
público, em favor da descriminação e da legalização das drogas. Não se convidou
para o evento um único representante que se opusesse a essas teses. Fatos. O
governo Dilma, por intermédio do Ministério da Saúde — especialmente na atual
gestão, de Arthur Chioro, combate com unhas e dentes as chamadas comunidades
terapêuticas, que atuam com dependentes químicos — algumas são ligadas a
igrejas evangélicas. Fatos.
No dia 27 de janeiro de 2012, no Fórum Social de Porto
Alegre, Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência, afirmou que os
petistas deveriam se preparar para travar com os evangélicos uma luta
ideológica para disputar a chamada “classe C”. Entenderam? Para ele, seu
partido e os cristãos dessas denominações têm interesses contraditórios.
Também não demonizo posições. Cada um pense o que quiser e
dispute o coração do eleitor. O que estou cobrando é honestidade intelectual.
Dilma tem o direito de defender a descriminação do aborto ou sua política
simpática à descriminação das drogas. O que me desagrada, e isto vale para
qualquer partido, é essa mania de alguns políticos de achar que Deus tem prazo
de validade: geralmente, vai de julho a outubro dos anos pares, que são os
eleitorais. Depois, quem costuma dar as cartas na política é mesmo o capeta do
vale-tudo.
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